Alberto Gonçalves
A proximidade às mesas dos restaurantes
onde se distribuem prebendas do Estado não equivale a “ter mundo”. Pequenino e
comum ao doutor Santana, ao doutor Rio e a Portugal inteiro é um mundo que dá
pena.
1. Parece que os doutores
Rio e Santana disputam hoje a presidência do PSD. Parece ainda que ambos
cometeram uns debates por aí. Não vi. Consola-me saber que ambos tentam
mostrar-se diferentes entre si e conseguem sugerir que nenhum se distingue
particularmente do conhecido doutor Costa. O resto, que para meu desgosto não
evitei ler ou ouvir, é a troca de lugares-comuns que caracteriza competições
assim. Talvez por vingança, os “media” acrescentam os lugares-comuns que
faltavam.
O meu preferido é o que deprecia
o doutor Rio por exibir uma “dimensão” mais “regional” e valoriza o doutor
Santana por “ter mundo”. Tradução, o doutor Rio não mora em Lisboa e o doutor
Santana sim. É um critério engraçado. O doutor Rio possui pouquíssimas
recomendações, a começar por um bando de apoiantes susceptível de aterrorizar o
soldado Milhões. Mas rebaixá-lo pelas ligações nortenhas é tão pertinente
quanto “Tony” Carreira ridicularizar o penteado do senhor Trump.
Caros compatriotas, somos
todos portugueses, logo, do Minho a Tim…, perdão, aos Algarves, somos todos
regionais, periféricos, provincianos, parolinhos, suburbanos e os restantes
epítetos que explicam a fatalidade de o país ser o simpático embaraço que é e
não uma coisa adulta e vagamente apresentável. Das Avenidas Novas ao largo de
Figueiró dos Vinhos, a única diferença é o possível deslumbramento dos que
habitam as primeiras. A proximidade às mesas dos restaurantes onde se
distribuem prebendas do Estado não equivale a “ter mundo”. Este mundo pequenino
e, na essência, comum ao doutor Santana, ao doutor Rio e a Portugal inteiro é
um mundo que dá pena, pena do doutor Santana, do doutor Rio e, sobretudo, de
Portugal inteiro.
2. “O nosso dever
é todos os dias homenagearmos Mário Soares”, decretou o doutor Costa em cerimônia
oficial de homenagem a Mário Soares. Da maneira que isto está, ignoro se a
coisa já subiu a lei e se as coimas por desobediência são pesadas. À cautela,
estabeleci um programa. Segundas e terças-feiras, recordo o Soares filósofo,
relendo as crónicas dele no “Diário de Notícias” e sublinhando com um lápis
afiado as referências ao “bom Papa Francisco” e à responsabilidade do
“neoliberalismo” nas “alterações climáticas”.
Quartas-feiras, celebro o
Soares democrata, através das entrevistas em que elogia Chávez e Lula e insulta
dois terços dos regimes ocidentais.
As quintas-feiras são
dedicadas ao Soares republicano, pelo que desfraldo a bandeira e canto “A
Portuguesa” trinta vezes depois do almoço e trinta depois da sesta.
Às sextas, comemoro o Soares
feminista, evocando com pesar a importantíssima eleição que perdeu para uma
“dona de casa”.
Aos sábados, festejo o Soares
bonacheirão e ponho em “loop” no YouTube o vídeo do “Ó sr. guarda,
desapareça!”.
Dedico os domingos ao
prestígio internacional de Soares e, não sei porquê, penso muito em Macau e
queimo uma efígie de Rui Mateus. Chega assim? Caso não chegue, espremo a agenda
e arranjo espaço para aplaudir o Soares patriota, que a título pedagógico
entregou o país ao FMI em duas ocasiões, o Soares solidário, cujos amigos não
morriam na cadeia, e o Soares digno, que caucionou os merecidos insultos à
“amante” de Sá Carneiro.
3. Espantosamente,
os Globos de Ouro premiaram um bom filme (“Three
Outdoors Outside Ebbing, Missouri”). Sem surpresas, serviram também para
fazer chinfrim em volta da “causa” do momento: o assédio sexual, sobre o qual
se começou por condenar violadores e se acabará a levar para a fogueira o
tarado que pisca o olho a uma senhora. Nem de propósito, as duas figuras mais
indignadas da noite – Oprah Winfrey e a repulsiva Meryl Streep – eram notórias
amigas do violador original desta história, o produtor Harvey Weinstein.
Possivelmente, conheciam-lhe os hábitos e ignoraram-nos até os ditos se
tornarem públicos. Não admira: em Hollywood e no mundo real, o objetivo das
“causas” é privilegiar os porta-vozes em detrimento das vítimas, sempre
acessórias. Muito pior que o “assédio”, o drama destes tempos é o mau gosto. Ou
a falta de vergonha. Ou a hipocrisia. Ou a pura boçalidade. Ou o que quiserem chamar-lhe.
E se não chamarem, a boçalidade vem na mesma.
4. Os “media”
garantem-me duas coisas. A primeira é que a emigração portuguesa continua em
grande, e que cem mil alminhas deixaram a pátria em 2016. A segunda é que 4 mil
indivíduos, dessas ou de outras contas, aproveitaram a isenção de visto na
entrada nos EUA para se instalar por lá. O curioso é os “media” terem passado
os últimos meses a garantir duas coisas ligeiramente distintas. A primeira é
que, graças ao prodigioso dr. Centeno e à compaixão da esquerda, Portugal se
tornara um caso de sucesso económico e, afinal, um paraíso invejável. A segunda
é que os americanos fugiam em debandada do temível sr. Trump. Partindo do
princípio de que os “media” não falham, falharam os factos. Convinha que os factos
chegassem a um acordo.
5. Não surpreende
que, com típica sutileza, o governo prometa enxotar Joana Marques Vidal do
cargo. O surpreendente é ter existido uma procuradora-geral da República que,
com a leviandade que não caracterizava o seu antecessor, permitiu investigações
a gente tão impoluta quanto os Salgados, os Sócrates, os Varas, os Bavas e o
que calhou. A doutora Marques Vidal é a relíquia de um tempo em que o país
pareceu ambicionar civilizar-se e uma excrescência neste tempo novo em que
ambicionamos outras coisas. É natural que seja corrida. Esperamos que seja
corrida.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Observador,
13-1-2018
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