domingo, 17 de fevereiro de 2019

[As danações de Carina] O obscuro do desamor lambeu meu rosto

Carina Bratt


Às vezes lhe procuro nos meus devaneios exaurida às lembranças que ficaram. Busco seu rosto, seus olhos, sua boca, seus beijos, suas mãos macias e quentes. Mas qual o quê! Um vazio enormemente grande e profundo paira sobre tudo.

Um buraco de elevada dimensão, pinta ao acaso, abrupta em derredor do meu caminho. Surge do perrel como uma cilada anunciada. Certamente para que eu tropece e caia. Atenta, todavia, contorno. Dou a volta por cima sacudindo a poeira.

Você, meu homem, meu macho, é chuva de granizo vinda do céu. Um enigma quebra-cabeçado que não consigo decifrar. Um jogo vicioso de mecanismos difíceis, onde ao menor descuido, me curvo vencida, enfadada, partida em mil pedaços. Cacos que a depois não se colam com remédios caseiros, tampouco por mãos de médicos especialistas em almas partidas.

Às vezes lhe procuro nos meus sonhos bobos entremeados por uma letargia atribulada. Desesperada, me viro na cama, me debato me contorço em mil piruetas esmagando o lençol. Abraço o travesseiro. Insensível e altruísta ele não responde aos meus assomos e rompantes.

Ousada, afoita e incitada, a epiderme excitada em labaredas, me viro para lá, me debato para cá. Deslizo as mãos em busca de sua presença ao lado, exatamente onde a parte da alcova deveria estar preenchida por seu corpo nu. Encontro apenas um espaço pelado e despido que também sente a falta do seu mormaço.

Ao pranto descompassado do nariz fungando, o peito arfante, cega das pernas e manca dos olhos, como uma erradia desajuizada me assemelho a um desses tocos de enxurrada guindados de alguma margem ribeirinha descendo rio enorme em direção a um destino incerto.

De repente, dou de cara com espelhos d’água girando em redemoinhos inimagináveis. Meu semblante pálido e isento da robustez que me encanta a visão enroscada num branco sem vida surge deles. Emerge meu desatino feroz em fatias pequenas como se fragmentado e, ao mesmo tempo, multiplicado por mil.

Um medo mórbido, tétrico e horripilante me apavora e toma conta do meu corpo. Inteira, me inflamo desprevenida do essencial e me vejo, e não só me vejo, me sinto prisioneira de uma dimensão que desconheço as suas coordenadas de latitude.

Às vezes lhe procuro nos meus medos. Agora os tenho porquanto somente sombras difusas se disseminam e me cercam por todos os ângulos. Escuto um grito lancinante, pungente, aflitivo, consternado e martirizante.

Tipo assim, como se alguém tivesse caindo de um prédio de estrutura altíssima e soubesse que no final da queda, os seus dias aqui na terra se espatifariam disformes sem poder voltar à normalidade.

Com os tímpanos a estourar, na mesma sequência, vibra mais forte que este grito (e eu não sei explicar como), vibra mais forte que este grito, a sua voz me dizendo: “eu te amo, eu te amo, eu te amo...”.  Todavia, apesar de me sentir reconfortada, inebriada, dona de mim, a felicidade se faz fugaz, apressada, sucinta e desumanamente transitória.

Ainda assim, aos trapos e aos remendos do “eu” frangalhado, me agaturro e me empolgo. Louca, me avivento. Maluca, me atiço e me bafejo renovada. Em idêntico trajeto, me retoco, me renovo me encorajo radiante. Embevecida e enfeitiçada. Amarrada e engalfinhada numa sensação desvairada de quase deusa. 

Mesma quimera, acastelada em expectativa tresloucada, perfunctória e temporária, por minutos que parecem eternos, tremo dos pés a cabeça. Todinha como mala velha me abro, me abalo, me estonteio, como se o coração tivesse levado um choque elétrico forte demais.

Num ‘Vapt Vupt’ a modilho “Chicoanisiano”, é como se lhe faltasse o fluxo de sangue necessário para continuar batendo descompassadamente à reverência daquela emoção. Esta emoção me chega como gemidos de Bach, ao órgão, dedilhando “A Arte da Fuga”. A arte da evasão que você não teve tempo de me ensinar.

Às vezes lhe procuro nos lugares improváveis. Atrás da geladeira na cozinha, do armário de compras na dispensa, debaixo da cama da empregada, dependurado em algum aparelho de ar condicionado do lado de fora do meu apartamento.  

Nada. Absolutamente nada. Nenhum vestígio! Você se transformou na trilha que não encontro. Na lâmpada que não deparo com o interruptor.  Na porta fechada que perdi a chave.  No fogo que não acendi. Na escada que recusei subir. No silêncio que não se quebrou apesar do desespero. No amor que eu busco em cada rosto, em cada alguém que topa comigo na rua. Eu lhe persigo e não o alcanço.

Perseguir sem alcançar, bem sei, é a mesmíssima coisa que lutar sozinha. Sem armas, sem a coerência de conseguir os objetivos almejados. Atormentada de uma dor lasciva, alvo oposto, preciso de um afago de efeito sedante. Como este vento sul que vem de longe e me levanta, intrépido, a saia em sopros undosos. 

Concluo tardiamente que necessito soltar as amarras, desgrudar as estribeiras. Deixar de me questionar quem esqueceu a sua cueca nos braços da torneira do meu chuveiro? Quem colocou os olhos da solidão no fundo da minha incoerência?

No pior dos estragos: quem teve a ideia de juntar o seu sabor ao meu paladar aguçado? Quem me fez cativa do seu gostar? Ainda pouco, imagine, ainda a pouco voltou a vibrar (de novo e de novo e novamente) mais forte, a sua voz me dizendo: “eu te amo, eu te amo, eu te amo...” intermitentemente... 

Chega! Basta. Ponto final. Cansei. Você é como aquela bebida gostosa, saborosa e sibilina, da qual não me embriaguei... não me entreguei... não me subjuguei.  Porém, pior que tudo isto passei a carroça diante dos burros: amei, amei, amei, me apaixonei, e me entreguei perdidamente até a exaustão.  
Título e Texto: Carina Bratt, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 17-02-2019

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4 comentários:

  1. Quando tinha meus 18, era perdidamente apaixonado por uma menina de 14 anos. Tivemos um amor intenso, namoramos por 3 anos, sem sexo, para ão ousarem chamar-me de pedófilo.
    Quando surgiu a oportunidade de ser F/E e mudar-me para o RIO, ela me deu o ultimato:
    - Ou eu ou o Rio...
    "Desmoronei"! mas fui ao Rio.
    A aviação nacional, poucos sabem, me deixava meses fora de Porto Alegre.
    No último fragmento de fé fiz uma promessa à Senhora da Penha.
    Alguns anos depois, em férias na minha cidade conheci outras pessoas.
    Encontrei-me com ela, casada, separada com um filho nos braços.
    Ela arrependida me oferecia aquilo que sempre quis, amor.
    Foi com tristeza em meu íntimo dizer, que havia passado.
    O tempo resolve muitas doenças da mente.
    Minha maior tristeza foi subir as escadarias da Penha para pagar uma promessa em lago que eu não acreditava mais.
    PORQUE?
    Por que gosto de cumprir promessas que faço para mim.
    Amei, amei, ela se entregou e eu rejeitei...
    Sexo perdido não se recupera jamais.
    fui...

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    1. Resposta ao meu amigo das 16.49. Caro amigo Roccha. Seja bem vindo. Bonita a sua história. Um pouco resumida. Não importa. O que vale é a intenção. Quando a gente ama, tudo se transforma. E eu amo. E sou correspondida. Em outra oportunidade, fale mais de seu passado, de suas histórias de amor. Relembrar faz bem. Aliás, entendo que o senhor deveria escrever. Contar as suas aventuras. Esses pequenos mimos fazem bem à alma. Além de aguçar o âmago, ajuda na reconstrução da vida e, sobretudo, faz com que onosso interior rejuvenesça.
      Obrigada pela sua participação
      Carinhosamente,
      Carina
      Ca

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  2. Em cada texto você me surpreende. Fala do amor, descreve a paixão, a vivência dele, como se fosse algo que estivesse agarrado ao seu sangue, ao seu corpo, às suas digitais. Tenho comigo uma escrevinhadora que se fez adulta e eu nem percebi que crescia numa literatura que viria para ficar. Parabéns, minha linda. Me sinto feliz vendo o seu crescimento. E realizado vendo a dimensão que as suas ideias tomaram dentro de um cotidiano que certamente se espalhará mundo afora. Me curvo, cativado. Seu fã incondicional,sempre, Aparecido.

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    1. Apa:

      “Diga com quem andas, e eu te direi quem serás amanhã”. Lembra-se deste ditado? Pois então. Você sempre me ensinou coisas boas. Sempre me colocou na cabeça que para ser uma boa “escrevinhadora”, é preciso ler muito. E ser criativa. E é isso que eu faço. Sem contar, em aparte, que o meu melhor professor do mundo, a cada dia, se supera. E me supera. Sua aluna não poderia, ou melhor, não pode fazer feio. Feio seria não seguir você. E eu sigo... até o fim do mundo.
      Com carinho ao mestre Aparecido

      Carina
      Ca.

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