(Wrote, didn´t read, the stick ate. – tentativa de tradução: escreveu, não leu, o pau comeu)
Dentro em breve será Carnaval, tempo de esquecer as complexidades
da vida, momento de chutar problemas sérios para a rabada dos trios elétricos,
bem lá para o meio da “pipoca”, onde meu irmão Euvaldo se esbalda.
Começando a esquentar os tamborins, vamos para amenidades
do cotidiano, vamos para estórias do dia-a-dia.
Por preliminar, diria que não é fácil aprender uma nova
língua, principalmente quando a estrutura diverge de sua língua mater. Muita
gente tem facilidade, a maioria, não. Contudo, uma coisa é certa: não tenha
vergonha, meta os peitos, afinal a língua não passa de um meio de comunicação.
Se você foi entendido, em alguma medida você fala a nova língua. Essa
constatação feita agora terá relevo mais adiante. Como costumo dizer,
paciência, a hora vai chegar.
Não sei por que, quase nunca comemoro meu aniversário,
mas, como sempre faço nos aniversários dela, início de abril, peguei Nêga,
botei debaixo do braço e viajamos para comemorar.
Dessa feita, fomos para Nova Iorque comemorar a
importante efeméride, em alto estilo, que desta vida só se leva a vida que é
levada.
Como filho de Castelo Novo, local nobre da orgulhosa
Capitania de São Jorge dos Ilhéus, gosto de bons hotéis e restaurantes, que não
introjeto no meu sagrado corpo senão comida e bebida de alguns decibéis acima
do cotidiano, principalmente quando a ocasião, como o aniversário de Nêga,
exige pompa e circunstância, o que não quer dizer que uma farofinha de tripa frita,
um mocotó no capricho ou um sarapatel do Santu Bule, escoltados por molho de
pimenta malagueta e cerveja bem gelada, não sejam comidas dignas do Olimpo e
passíveis, também com pompa e circunstância, de serem concedidas como
alvíssaras a esse meu requintado e exigente aparelho digestivo, que nada tem de
bobo.
Um tanto encafifado, você há de me perguntar qual a
relação entre nascer em Castelo Novo e frequentar bons hotéis e promover
requintados rega-bofes, orvalhados por bons vinhos.
Minha resposta é breve e sincera. Por que não dar o de
melhor a quem nasceu às margens do rio Almada e foi alimentado com carapeba
verdadeira da Lagoa Encantada e bebeu mel de cacau, fresquinho, coletado de uma
“bandeira” recém-quebrada. A propósito disso, sempre que passo pela drawbridge (ponte levadiça) que liga Sunny Isles Beach a North Miami Beach, próximo daqui de casa, leio um outdoor onde está
escrito “IF YOU DON´T INDULGE YOURSELF WHO WILL?”. Para mim é um dístico
instigante. Tantas vezes por lá passe, tantas vezes leio e reflito
positivamente essa gostosa verdade.
Voltando aos trilhos, hei de dizer e vocês estão cansados
de saber, não há nada mais americano e menos americano do que New York, a Babel
do mundo. Lá se encontra de tudo, gente vinda de todos os cantos do planeta,
embora por ali não esteja fincada a profunda alma americana. Quem na vida não
conheceu aquela cidade nunca terá a verdadeira dimensão das palavras metrópole
e cosmopolitismo.
Sou um animal citadino, cosmopolita, adoro passear onde há sinais de civilização: aeroportos, hotéis, boates, restaurantes, teatros... Quando me chamam para conhecer a Gruta de Maquiné (não é, compadre Jólinson?), o Raso da Catarina, Machu Picchu, ou a Zona do Jalapão, sempre respondo que prefiro ver essas coisas exóticas no Travel Channel ou na National Geographic, devidamente acomodado e relaxado na minha “cadeira do papai”, esporte radical de que não abro mão.
Vamos voltar para New York para não perder a viagem, pois
algo de vetusto e engraçado aconteceu e eu preciso relatar essa experiência a
vocês, tão generosos em ler minhas bobagens.
Cidade plana, dividida em quadras pela intersecção de
avenidas e ruas devidamente numeradas, é o paraíso de andejos, como somos. Há
dias que andamos nada menos que uns quinze quilômetros, randomicamente, como
sinal de celular.
Num desses dias, descemos para as beiras do East River Esplanade, talvez na altura
do Pier 15. Tomamos mesa na parte de cima de um restaurante, de onde se divisa
a lendária ponte do Brooklin e, lógico, o rio East com aquela ida e vinda
incessante de barcos. Não almoçamos, mas recobramos o fôlego das canseiras da
andada com algumas ostras à Rockefeller, escoltadas por um untuoso Sauvignon Blanc
neozelandês, da região de Oyster Bay, como a prelibar a batalha gastronômica a
ser travada à noite.
Reconfortados, iniciamos a longa jornada de volta às
cercanias do nosso hotel, localizado próximo à Quinta Avenida, perto da agora
mais que famosa Trump Tower, onde jantaríamos, cedo, uma carne soberba, no
restaurante chamado Empire Steak, na rua 52, a poucos metros da Quinta Avenida.
Nesse movimento de retorno, mas ainda no início da
jornada e longe da meta, saindo das proximidades do rio East, pegamos uma quase
ladeira, se se pode dizer que há ladeira por lá, para alcançar a famosa
Broadway, ainda na altura de downtown, próximo ao World Trade Center.
Estávamos na linha de travessia de uma rua, acho que
Water Street, próximos ao semáforo, acredito que ainda na Maiden Lane. Eis que
ouço algumas risadas e vozes altas. Voltei-me e vi um grupo de oito a dez
pessoas, rapazes e moças, quase todos trajando bermudões, alguns com sandálias
de dedo, outros com alpercatas, a uns vinte metros de distância. Não tive muita
dúvida e disse a Nêga que achava que eram brasileiros, o que me fez olhar para
o grupo com ar cordial e simpático.
Era, como dito, início de abril e o dia estava bem
friozinho. Não sabia como eles estavam se aguentando, tão desagasalhados, como
se quisessem demonstrar que o nordestino é antes de tudo um forte.
Em menos de um minuto fomos por eles alcançados. Já não
tendo mais dúvida de que eram realmente brasileiros, vi o líder se dirigir a
mim com um inglês abaixo de qualquer consideração, com frases em que palavras
em inglês e português se intercalavam, uma passando rasteira na outra, verdadeira
briga de foice linguística.
Respondi em português à saudação “how are you” que o
líder me dirigira. Não teve jeito, o cara só queria falar inglês, se assim se
pode chamar a algaravia que lhe saía da boca em forma de palavras em catadupa,
trombando umas com as outras. Vou tentar repetir, com alguma fidelidade, as
falas do simpático líder.
Disse-me:
“we are perdidos, we don’t know como to go back to the hotel”. Os outros
olhavam para o amigo extasiados, admirados pelo domínio que achavam que ele
tinha de tão estranha e indecifrável língua. Fruto de tamanha admiração, ouvi
de um deles um interjetivo “cabra bom!”.
Compreensivo, conversei com eles em português e apontei
na direção do hotel, localizado a uns cem metros do ponto onde estávamos. O líder poliglota trajava uma camiseta de
propaganda, muito fininha, com a inscrição “Casa das Tintas, a Princesinha do
Agreste”.
Havia um incontido desapontamento do líder em me ver
falando em português, enquanto os demais demonstravam algum alívio em dialogar
com alguém no vernáculo. Não teve jeito, o orgulhoso guia continuava
irremissível, deitava falação naquele dialeto anglo-brasileiro, sob os olhares
admirados e embevecidos de todo o grupo, que por certo o consideravam uma
sensação, afinal falava a língua dos gringos, um verdadeiro “cabra bom!”.
Feitos os agradecimentos, apertadas as mãos, não resisti
e perguntei de onde eram. O líder anglófilo respondeu: “everybody from Ducks
and this one, apontando para um baixinho, from Serjaipe”. Entendi que um deles,
o tal baixinho, era de Sergipe, mas não entendi de onde eram os demais. Aí perguntei:
“Ducks?”
O líder shakespeariano: “Yeah, Ducks!”
Sem entender direito o que significava ser de Ducks,
peguntei ao líder, que, como já dito, só queria falar inglês: “where is Ducks?”
Ele respondeu: “Ducks is Paraíba”.
Sai encafifado, mas logo caiu a ficha: o meu cunhado,
José William, paraibano, é de Patos.
Um bom domingo para todos.
Título e Texto: Pedro Frederico Caldas, 17-2--2017
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