Gabriel Mithá Ribeiro
Apesar dos erros, problemas e desafios
passados e futuros próprios de qualquer país, Israel resiste na prosperidade
enfrentando uma guerra dura que torna improvável erradicar abusos e crimes
pontuais.
Povo criador do monoteísmo e nação
sem estado que resistiu durante séculos nas diásporas, ultrapassadas as
provações da inquisição ou do holocausto nazi reinventou-se em Estado-Nação, em
1948, com a instituição de Israel, o seu estado territorial nacional.
Na sua caminhada milenar, a identidade
judaica, depois também israelita, tem mantido como razão de existir a
autorresponsabilidade pelo destino coletivo imposta na origem ancestral, o
momento da submissão ao seu Deus único. Mesmo quando se foi modernizando com a
passagem do tempo e, não menos, quando foi transitando para manifestações
não-religiosas da vida social, intelectual, política, econômica, artística,
cultural, institucional, quotidiana – a tradição em causa nunca deixou de se
situar nos antípodas da muitíssimo mais recente moral social soviética,
tradição perfilhada pelas esquerdas, gerada desde 1917 justamente da rutura com
os fundamentos religiosos da ordem social.
Ao perder a crença de serem
todos filhos de um mesmo Deus, a última marginaliza a unidade do género humano
mantendo sempre latente a legitimação da violência social e política, uma vez
que o outro não é necessariamente concebido como igual a nós. Daí que se trate
de um fenómeno de regressão moral e civilizacional que, em troca, passou a
colocar no âmago do sentido da existência coletiva o princípio material que
fragmentada, na gênese, a ordem social entre ricos e pobres, opressores e
oprimidos. Este novo sujeito moral nascido no século XX define-se por remeter
para fora de si mesmo, por afastar da sua consciência, as responsabilidades
pelos seus falhanços submetido que vive ao primado moral da vitimização.
Considerando que os
meta-paradigmas em causa materializam-se em estados territoriais com
existências concretas, num extremo situa-se Israel e no extremo oposto a
URSS/Rússia, os povos fundadores dos dois grandes modelos antagônicos que
determinam os destinos do mundo atual, a moral social da autorresponsabilidade
(fundada numa continuidade histórica de matriz ancestral) versus a moral social
da vitimização (fundada numa rutura revolucionária recente). Nesse jogo de
contrários, coube ao modelo moral soviético (1917-1991) ir dissipando as
dúvidas sobre as razões do falhanço de certas sociedades e ao modelo moral
israelita (1948-2019) a demonstração do inverso, ambos evidências históricas
consistentes de cerca de setenta anos em que uma implodiu e a outra continua a
prosperar.
Se diversas sociedades são
exemplos de funcionalidade por causa da sua orientação moral (Suíça, Japão,
Austrália, entre outras), o processo histórico da Nação hebraica e o contexto
regional onde foi instituído o seu Estado territorial valorizam-nos enquanto
conjugação singular. A grande vitória de Israel é, por isso, a de ser hoje o
mais sólido modelo de moral social capaz de orientar o desenvolvimento das mais
variadas sociedades, muito em particular das que se debatem com a pobreza, a
instabilidade social e política ou a violência armada, justamente as dominadas
pela idolatria materialista marxista-leninista-maoista.
Em 1948, o Estado israelita
nasceu num contexto geográfico de pobreza de recursos naturais, uma génese bem
mais desafiante do que a de muitos países asiáticos e africanos que, no mesmo
ciclo histórico, foram acedendo às independências; foi instituído num contexto
de hostilidades crescentes vindas do mundo árabe, depois reconvertidas numa
guerra continuada; assim como acabou por ser um Estado acossado por pressões
internacionais hostis lideradas pelas esquerdas.
No âmago das respostas a tais
desafios, a moral social israelita de autorresponsabilidade pelo destino
coletivo foi sempre provando ser capaz de gerar e manter, a cada nova geração,
características civilizacionais que definem a nobreza das nações: um poder
tutelar do Estado territorial que preserva a identidade do seu povo, ao mesmo
tempo que garante a sua segurança; uma sociedade aberta que se autogoverna por
uma democracia consolidada, ambas com capacidade de integrarem segmentos
árabes, e como nem a abertura à diversidade nem a democracia estavam inscritas
na matriz identitária originária dos judeus, os israelitas demonstram possuir
uma identidade tão moralmente conservadora quanto socialmente dinâmica que, ao
mesmo tempo, soube apropriar-se do muito que recebeu dos outros povos ao longo
de séculos, além do que deu, em particular dos povos ocidentais; e um país
capaz de gerar prosperidade econômica em renovação continuada que assegura a
qualidade de vida dos seus cidadãos.
Apesar dos erros, problemas e
desafios passados, presentes e futuros próprios de qualquer país, Israel resiste
na prosperidade enfrentando uma guerra persistente que torna improvável
erradicar abusos e crimes pontuais. Porém, o seu estado de direito não fecha os
olhos a tais ocorrências, muito menos a sua democracia legitima o apagamento da
consciência social dos diversos traumas sociais.
Compreender Israel obriga,
desse modo, a nunca omitir que do outro lado domina uma moral social de
natureza distinta, a do mundo árabe a que se filiam os palestinianos. Na guerra
que é a mãe das guerras por confrontar orientações morais, humanas e civilizacionais
distintas, nos últimos nunca foram salientes remorsos ou arrependimentos, por
exemplo, face ao desaparecimento das comunidades judaica e cristã das suas
sociedades islâmicas. Por trocar o primado da autorresponsabilidade pelo da
vitimização, a moral social de matriz árabe não consegue gerar pressões sociais
endógenas eficazes contra a banalização da violência – armada, não-armada,
física, psicológica, quotidiana –, tradição sintomática entre os palestinianos
que, além das manifestações que atentam contra determinados segmentos
(mulheres, homossexuais, minorias étnicas ou religiosas), legitima o ataque a
civis israelitas, os últimos submetidos a um estado de direito que lhes
interdita respostas equiparáveis.
Não se pode exigir mais à
ordem moral coletiva de um povo que alcançou e mantém tal postura e realizações
tendo em conta que os povos não existem em representações abstratas muito ao
gosto de intelectuais, políticos e ativistas diletantes. Antes, os países
confrontam-se com heranças históricas e circunstâncias existenciais concretas,
em alguns casos dificílimas, como as que forçam amiúde a ter decidir entre
matar ou morrer, sobreviver ou ser aniquilado.
Anote-se que as
disfuncionalidades do Médio Oriente eram bem menos graves antes do impacto dos ideais
soviéticos durante a Guerra Fria (1945-1991). Razão bastante para o substrato
cultural que alimenta a violência na região ter de ser procurado em último
lugar no interior da sociedade israelita. Se é legítimo falar em justiça social
e histórica, mais do que filha de proclamações abstratas ou ideológicas, ela
legitima-se por realizações concretas a partir do próprio exemplo do sujeito
coletivo na sua própria casa, o que obriga a remeter o essencial bloqueios para
o interior do mundo árabe circundante.
Descontado o fator religioso
judaico que determina a moral social dos israelitas, as condições materiais e
naturais não distinguiam, em 1948, Israel dos demais territórios árabes
vizinhos e, se havia diferenças, os israelitas partiram em desvantagem. Setenta
anos decorridos, o detalhe que diferencia a prosperidade da miséria, ou uma
democracia consolidada e funcional de autoritarismos violentos ou da anarquia,
é o das identidades sociais do mundo árabe da região terem investido, no mesmo
ciclo histórico, na moral social de inspiração soviética da vitimização que as
esterilizou e desregulou.
A atitude foi agravada porque
tal influência moral externa reabriu a ferida narcísica do Islão que remonta à
Baixa Idade Média em resultado das suas perdas civilizacionais sucessivas face
ao Cristianismo e ao Ocidente, influência externa que colocou nessa ferida
identitária a instigação da violência, marca inapagável dos ventos soviéticos.
Tal sentimento de perda sustentado em razões históricas, bem mais do que religiosas,
associadas à influência dos ideais de esquerda impuseram ao Islão a
incapacidade de exorcizar a guerra santa, o seu ideal religioso fundador de
combate aos infiéis que nesse caldo existencial acabou transformado no pretexto
para as identidades islâmicas sonegarem a si mesmas o seu latente ódio ao
próximo.
Enquanto esse sentimento não
for exorcizado com provas dadas a partir do berço, o mundo árabe, uma
possibilidade que a história sempre admitirá, a religião islâmica persistirá
anacrónica no século XXI. Não foi mero acaso o terrorismo islâmico ter sido
historicamente ativado após a chegada ao mundo árabe dos ideais socialistas e
de esquerda, anticristãos e antiocidentais na sua génese moral
marxista-leninista-maoista.
A passagem das décadas que se
sucedem ao auge da influência soviética no mundo foi transformando os povos
árabes do Médio Oriente em vítimas da sua própria vitimização. São estas
identidades sociais que têm de pacificar primeiro a relação consigo mesmas, o
que implica que se confrontem com a natureza da sua moral social, sendo que
esta deixa marcas por demais óbvias no interior do espaço de existência de cada
povo. Trata-se da precondição para depois poderem pacificar a sua relação com
as outras identidades sociais, à cabeça das quais a dos israelitas e como pano
de fundo o mundo ocidental.
Não pressionar os povos árabes
nesse sentido é continuar indiferente, no Médio Oriente, à má governação,
miséria, violência e morte que alguns causam entre os seus e, por isso, tais
fenómenos estão necessariamente filiados a representações sociais patológicas
da condição humana. Daí que as pressões internacionais contra Israel, em muito
instigadas pela aberração moral em que se transformou a ONU, mais pareçam uma
parada de loucos. Contra elas é necessário impedir que se cometa a barbaridade
há décadas latente de se destruir uma moral social de autorresponsabilidade que
demonstra ser funcional, ao mesmo tempo que se instiga e premeia uma outra de
vitimização que apenas tem dado provas de gerar sociedades mentalmente
patológicas.
Adaptado do livro Um século de escombros – Pensar o futuro com os valores morais da Direita.
Título e Texto: Gabriel Mithá Ribeiro, Observador,
29-12-2019
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