Conceito banido na prática e nas conversas.
Demonstrar preocupação pela desgraça subsequente ao vírus significa colocar o
dinheiro acima das pessoas, as quais, como se sabe, se alimentam de “likes”
Alberto Gonçalves
Abril. Sempre. Após
suspensão das comemorações do 10 de Junho, os nossos amados líderes querem
festejar o 25 de Abril, que da última vez que vi era anterior no calendário.
Provavelmente com razão, acreditam que o vírus não atinge relíquias
revolucionárias com cravos na lapela. Isto é gente de categoria.
Ânimo. Nos primeiros
dias de clausura, o povo foi pródigo em graçolas alusivas. Recentemente, noto
que as graçolas tendem a desaparecer em prol de um de dois estados de espírito:
o “vai correr tudo bem” e o “vamos morrer todos”. Ambos são enganadores. Vai
correr tudo mal e, infelizmente, 99,97% de nós estaremos cá para desfrutar.
Bufos. Em Setúbal, a
autarquia apela à denúncia dos selvagens que passeiam. Quanto tempo nos separa
da evolução civilizacional de uma Espanha, onde se recebem velhos transviados à
pedrada?
China. Descontados os
factos de o vírus ter nascido nas pocilgas deles, de terem escondido enquanto
possível a sua disseminação, de terem eliminado jornalistas e médicos que
alertaram para o perigo e de venderem testes avariados, a China tem prestado ao
mundo um auxílio inestimável contra este flagelo.
Cobardia. Incontáveis
artistas apanham as pessoas acossadas em casa e atiram-lhes com concertos
vagamente musicais através da internet. Chamam aos concertos gratuitos, mas os
custos, em matéria de sofrimento, são imensos.
Costa. De mentira em
mentira (o homem sofre de uma incapacidade talvez física de dizer a verdade –
mal haja médicos disponíveis, devia ver isso), o primeiro-ministro conseguiu
uma proeza: ser enxovalhado pelos bastonários das três “ordens” da saúde e
beatificado pela ordem hegemónica dos comentadores, a dos Submissos.
Economia. Conceito
banido na prática e nas conversas. Demonstrar preocupação pela desgraça
subsequente ao vírus significa colocar o dinheiro acima das pessoas, as quais,
como se sabe, se alimentam de “likes”.
Estatísticas. O prazer
que muitos experimentam ao ver a subida de infectados nos EUA não contempla a
subida de mortos em Espanha, putativa recordista nesta modalidade “viral”. É
natural: a América tem o sr. Trump, um pantomineiro rude que tinha tudo para
correr mal; a Espanha tem uma trupe de parasitas “identitários” que faz,
jovialmente, as vezes de governo. Tinha tudo para correr bem.
Europa. Estaria óptima,
não fosse por uns escroques que, só porque produzem e poupam, hesitam em
patrocinar as nações valentes que não fazem nem uma coisa nem outra. Mas depois
de o dr. Costa lhes chamar “repugnantes” e a dra. Ana Gomes “pulhas”, o
consenso parece provável.
Exportações. Assim de
repente, lembrei-me da ministra da Agricultura, que garantiu que o coronavírus
beneficiaria as nossas exportações de bifanas para o Oriente. Está tudo a
correr conforme o previsto?
Jornalismo. O sr. Trump
quer que se continue a trabalhar? É um doido perigoso e uma ameaça para a
humanidade. Os suecos obrigam a que se continue a trabalhar? Trata-se de uma
“maneira racional” de lidar com o vírus. De resto, o “estilo” de boa parte do
nosso jornalismo revela-se quando, ao contrário do que faz com os EUA, o Brasil
e o Reino Unido, comenta Itália (“a tragédia italiana”) e Espanha (“a tragédia
espanhola”). Nestes casos, tudo decorre do acaso (e não, por exemplo, das
centenas de manifestações convocadas pelas lombrigas do Podemos no recente Dia
da Mulher). Nos casos acima, tudo decorre dos instintos malignos dos
respectivos líderes. Portugal? Boa parte do nosso jornalismo não perde tempo
com Portugal, salvo para nos declarar agradecidos aos senhores que
abençoadamente nos guiam – e repreender os dissidentes, claro.
Medina. Um sujeito da
câmara lisboeta. “Deixou-se” fotografar a entregar botijas de gás do tipo
“pluma”. Como precisou de ajuda, mostrou que nem para isso serve.
Ministra. A da Saúde.
Desapareceu, que eu saiba em parte incerta. Faz falta.
Orquídeas. Em situações
de crise, sobressaem os mais audazes. E os mais embaraçosos. Pelo menos dois
jornais tentaram a hagiografia da senhora da DGS (com um deles a notar que a
senhora gosta de orquídeas). Fizeram bem. Não fora a sugestão inicial de que o
vírus dificilmente chegaria cá, a oposição ao fecho das escolas, a falcatrua em
volta da utilidade das máscaras, a ordem para deixar as fronteiras ao Deus dará
e os números aldrabados e desconexos que divulga diariamente, a dra. Graça
Freitas parece-me a pessoa certa no lugar certo.
Pão. Uma empresa, a
Padaria Portuguesa, queixou-se ao governo de que arriscava falir por falta de
liquidez para pagar salários. A esquerda, que adora falências e despedimentos,
entrou em êxtase e desatou a gozar com os privados que pedem dinheiro ao
Estado. Não lhes ocorre (ocorre, sim) que o Estado só exista porque começou por
pedir, com péssimos modos, dinheiro aos privados – com os fantásticos
resultados em curso.
Presidência. Depois de
um período em que decidiu suspender o mandato para lavar roupa e passá-la a
ferro, o prof. Marcelo regressou ao comentário televisivo. Tem comentado com
propriedade os avanços científicos, tarefa que interrompe a cada fôlego para
jurar que ninguém nos está a mentir. Numa ou duas ocasiões, não resistiu a
dizer que a resposta nacional ao vírus é um caso de estudo no mundo. Caso de
estudo seria ele, se o mundo sequer o conhecesse. Entretanto, os portugueses
dividem-se em três grupos: os que acham que o prof. Marcelo não está bem; os
que acham que nunca esteve; os que o vão reeleger e também não estão melhores.
Sondagens. De acordo
com sondagens, 75% dos portugueses confiam nas “autoridades” para lidar com o
coronavírus. Isto prova que os danos na saúde mental de tantos cidadãos não
começaram com o “isolamento social” [sic].
Testes. Os génios da
DGS descobriram que quanto mais exames se fizessem, mais infectados apareceriam
nos números oficiais. Depois de muito matutar, os génios da DGS descobriram que
quanto menos exames se fizessem, menos infectados apareceriam nos números oficiais.
Vantagens. Cada um
congratula-se com o que pode. A esquerda celebra o potencial fim do
capitalismo. Eu consolo-me com o fim de manifestações, passeatas, vigílias,
arruadas, plenários, acampamentos de Verão, acampamentos de Inverno, protestos,
festivais e genérico chinfrim. Ou seja, com o fim da esquerda, de futuro
condenada a abominar o capital por iPhone e Mac.
Título e Texto: Alberto
Gonçalves, Observador,
28-3-2020, 0h08
Tão mas tão conveniente... Tão mas tão oportuno... Tão mas tão útil... Ditam as regras básicas da Teoria da Comunicação em Política... Quando a situação se torna complicada. Quando o apoio no eleitorado diminui de forma preocupante. Quando a contestação aumenta muito... Há que criar ou inventar um factor dissuasor. Há que criar um factor que crie ruido. Há que criar um factor que agrege e provoque a união. Há que criar um facto que induza à revolta. De preferência que envolva a identidade nacional. De um País. De um Povo. Nem que seja necessário inventar, omitir, mentir. Refiro-me ao episódio do "ministro holandês"... Tão mas tão oportuno... Mas afinal o que aconteceu? O ministro holandês atacou Portugal? Não. Claro que não. Apenas referiu Espanha e Itália. Nunca mas nunca referiu Portugal. Mas, à falta de melhor oportunidade, há que usar o possível. Inventar um ataque. Inventar uma agressão. Não foi a Portugal? Mero detalhe, aparentemente sem importância. A turba nacional nem vai reparar. Era fundamental desviar as atenções da realidade nacional. Do descalabro total em que se encontra o Sistema Nacional de Saúde. Da farsa caótica em que se encontra o sistema nacional de recolha e de divulgação de dados estatísticos. Da inaceitável e incompreensível ausência total de EPI's incluindo as mais vulgares luvas de latex. O ministro holandês atacou Portugal? Não. O Primeiro Ministro Português reclamou publica e oficialmente em Bruxelas, imediatamente após as supostas afirmações insultuosas, contra o putativo agressor? Não. O Governo Português chamou de imediato ao Palácio das Necessidades o Embaixador Holandês para, usando os canais, declarar as declarações inaceitáveis e exigir um pedido público de desculpas do Governo Holandês? Não. Claro que não. Fez chegar ao Conselho Europeu uma incontornável mas musculada reclamação? Não. Claro que não. Fez chegar ao Parlamento Europeu uma dura contestação formal? Não. Telefonou, sequer o PM português ao seu congénere holandês manifestando a sua posição formal enquanto representante de todo um País e exigindo desculpas? Não. Claro que não. Foi preferível aproveitar o protector palco nacional, contar com a Imprensa nacional, encher o peito de ar, pôr - se em pontinhas dos pés, agitar as maozinhas papudas e gritar em tom estridente... "Repugnante!!!"... Enquanto arfava, aos saltinhos, ameaçando suposta apoplexia. Viva o ministério da Propaganda! Viva o ministério do Tempo. Já tinha sido assim em Pedrogão. Sócrates deve exultar por ver um seu Ministro replicar a sua estratégia de dissuasão e tornar-se um exímio executor da Mentira... Até quando?...
ResponderExcluir