Henrique Pereira dos Santos
A famosa frase "Se não
têm pão, comam brioche", quase 230 anos depois de Maria Antonieta perder a
cabeça, continua a ser-lhe atribuída, por muito boa gente instruída e de
boa-fé, apesar de estar hoje mais que demonstrado que não há o menor indício
sólido de que tenha usado esta frase, usada por Rousseau uns bons anos antes
dela ser rainha (provavelmente uma boa piada inventada por ele).
Mais de 260 anos depois do
Marquês de Pombal ter reduzido a população escolar do país em 90%, os livros
escolares continuam a descrever a sua ação na área da educação como inovadora,
renovadora e globalmente muito positiva.
Quase 50 anos depois da queda
do Estado Novo, é quase uma heresia falar objetivamente do grande progresso que
se verificou nos rendimentos per capita, na saúde, na educação, no
desenvolvimento tecnológico, na melhoria das cidades, no enriquecimento da
alimentação, e mesmo na segurança social, durante os quase cinquenta anos desse
regime, havendo um evidente desfasamento entre a historiografia séria sobre o
assunto, e a realidade social e mediática, em que pessoas como Nuno Palma são selváticamente
atacadas por escreverem coisas objetivas e verificáveis sobre esse período da
história.
Não tenho, por isso, qualquer
esperança de ver algum equilíbrio na forma como a opinião publicada, e
comentários avulsos, falam do período de Cavaco e muito menos sobre o tempo de
Passos Coelho, achando normal que haja quem minta sistematicamente sobre esses
períodos - Ana Catarina Mendes terá dito, na Assembleia da República, não no
tasco da esquina, que aos pensionistas foram retirados dois subsídios, no tempo
de Passos Coelho, mas o que li sobre isso não me permite dizer que verifiquei o
que de facto disse, sendo certo que a ideia geral de como fala sobre este
período é esta.
Ana Sá Lopes, num artigo a defender a taxação de lucros inesperados das empresas associados ao aumento de preços - omitindo que, pelo menos no caso português, o maior receptor de receitas extraordinárias e não previstas decorrentes desta situação é o Estado -, exemplifica primorosamente o estado das coisas, em matéria de leitura do passado recente.
"O Governo está preocupado com as "contas certas", um slogan que lhe permitiu a consolidação no poder por oposição àquilo que a direita chamava o "despesismo" de José Sócrates (ignorando que foi a própria Comissão Europeia que consensualizou o "despesismo", ou seja, o investimento público como primeira resposta à crise financeira de 2008 - e depois virou o bico ao prego)."
Este parágrafo é tão
extraordinário como considerar que quem diminuiu e população escolar em 90% é o
grande renovador da educação em Portugal.
Primeiro Ana Sá Lopes
considera o equilíbrio orçamental e a prudência no uso de dinheiros públicos
como um slogan.
Depois considera que o despesismo
de José Sócrates não existiu, era uma mera acusação da direita.
Depois de considerar que esse
despesismo era uma mera acusação da direita, diz que esse despesismo que não
existiu foi consensualizado pela União Europeia, sob a forma de investimento
público como resposta à crise de 2008.
Depois considera,
implicitamente, que não existe investimento público bom e mau, se é para
gastar, não há despesismo, seja qual for o destino escolhido para esse tal
investimento público.
Por fim, e é aqui o cerne da questão,
considera, implicitamente, que a União Europeia virou o bico ao prego, tramando
Sócrates, não pondo sequer a hipótese de que tenha "virado o bico ao
prego" por muitas e boas razões que Sócrates não quis ouvir.
Tantos anos passados, Ana Sá
Lopes ainda está perfeitamente convencida de que o governo de Sócrates foi um
excelente governo, tal como, provavelmente, acha que reduzir em 90% a população
escolar se justifica perfeitamente, porque a educação dos jesuítas era
proselitista, e isso era péssimo para o país.
Antes analfabetos que
instruídos por jesuítas é um princípio central do país que convém manter vivo e
aplicar em toda a sua extensão, até porque deu muito bons resultados.
Título e Texto: Henrique
Pereira dos Santos, Corta-fitas,
12-9-2022
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