Henrique Pereira dos Santos
Há muitas maneiras de dizer não, a
escolhida por alguns obstetras do Hospital de Santa Maria consistiu em ir
embora
A história é conhecida, há umas alterações na maternidade do Hospital de Santa Maria, há oposição e críticas públicas de parte dos médicos trabalhavam nesse serviço, incluindo as suas chefias, a administração do hospital decide demitir as chefias e manter as alterações, determinando que as equipas do serviço têm de se conformar com as suas decisões de gestão e há seis médicos que, passado algum tempo, pedem rescisão de contratos e vão à suavida.
Nada disto é extraordinário, é
o normal nas organizações e nas pessoas, os médicos vão para onde entenderem, a
administração contrata novos médicos para substituir os que saem, ou adopta
modelos de gestão mais eficientes em que são precisos menos médicos e a vida
continua.
O problema é que não há muitos
médicos para contratar (é extraordinária a bovinidade da comunicação social na
divulgação dos números de lançamento de concursos para contratação que o
governo vai fazendo, apesar de saber que o número de candidatos fica muito
aquém das vagas disponíveis e que o número final de contratações fica ainda
aquém dos candidatos aprovados) e os modelos de gestão do sistema de saúde
parecem ter problemas de eficiência.
O senhor que agora parece que manda no SNS (não, não é o ministro, o outro) diz que vai fazer a maior reforma do SNS em 44 anos, mas não só já sou velho suficiente para ter visto centenas de reformas históricas, na opinião dos seus autores, que não passaram de fogo de vista ou, pior, foram mesmo executadas e deram asneira, como tenho dúvidas de que a reforma que vai ser feita, que consiste em baralhar e dar de novo, seja mais relevante que a que permitiu fazer PPP na saúde, cujos resultados toda a gente conhece.
E as minhas dúvidas prendem-se
exatamente com o que disse acima: o SNS tem um problema no uso eficiente dos
recursos (como praticamente toda a administração pública em Portugal) - o que
talvez se resolva com reformas como considerar que as PPP, ou outro mecanismo
de integração da gestão privada e de estímulo da melhoria da gestão pública que
se queira inventar, são uma solução que deu bons resultados e deveria ser
aprofundada - mas tem também um problema base de contratação de pessoas.
O senhor do SNS diz que esse é
um problema transversal em todo o mundo, o que é verdade (parece que nos EUA o
problema é menor porque pagam muito melhor aos profissionais de saúde que o
resto do mundo), mas não é toda a verdade: é facílimo encontrar enfermeiros
portugueses no Reino Unido, mas não é fácil encontrar enfermeiros ingleses em
Portugal.
O que me interessa aqui é que,
ao nível de cada pessoa, se as pessoas não se sentem bem (ou porque são mal
pagas, ou porque as condições de trabalho são frustrantes, ou porque não estão
para aturar chefias a quem não reconhecem autoridade para ocupar o lugar, ou
porque não estão para aturar os efeitos de decisões de gestão que não
compreendem, seja pelo que for), mudam-se, se tiverem alternativa.
O efeito de progressiva
degradação das condições de trabalho e de vida, incluindo de representação
política e qualidade institucional, que se tem vindo a verificar em Portugal, e
que tem como principal problema fechar horizontes de futuro às pessoas (as pessoas
mudam mais pelo que veem do seu futuro que pelas condições concretas em que
vivem hoje), tem dois efeitos negativos: muitos dos que podem, vão para outro
lado, muitos dos que ficam, desistem de tentar contribuir para o futuro coletivo.
Incompetência é aprovar um programa Mais Habitação, porque se pode, não ponderando devidamente os efeitos que o processo de imposição do programa tem nas decisões individuais das pessoas comuns.
Cinismo político é
voluntariamente escolher ministros incompetentes para que não se apercebam de
que não são ministros de coisa nenhuma, mas apenas a guarda pretoriana de um
indivíduo sem escrúpulos.
Título e Texto: Henrique
Pereira dos Santos, Corta-fitas,
6-9-2023
A habitação segundo António Costa: pedir esmola em Bruxelas, subir impostos em Portugal
Creches privadas, escolas privadas, hospitais privados, transportes privados, casas privadas, o mesmo padrão
Desfile de candidatos à presidência útil para encher chouriços
Esta é de topete
Com o rabo de fora
ResponderExcluirQuando em vez de analisarem a crise profunda na habitação, a crise profunda na saúde, a crise profunda na economia, a crise profunda nos transportes, a crise profunda nos serviços públicos... quando em vez de abordarem esses temas principais os comentadores, as notícias e as vozes-off dos telejornais preferirem falar de uma «guerra política entre PR e PM», estão a dizer-nos que quem fala, comenta ou «noticia» é apenas um servente do governo.