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Brasília - Na falta de cachimbo, usuários de crack fazem
adaptações em latas para fumar a pedra, março de 2009. Foto: Agência Brasil
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Há algum tempo atrás um
cidadão aparentando ter pouco mais de trinta anos, vagava pelas ruas centrais
de Aracaju, como de costume, pois noutra vez eu já tinha observado os seus
passos nas mesmas cercanias. Mostrava estar triste e deprimido como nunca,
talvez como sempre. O dia de sábado era como outro qualquer na sua vida e na
vida da cidade, pois o vento que soprava quente era o mesmo, o sol abrasante e
causticante a tudo esquentar era o mesmo, as pessoas indiferentes, passando de
um lado para o outro das ruas e nas calçadas, afastando-se do citado cidadão em
misto de medo e asco eram as mesmas, a agência bancária na qual ele entrara era
também a mesma. Entretanto, aquele carrancudo cidadão, barbudo, cabeludo, sujo,
maltrapilho, esquelético, parecendo seriamente doente me lembrava de alguém, alguém
conhecido, alguém que um dia já mantivera algum tipo de contato verbal comigo,
mas, por mais que eu tentasse me lembrar de quem seria aquela misteriosa pessoa
não conseguia. Demasiadamente curioso, dessa vez olhei mais demoradamente para
aquele estranho e intrigante cidadão enquanto ele tirava dinheiro no caixa
eletrônico do banco no mesmo instante em que as outras pessoas que ali estavam
presentes trataram de fugir do recinto pensando ser ele um assaltante, um
bandido ou delinquente qualquer, talvez um maluco andarilho. Ele não demostrou
surpresa pelo fato das pessoas assim agirem, parecia acostumado com isso, com
essa humilhação, sabia que a sua aparência era assustadora apesar de saber que
não era um marginal, parecia não estar ali naquele momento, noutro mundo, não
ligar para o que acontecia à sua volta, parecia nada temer, talvez se a Terra
explodisse para ele seria normal. Temia somente um novo ataque de bronquite que
se avolumava no seu pulmão devido à tosse grossa e pesada que insistia na sua
garganta a fazer tremer a sua longa e imunda barba que carregava em igual modo
com o seu cabelo escarafunchado e embuchado tal qual uma casa de cupim. As suas
perspectivas eram as piores possíveis. Certamente mergulhado em pensamentos
pessimistas, nem sequer notou que eu sem disfarçar tanto olhava para ele
querendo me lembrar de onde o conhecia, até que o guarda do banco chegou de um
possível cafezinho e me falou: - Tá vendo o que o crack faz?... Ele era um advogado!...
Certamente sentindo-se arrasado,
desesperado, impotente para resolver o seu próprio infortúnio, o seu calvário,
lançando um olhar no passado esse cidadão, antes feliz advogado, viu o rumo
errado que tomou, mas não teve forças para voltar atrás, não queria se curar,
não admitia tratamento porque o crack era mais forte do que a sua vontade, o
crack era mais forte do que ele. O seu presente era só o crack, o crack como o
senhor do seu viver, o crack como seu dominador, o crack como destruidor da sua
família, o crack como aniquilador da sua vida. Crack e desgraça são
indissociáveis e quase palavras sinônimas.
O crack é o grande mal do
século, o mal dos males, a pior de todas as drogas, que se não for um mal que
todos nós estejamos esclarecidos, irá nos afetar em qualquer momento de nossa
vida ou na vida de quem mais amamos, como de fato aconteceu com esse cidadão e
sua família, um jovem que estudou nos melhores colégios, que teve boas
amizades, que se formou em Direito, que se tornou um advogado, que tinha um bom
escritório, que pretendia ser juiz por isso adormecia em cima de livros de
tanto estudar, que tinha um bom futuro pela frente, mas que por ironia do
destino, pelo poder sobrenatural dessa droga, tudo trocou pelo crack.
Rodeado e instado pelos sentimentos
humanitários de enternecimento, compaixão, piedade até porque sempre fui dos
maiores combatentes do crack, tanto na área repressiva quanto preventiva, com prisão
de grandes traficantes na minha careira policial e inúmeros artigos de minha
autoria pertinentes ao tema publicados em centenas de sites do Brasil,
Portugal, Angola e Moçambique, logo pensei em falar com ele, oferecer algum
tipo de ajuda moral, espiritual, mas seu olhar sisudo e com possibilidade de
algum tipo de agressão me afastaram, me reprimiram até porque ele também não me
reconheceu. Entretanto, todas as vezes que caminho pela citada área de Aracaju,
procuro em vão e insistentemente com os meus curiosos olhos pelo triste cidadão
entre os inchadinhos de cachaça ou barbudinhos zumbis do crack em muitos
espalhados pela redondeza. Se o cidadão aceitou fazer tratamento, se fez ou faz
tratamento em clinica de recuperação não sei, só sei que o poder de imensa e
infinita bondade do nosso Criador pode sobrepor e derrotar o poder sobrenatural
do crack como assim já fez com muitos. Assim, um dia espero ver aquele alegre advogado
de volta aos corredores do Tribunal de Justiça ou em Delegacias defendendo os
seus clientes, menos os traficantes.
Título e Texto: Archimedes
Marques (Delegado de Polícia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão
Estratégica de Segurança Pública pela Universidade Federal de Sergipe)
archimedes-marques@bol.com.br
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