terça-feira, 31 de janeiro de 2012

A cultura da morte

Há quem considere que a tourada seja cultura, há quem a encare como tradição. Mas é apenas o que o homem tem de pior
David Andrade
No final de Julho, o parlamento da Catalunha aprovou a proibição das corridas de touros naquela região de Espanha a partir de 1 de Janeiro de 2012, dando provimento a um requerimento assinado por 180 mil cidadãos. Tal como aconteceu na Catalunha, o assunto chegou este mês ao parlamento português por iniciativa da Campanha Anti-Tourada de Portugal, que lançou uma petição legislativa para a abolir as touradas. O (verdadeiro) debate nunca foi lançado e, sem surpresa, em Portugal, a maioria parlamentar rejeitou a iniciativa popular. 

Na foto, um touro ferido está prestes a morrer na praça de Las Ventas, em Madri. Foto: Daniel Ochoa de Olza/AP, 16-05-2011
Para justificar a continuidade de uma “arte” na qual os animais são torturados para entretenimento de alguns humanos, Gabriela Canavilhas, deputada do PS, ex-ministra da Cultura e conhecida apoiante das lides tauromáquicas, falou em “manifestação inequivocamente cultural”. Mais à direita, o “aficionado” Duarte Marques, líder da JSD, disse ser “preciso respeitar a tradição” e lamentou o “fanatismo” dos movimentos que lutam pela abolição das corridas de touros.
No entanto, apesar de um poderoso "lobby" amparar a causa em Portugal, os números revelam um acentuado decréscimo da actividade no nosso país: em 2011 realizaram-se pouco mais de 230 touradas, a maioria delas nos distritos de Lisboa e Setúbal. A culpa, segundo os apoiantes das lides, é da “crise económica” e do “mau tempo”. Desculpas à parte, a verdade é que as últimas sondagens realizadas em Portugal mostram que apenas 10 a 15 por cento dos portugueses apoiam as touradas. E em Espanha não é diferente: 81,7 por cento dos jovens entre os 15 e os 24 anos revelaram não ter qualquer interesse na “manifestação cultural”. Para contornar o desinteresse na “arte”, os promotores têm abdicado de parte dos lucros baixando significativamente os preços dos bilhetes. Para o negócio (no fundo, é apenas disso que se trata), é fundamental manter a aparência de que ainda há “aficionados” e, com isso, continuar a financiar a cultura da morte.

Durante o debate que se levantou na Catalunha, Jesús Mosterín, professor de Filosofia na Universidade de Barcelona, comparou o castigo infligido aos touros com a mutilação genital feminina praticada em alguns países de África e da Ásia. A sua lógica era: se a tourada deve preservar-se por respeito à tradição, também deveríamos aceitar a prática da excisão feminina e do apedrejamento de mulheres. Afinal, em ambos os casos, os defensores dessas práticas justificam-se com o argumento de que essas são tradições seculares.
Sejam lutas de cães na América Latina, sacrifícios de animais em locais públicos do Nepal, combates de galos na Tailândia ou touradas na Península Ibérica, tudo se resume à tortura para diversão de humanos. Há quem considere que isso seja cultura, há quem o encare como tradição. A realidade é que isso é apenas o que o homem tem de pior.
Título e Texto: David Andrade, Público, 25-01-2012

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