A Câmara dos Deputados está
chamando a população a voltar em massa às ruas para se manifestar contra a
desfaçatez dos políticos - a sua prontidão para agir em causa própria e dar de
ombros ao desgosto dos brasileiros com o que fazem em seu nome e com o seu
dinheiro. A Casa sugere ainda que os manifestantes não se esqueçam de trazer
consigo o cartaz que mais bem define o que milhões de eleitores pensam de seus
representantes: "Eles não me representam".
Claro que a Câmara não fez
nada disso. Mas a tanto equivale a decisão dos seus líderes de confeccionar um
projeto que afrouxa desavergonhadamente as responsabilidades de partidos e
candidatos na disputa pelo voto. A chamada "minirreforma eleitoral",
descrita ontem pela Folha de S. Paulo, é capitaneada pelo deputado Cândido
Vaccarezza, do PT de São Paulo. Ele foi nomeado pelo peemedebista Eduardo
Henrique Alves, que preside a Casa, coordenador da comissão incumbida de
formular em até 90 dias uma proposta de reforma política.
Se e quando for aprovada em
plenário, ela começará a produzir efeitos, na melhor das hipóteses, nos pleitos
municipais de 2016. Já o desfiguramento da legislação eleitoral deverá valer já
em 2014. Para garantir que assim seja, o projeto poderá ser votado logo na
próxima semana, quando o Congresso retoma as suas atividades depois do recesso.
Um dos capítulos mais
escabrosos da lambança é o que "flexibiliza", para usar o eufemismo
em moda, as normas sobre prestação de contas dos candidatos e suas legendas.
Hoje em dia, a Justiça Eleitoral confere se os dados contábeis que os partidos
têm a obrigação de apresentar batem com a sua movimentação financeira
declarada. Além disso, os candidatos devem informar o que entrou e saiu do
caixa da campanha - valores arrecadados e despendidos. Mesmo assim, como se
sabe, o sistema não é à prova de fraude.
"Imagine na Copa", é
o caso de dizer, se a esbórnia se confirmar nos termos divulgados. No caso dos
partidos, os tribunais eleitorais ficarão limitados a examinar apenas os
aspectos formais dos documentos recebidos - ou seja, praticamente aceitá-los
pelo valor de face. Os juízes estarão proibidos de tomar, com base nesse exame,
qualquer providência que possa ser interpretada pelas agremiações políticas
como "interferência" na sua autonomia.
Por sua vez, os candidatos
ficam livres de demonstrar no que gastaram o dinheiro que azeitou as suas
campanhas. Os dispêndios que não conseguirem documentar - "gastos não
passíveis de comprovação", segundo o indecoroso projeto - terão apenas de
ser declarados na internet. Como se fala em português corrente, estamos
conversados. As regras do financiamento eleitoral também mudarão para
beneficiar os culpados.
Doações a partidos e
candidatos estão limitadas, no caso de empresas, a 2% do faturamento bruto do
ano anterior, e a 10% dos rendimentos brutos auferidos no mesmo período, no
caso de pessoas físicas. Os doadores que furarem o teto ficam sujeitos à multa
de até 10 vezes o valor desembolsado. Pela proposta, a multa equivalerá, no
máximo, a esse montante. O facilitário vai além.
Autoridades, associações
privadas sem fins lucrativos e concessionárias de serviços públicos não podem
financiar campanhas. A proibição cairá para as entidades que não recebam
aportes oficiais. E as doações das concessionárias serão canalizadas para o Fundo
Partidário, mantido pelo contribuinte. A propósito, a aplicação da pena de
suspensão do acesso dos partidos aos seus cofres, em casos de transgressão,
ficará drasticamente restrita. Também serão eliminadas as restrições à
publicidade eleitoral na mídia impressa - instituídas para combater o abuso do
poder econômico, portanto, a desigualdade de oportunidades eleitorais.
Completando o relaxamento, será admitida a propaganda paga na internet, para
infernizar a vida dos usuários.
A cereja no bolo é a extinção
da responsabilidade dos candidatos pelas violações da legislação eleitoral
cometidas em seu favor no curso das campanhas. Doravante, será preciso provar
que participaram pessoalmente do malfeito. E o deputado Vaccarezza ainda vem
dizer que a intenção é "coibir a malandragem" e tornar as eleições
"menos burocráticas"!
Título e Texto: O Estado de S. Paulo, 02-8-2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-