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Marina, à beira do caixão de
Campos, ergue o retrato do candidato morto: viúva política e rainha posta. Isso
não é dor. É política.
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Explico. Deixo textos fáceis
para outros. Alinho-me com aqueles que preferem os difíceis, ainda que sob pena
de desagradar a muitos, até mesmo a alguns leitores habituais. Não posso fazer
nada. Penso o que penso. E meu único compromisso aqui no blog, na Folha ou na
Jovem Pan é este: dizer o que penso. Vamos lá. De súbito, Eduardo Campos virou
a versão masculina e brasileira de Inês de Castro, aquela “que, depois de ser
morta, foi rainha”, na formulação imortal de Camões, em “Os Lusíadas”. Se
tiverem curiosidade, pesquisem a respeito da personagem. As circunstâncias são
outras, mas, nos dois casos, há uma espécie de coroação post mortem. Marina
Silva, já apontei aqui, para a minha não supresa, fez-se a viúva profissional de
mais um cadáver. Campos foi, sim, coroado rei. Morto no entanto, logo alguém se
lembrou de dar vivas à nova rainha. Tudo bastante constrangedor para quem
repudia a demagogia, o mau gosto e a exploração da morte como moeda eleitoral.
Vocês sabem que tratei aqui de
modo muito decoroso — e não pretendo mudar a rota — a morte de Campos. Mesmo o
comportamento da família me parecia correto a mais não poder. Havia dor
genuína, mas também comedimento. Havia sofrimento, porém temperado pelo pudor.
Afinal, morria o marido, o filho, o pai… Vi, bastante comovido, e comentei
nesta página o vídeo que seus filhos fizeram em homenagem ao Dia dos Pais,
tornado público três dias antes da tragédia. Renata, a viúva de verdade,
preferia, então, o silêncio e, a despeito do aparato que a cerca, não vi partir
dela nenhuma nota fora do tom. A cerimônia de sepultamento neste domingo, no
entanto, fugiu, obviamente, ao controle. Assistimos ao enterro inequívoco de um
político. E o que se via ali era muita gente organizada para fazer o cadáver
procriar… votos.
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Viatura do Corpo de Bombeiros
com lema político da campanha de Campos, estampado também na camiseta de três
de seus filhos: punhos cerrados
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Não me peçam para compactuar
com isso. Achei justo e correto que se organizasse um velório público. Campos
era um governante popular em sua terra e morreu de forma trágica. Mas pergunto:
o que fazia aquela faixa no veículo do Corpo de Bombeiros com a declaração “Não
vamos desistir do Brasil”, lema idêntico ao que se lia na camiseta de seus filhos,
três deles desfilando sobre a viatura, com os punhos cerrados, numa
manifestação inequivocamente política? Não! Eu não posso me desculpar por estar
aqui a apontar a inadequação da manifestação se eles próprios não souberam
separar, como seria o correto, o domínio da dor, que creio ser verdadeira,
daquele em que se aloja a pregação eleitoral. Os fogos de artifício, então, não
deixaram a menor dúvida de que o velório e sepultamento haviam se transformado
numa micareta política. Lamentável. Como era o esperado, houve tempo para vaias
à presidente da República e a seu antecessor, Lula, aos gritos de “Fora,
Dilma!”, “Fora, PT!” e, é óbvio, “Marina Presidente!”.
Infelizmente, para a tristeza
do Brasil, no sentido mais amplo da expressão, o Campos morto ganhou uma
projeção que o vivo jamais conseguiu. E Marina, mais uma vez, se apresentou
como a viúva de plantão. O PSB ainda não fez dela a candidata, mas é só uma
questão de tempo. A já presidenciável teve cinco dias ininterruptos de horário
eleitoral gratuito. E, com seu ar sempre pesaroso, magro, quase quebradiço —
mas sem se esquecer de acenar de vez em quando e de deixar escapar furtivos
sorrisos —, empertigou-se quando necessário para vestir o manto da fortaleza
moral e se apresentar para a batalha.
Não foi, assim, então, quando
se transformou numa espécie de viúva oficiosa de Chico Mendes? Até hoje há quem
acredite que ela era uma seringueira dos pés descalços quando ele foi
assassinado, em dezembro de 1988. Não! Ela já tinha sido eleita vereadora um
mês antes e, àquela altura, já era militante do PT e da CUT. Tinha fundado com
Mendes, em 1985, a central sindical no Acre. Mas ficou com o espólio político
do cadáver, como fica, agora, com o de Campos. Rei morto, viúva posta. Em vez
de “Brasil pra frente, Eduardo presidente”, o grito de guerra dos campistas,
ouviu-se, então, no velório, “Brasil, pra frente! Marina presidente!”.
Não foi um dia feliz para o
comedimento, para o decoro, para o bom gosto e para o bom senso. Que Deus tenha
piedade do Brasil se os eleitores não tiverem!
Título, Imagens e Texto: Reinaldo Azevedo, 18-08-2014
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