
Do pai, ouvira também a voz
despersonalizada e metálica de telefone. Não o via há mais de um ano, mas já
recebera o presente dele. O avô viúvo lamentava essa solidão, mas pouco podia
fazer. Encomendara para ele uma festinha comercializada, com quase nada de
familiar.
— Vovô, quantos anos você tem?
O avô quis aproveitar a
oportunidade para prolongar a conversa, e propôs:
— Olha, eu já sou bem idoso, e
quero ver se você adivinha a minha idade. Eu vou falando e você vai calculando
o tempo.
— Uau! Melhor do que jogo com
monstrinhos. Vou esfregar o Aladim.
O avô não entendeu para que
serviria o celular. Sabia que o menino costumava esfregar a “lâmpada do gênio”
para ter tudo o que queria, e começou por aí:
— Quando eu nasci, não existia
celular.
— Peraí. – Batucou no celular
quase um minuto, e disse: Já sei, é a sua vez.
— Quando eu nasci, não havia
internet, computador. Quem estava longe escrevia carta contando as novidades. A
gente gostava de receber e escrever cartas longas, detalhadas, nada de mensagem
curtinha de twitter. Muitos caprichavam tanto, que depois as cartas saíram em
livros, são grandes obras literárias.
— Vô, pra que eles querem
saber da vida dos outros?
— Bem, filhinho, quem é amigo
de verdade quer saber tudo o que aconteceu.
— E o pessoal que vai ler isso
nos livros? São amigos também?
— Os livros ensinam bons
sentimentos, amizade, respeito aos pais.
— Acho que entendi. É a minha
vez de calcular.
Terminado o batuque no smartphone,
o avô prosseguiu:
— Quando nasci, quase ninguém
tinha geladeira, não havia microondas.
— Chiii! Onde guardavam comida
e guaraná? Como esquentavam a comida?
— Não precisava. A mamãe
estava sempre em casa, fazia toda a comida no fogão, e também uns sucos
saborosos. O cheirinho gostoso da comida que estava sendo preparada abria o
apetite, e até iniciava o processo de digestão.
— Vô, não sei nada desse
negócio de digestão, mas já dá pra calcular. Peraí.
— Calculou? Bem, a televisão
já existia, mas só em preto-e-branco, e só um canal.
— Nossa! Nunca vi TV em preto-e-branco.
Deve ser muito feio, não é?
— Cores bonitas, a gente
gostava de ver na natureza, que é toda colorida. Você já viu como são bonitos
os passarinhos, os rios, as montanhas?
— Uhm… Tem de andar muito pra
ver isso fora da cidade. Tablet e TV é fácil, mas não tem passarinho, só monstrinho
e palhaço. Agora deixa calcular.
— A gente ia pra escola a pé,
não havia ônibus, poucos tinham automóvel. Todo mundo chegava na hora, sem
trânsito complicado. E na volta a gente passava na casa de algum colega, a mãe
dele sempre dava uma fruta, um doce. Ah! Bons tempos!
— Olha, vô, esse negócio de
andar muito cansa e gasta as pernas.
— De jeito nenhum, até ajuda a
conservar, fortalece os músculos, ninguém fica gorduchinho, molengão. A gente
passava no riacho e nadava um pouco, isso também é bom para fortalecer os
músculos.
— Vô, eu nado só no meu clube.
Seu clube chama riacho?
— Não existia clube.
Resolveram tampar o riacho, e ele virou esgoto.
— Acho que você é muito velho.
Essas coisas que não existiam, eu estou sempre vendo. Peraí que vou calcular.
Esse agora é meio demorado. … Pronto.
— As famílias eram grandes,
estavam sempre juntos, brincavam juntos. Conversavam como estamos fazendo
agora, a TV não atrapalhava as conversas. Passavam as férias juntos, uns
ajudavam os outros. Os vizinhos eram conhecidos, e havia muitas visitas para
bate-papo. Pai e mãe separados, vivendo longe dos filhos, é coisa que ninguém
conhecia.
— Acho que era melhor no seu
tempo. Meu pai tá sempre longe, minha mãe só fala comigo quando esfrego o
Aladim. Ficar juntos deve ser muito melhor.
— Não sei como consertar isso,
filho. Ninguém se sacrifica pelos outros. Tudo que inventam facilita alguma coisa,
mas vai tirando os melhores prazeres da vida.
— Vô, como é que pergunto
essas coisas pro Aladim?
— Não sei. Calcule sem isso, e
inclua também que não havia calculadora.
— Então deixa fazer as contas.
Soma este mais este… mais aqueles dois… e os três lá de trás. Agora deixa ver o
calendário. … Vô, quem é essa Guerra do Paraguai?
— Como!? Guerra não é uma
pessoa!
— Mas o Aladim diz que você
tem 149 anos e nasceu em 1865, junto com ela.
O avô lamentou a sorte desse
menino, com mãe virtual que não é virtuosa; com um pai reduzido a provedor à
distância; sem irmãos e primos; cheio de brinquedinhos que não ensinam de fato
nem o corrigem. Está tentando educá-lo, mas receia pelo futuro dele e do mundo,
onde crianças que não têm mais uma família.
— Bem, meu filho, depois eu o
ajudo a corrigir uns errinhos do seu cálculo. Agora quero ensinar você a gostar
de coisas muito melhores de antigamente, sem esses brinquedinhos como
televisão, celular, tablete, internet…
Título e Texto: Jacinto Flecha, ABIM,
30-08-2014
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