quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Hollande não queria ser Hollande

João Marques de Almeida
Quando não há dinheiro ou riqueza para distribuir, vai-se o poder e a capacidade de preservar a coesão partidária. E sem apoio em casa, não se tem poder na Europa.

A crise no partido socialista francês mostra muito bem a natureza da crise do socialismo europeu. Uma crise que resulta da rejeição da realidade e da insistência em promessas irrealizáveis. Vejamos o que se passou com François Hollande. A sua campanha baseou-se em duas promessas. Por um lado, combater a “política alemã de austeridade”. Também dizia que a França precisava de mais “voluntarismo político na Europa” e chegou a ameaçar que recusaria o Tratado Orçamental. Por outro lado, prometeu “crescimento económico” aos franceses. Desde que chegou ao Eliseu, a economia francesa ainda não cresceu. Como querem que os franceses acreditem nele?

Não custa nada fazer uns discursos e dar umas entrevistas a dizer que se vai contrariar as políticas alemãs. É muito mais difícil fazê-lo. Muita gente falar do poder da Alemanha como se se tratasse de uma questão de má-fé “germânica” ou de um simples capricho ideológico de Merkel. Não é nada disso. O poder da Alemanha na zona Euro resulta do sucesso da sua economia e da capacidade de construir consensos internos à volta de políticas económicas fundamentais (consensos entre a CDU e o SPD, mas também entre empresas e sindicatos). Como é óbvio um país com uma economia em crise não tem força para mudar as políticas económicas de outro país com uma economia mais saudável. Além disso, um governo de coligação na Alemanha está mais unido que o partido socialista francês. Como poderia o Presidente francês impor alguma coisa à Alemanha se nem sequer tem poder para manter o seu partido unido?

As bases do poder da direita alemã (mas também do SPD em grande medida) e da esquerda francesa são completamente diferentes. O reforço da competitividade da economia alemã permite que um Chanceler da CDU tenha poder e mantenha o seu partido e eleitorado unido. Enquanto as exportações aumentarem, a economia crescer – mesmo que cresça pouco como agora- e a estabilidade monetária e a despesa pública estiverem controladas, o governo alemão não perde apoio interno. E o poder na Europa começa no apoio que se tem em casa.

Um governo socialista em França mantém o poder interno e o apoio dos seus militantes e do eleitorado que lhe deu a vitória se tiver dinheiro para distribuir e folga financeira para aumentar a despesa pública. Por uma razão simples. O dia a dia da maioria dos seus militantes e dos seus eleitores depende em grande medida de investimentos do Estado e da distribuição de riqueza. Quando não há dinheiro ou riqueza para distribuir, vai-se o poder e a capacidade de preservar a coesão partidária. E sem apoio em casa, não se tem poder na Europa.

As promessas irrealistas causam grandes problemas a quem chega ao poder, como demonstra o caso francês. E o percurso da queda de apoio interno é muito claro. Primeiro, a incapacidade de cumprir as promessas feitas levar à diminuição do apoio popular. O segundo passo é ainda mais penalizador: é necessário governar de acordo com a realidade. E nenhum governo escolhe a realidade que enfrenta. Das promessas irrealistas passa-se para as políticas antes rejeitadas. O terceiro passo é mais curto. A divisão do partido com muitos a acusarem o “seu” governo de adoptar políticas de “direita”. Foi em suma o que aconteceu com os socialistas franceses. Hollande não cumpriu o que prometeu, foi obrigado a governar contra o que tinha antes dito e dividiu o seu partido. É difícil prever o que vai acontecer em França. Mas tendo em conta o que já aconteceu, os candidatos à liderança do PS português deveriam estudar com muita atenção o percurso de François Hollande, desde candidato a Presidente. E sobretudo lembrarem-se de uma coisa. Hollande também não queria ser Hollande. Mas é.
Título e Texto: João Marques de Almeida, Observador, 28-08-2014

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