Quando não há dinheiro ou
riqueza para distribuir, vai-se o poder e a capacidade de preservar a coesão
partidária. E sem apoio em casa, não se tem poder na Europa.
A crise no partido socialista
francês mostra muito bem a natureza da crise do socialismo europeu. Uma crise
que resulta da rejeição da realidade e da insistência em promessas
irrealizáveis. Vejamos o que se passou com François Hollande. A sua campanha
baseou-se em duas promessas. Por um lado, combater a “política alemã de
austeridade”. Também dizia que a França precisava de mais “voluntarismo
político na Europa” e chegou a ameaçar que recusaria o Tratado Orçamental. Por
outro lado, prometeu “crescimento económico” aos franceses. Desde que chegou ao
Eliseu, a economia francesa ainda não cresceu. Como querem que os franceses
acreditem nele?
Não custa nada fazer uns
discursos e dar umas entrevistas a dizer que se vai contrariar as políticas
alemãs. É muito mais difícil fazê-lo. Muita gente falar do poder da Alemanha
como se se tratasse de uma questão de má-fé “germânica” ou de um simples
capricho ideológico de Merkel. Não é nada disso. O poder da Alemanha na zona
Euro resulta do sucesso da sua economia e da capacidade de construir consensos
internos à volta de políticas económicas fundamentais (consensos entre a CDU e
o SPD, mas também entre empresas e sindicatos). Como é óbvio um país com uma
economia em crise não tem força para mudar as políticas económicas de outro
país com uma economia mais saudável. Além disso, um governo de coligação na
Alemanha está mais unido que o partido socialista francês. Como poderia o
Presidente francês impor alguma coisa à Alemanha se nem sequer tem poder para
manter o seu partido unido?
As bases do poder da direita
alemã (mas também do SPD em grande medida) e da esquerda francesa são
completamente diferentes. O reforço da competitividade da economia alemã
permite que um Chanceler da CDU tenha poder e mantenha o seu partido e
eleitorado unido. Enquanto as exportações aumentarem, a economia crescer –
mesmo que cresça pouco como agora- e a estabilidade monetária e a despesa
pública estiverem controladas, o governo alemão não perde apoio interno. E o
poder na Europa começa no apoio que se tem em casa.
Um governo socialista em
França mantém o poder interno e o apoio dos seus militantes e do eleitorado que
lhe deu a vitória se tiver dinheiro para distribuir e folga financeira para
aumentar a despesa pública. Por uma razão simples. O dia a dia da maioria dos
seus militantes e dos seus eleitores depende em grande medida de investimentos
do Estado e da distribuição de riqueza. Quando não há dinheiro ou riqueza para
distribuir, vai-se o poder e a capacidade de preservar a coesão partidária. E
sem apoio em casa, não se tem poder na Europa.
As promessas irrealistas
causam grandes problemas a quem chega ao poder, como demonstra o caso francês.
E o percurso da queda de apoio interno é muito claro. Primeiro, a incapacidade
de cumprir as promessas feitas levar à diminuição do apoio popular. O segundo
passo é ainda mais penalizador: é necessário governar de acordo com a
realidade. E nenhum governo escolhe a realidade que enfrenta. Das promessas
irrealistas passa-se para as políticas antes rejeitadas. O terceiro passo é
mais curto. A divisão do partido com muitos a acusarem o “seu” governo de
adoptar políticas de “direita”. Foi em suma o que aconteceu com os socialistas
franceses. Hollande não cumpriu o que prometeu, foi obrigado a governar contra
o que tinha antes dito e dividiu o seu partido. É difícil prever o que vai
acontecer em França. Mas tendo em conta o que já aconteceu, os candidatos à
liderança do PS português deveriam estudar com muita atenção o percurso de
François Hollande, desde candidato a Presidente. E sobretudo lembrarem-se de
uma coisa. Hollande também não queria ser Hollande. Mas é.
Título e Texto: João Marques de Almeida, Observador,
28-08-2014
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