A UE decidiu tolerar o barbarismo e a opressão como sinal de
(imagine-se) liberdade. O barbarismo pagou-nos com redobradas atenções.
Maria João Marques
Sou anglófila até à medula.
Contado depressa: adoro all things
british. O folclore da finest hour,
a forma como valorizam a excentricidade, o Yes,
Minister e o Fawlty Towers, as livrarias e os autores curiosos que descubro nas
livrarias (de fugida, nomeio a Charlotte Mendelson e o autor sino-americano de
policiais Qiu Xiaolong), a Tate Modern, as latas de chá da Fortnum & Mason
(e estou eternamente grata à East India Company por ter surripiado os arbustos
do chá à China para os cultivar no norte da Índia e no Ceilão), as capas para
ipad da Smythson, o Colin Firth.
Bom, tudo, tudo, não. Na
verdade a Grã-Bretanha tem algo dentro de si verdadeiramente funesto. Algo cuja
mais recente manifestação ocorreu algures pelo Iraque quando um londrino
decapitou um inocente americano em frente a uma câmara de filmar. E que gerou
ondas de choque, ai Jesus, como é possível que na Europa rica, democrática,
tolerante, das Luzes germinem jihadistas? Cameron interrompeu até por uns dias
as suas férias na Cornualha (região que também adoro e admito até uma leve
paixoneta por St Ives, que seria o meu local de veraneio de eleição não achasse
eu uma anedota fazer férias ditas de praia em locais como Moledo ou S. Martinho
do Porto que, afinal, são vários graus de latitude a sul de St Ives) para,
presume-se, curar a arritmia dos membros do governo por tão inesperada notícia
de que há malucos extremistas in the making em Londres.
Eu percebo o escândalo com o
assassino de James Foley, mas escapa-me a parte da surpresa. Na verdade até
diria que foi algo laboriosamente cultivado pelas autoridades britânicas.
Lembremo-nos, por exemplo, do documentário de 2007 do Channel 4 que exibia
casos claros de discursos de ódio e incitações à violência e ao crime em
mesquitas britânicas. O que fez a polícia? Atacou o Channel 4 por representar
mal aquilo que se vive nas inócuas mesquitas da ilha e pretender desinquietar
as populações e roubar-lhes o sentimento de segurança (que, como se vê, é mais
precioso para as autoridades britânicas do que a própria segurança).
É sabido e mais que
documentado que muitas mesquitas britânicas são centros de radicalização,
incitamento ao ódio e violência e recrutamento de jovens desequilibrados para
uma guerra que têm a falta de pudor de chamar santa. Douglas Murray, na
Spectator, faz um resumo dos casos envolvendo jihadistas britânicos que as boas
consciências herculeamente ignoraram. Quem avisou que este caldinho seria
calamitoso foi apelidado de islamofóbico e intolerante. E quem cala, consente,
não é?
Na Grã-Bretanha discute-se –
agora – com afã o que fazer para estancar esta colheita de extremistas.
Assume-se que quem viaja para locais de guerra o faz com motivações terroristas
e pede-se prova do contrário? Tira-se a cidadania a jihadistas apenas com
cidadania britânica? Espero que não enveredem pelo caminho da vigilância
orwelliana da NSA, mas desejo que de vez se esclareça que um clérigo defendendo
que se bata na mulher e na filha se não se quiserem cobrir, que se chicoteiem
os gays, que há glória em matar infiéis, não está a exercer o direito à
liberdade de expressão ou religiosa, está a incitar e a promover o crime e isso
deve ser, em si mesmo, um crime. E que não se premeiam os locais do crime se
estes se mascaram de locais de culto. Outra: que tal não permitir a exaltação e
exibição das mortes e da violência islâmicas nas redes sociais?
França e Bélgica proibiram o
símbolo da anulação dos direitos humanos das mulheres que os muçulmanos
orgulhosamente impõem ao seu lote feminino: a burca. Os Estados Unidos têm
maioritariamente um Islão conservador mas em paz com o país. A Grã-Bretanha, entregue
a tanta tolerância multicultural, consegue albergar duas tendências islâmicas
particularmente anacrónicas (os deobandi e os wahhabitas), ser um centro
europeu de mutilação genital feminina, ter um número crescente de crimes ditos
de honra e de casamentos forçados aplicados às raparigas muçulmanas que teimam
em se ocidentalizar, permitir que nas comunidades muçulmanas a legislação
britânica seja ostensivamente ignorada e substituída pela dos países de origem
dos imigrantes. E é o maior produtor e exportador europeu de jihadistas. Sem
ser picuinhas, diria que até ver o resultado não é animador.
Mas não é certo que seja desta
que se enxotem as avestruzes. Já começou a campanha a vender que o extremismo
islâmico não tem nada a ver com o Islão. Mehdi Hasan garante-nos que os
europeus que se juntaram ao ISIS não passam de doidivanas que leram umas coisas
na diagonal sobre o Islão e até os terroristas do 11 de setembro não eram bem
muçulmanos porque tinham namoradas e vidas sexuais. (Que isto de ser um crente maltrapilho
é só para as outras religiões, os jovens muçulmanos são imunes às tentações da
carne). Mas mesmo que tal fosse verdade – e todas as mesquitas britânicas
locais salubres – ficaria sempre por explicar a razão de todos os enjeitados
sociais escolherem lutar e matar em nome do Islão e não, sei lá, do animismo.
Em vez de dizer a quem execra
o nosso modo de vida mas quer impingir-se por cá ‘para leste do Dnieper e para
sul do Mediterrâneo, se faz favor’, a UE decidiu tolerar o barbarismo e a
opressão como sinal de (imagine-se) liberdade. O barbarismo pagou-nos com
redobradas atenções.
Título e Texto: Maria João Marques, Observador,
27-08-2014
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