Gosto muito de ouvir Carlos do
Carmo [foto], menos em disco do que nas entrevistas que concede. Na última, publicada
no Diário Económico, o Grammy Latino fala de si próprio, da educação suíça, da
crise económica, do cansaço de colegas como Fernando Tordo e Rui Veloso. Por
fim, cita Fidel Castro, dono de uma fortuna avaliada em 900 milhões de dólares
("Não tenham medo da guerra nuclear, os ricos não querem morrer") e,
sobretudo, alerta as elites para o dia em que "os jovens saírem para a rua
"a sério". Nesse momento, "isto vai mudar": "As elites
políticas ou ganham juízo ou pode-lhes acontecer alguma coisa de muito
desagradável, porque o português não é tanto de brandos costumes como se
diz."
É invejável o talento dos
grandes artistas para interpretar, além de cançonetas, os sentimentos do povo
(ou da "população", palavra que Carlos do Carmo prefere). Como um
médium dedicado aos vivos, ou como Mário Soares, Carlos do Carmo comunica
intimamente com o espírito das massas e descobre que estas não tardam a
irromper furiosas de modo a colocar os poderosos na ordem e a devolver a
"dignidade" (sic) à pátria.
Embora não me lembre da última
vez em que o País foi assim particularmente digno, fico muito satisfeito com a
previsão. Só me angustia uma coisa: e se a população que "não estava
habituada a pedir esmola" não distinguir as elites dos artistas que
costumam rondar as elites à cata de subsídios e patrocínios? O que acontecerá
se a indignação das multidões também se voltar contra a rapaziada dos espectáculos
pagos pelas autarquias e decididos por ajuste directo? Carlos do Carmo garante
que "a população desta terra gosta" das gentes da
"cultura", mas não consigo ficar descansado.
Título e Texto: Alberto
Gonçalves, Diário de Notícias, 17-08-2014
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