Marina Silva já é a candidata
do PSB à Presidência. E, como é evidente, existe uma onda a seu favor, ainda
que nascida da tragédia. De resto, não dá para ignorar: os deuses da floresta a
premiaram com um impressionante senso de marketing — chega perto de rivalizar
com o do próprio Lula. Em alguns aspectos, pode-se dizer que ela leva certa
vantagem: é mais, como direi?, “sensível” do que seu antigo chefe e diz coisas
bem mais abstratas e incompreensíveis, o que sempre desperta no ouvinte a
suspeita de que pode estar enxergando o que ninguém ainda vê. Renata, a mulher
de Eduardo Campos, recolheu-se num decoroso silêncio. Marina ficou com o papel
de viúva. Li na Folha, de novo, neste domingo, que foi a outra, com uma roupa
floral, quem consolou uma Marina vestida de preto neste sábado. Que coisa! A
minha origem é ainda mais pobrezinha do que a da ex-senadora, sabem? Meu sensor
antidemagogia dispara nessas horas.
Não tenho paciência, desculpem
os encantados, com Marina! O reino que me interessa é deste mundo. E o que não
é requer a intervenção de um Ser superior à líder da Rede, a quem não reconheço
o papel de intercessora. Repudio o seu comportamento e o seu ar de vestal, como
se ela fosse feita de um barro diferente daquele que faz os outros políticos.
Não é.
Eu não sei, por exemplo, e
ninguém sabe, do que ela vive e quem sustenta o aparato — que não é pequeno! —
que a acompanha. Há tanto tempo sem legenda, flanando por aí, a questão é
pertinente. Fosse outro, o jornalismo investigativo já teria se ocupado de apurar.
Como é Marina, não se toca no assunto. Imaginem se algum outro candidato à
Presidência da República tivesse um banqueiro — ou uma banqueira… — pra chamar
de seu. Ela tem. O que nos outros seria pecado é, em Marina, tratado como
virtude.
A líder do tal Rede, já
apontei aqui num post de maio de 2011, é a nossa vestal. Logo será carregada
numa liteira. Constituiu-se, com o beneplácito de boa parte da imprensa babona,
numa figura notavelmente autoritária da política. Como esquecer o seu
comportamento durante a votação do Código Florestal? A nossa Entidade da
Floresta — que só não faz milagre no Acre — sempre se negou a confrontar suas
ideias com as de seus oponentes — preferindo ameaçar a Terra e o país com o
apocalipse. Contou, para isso, com o apoio de ONGs fartamente financiadas por
dinheiro vindo do exterior e de colunistas que não distinguiam e não distinguem
um pé de feijão de erva daninha. Caso se dissesse a alguns deles que “o povo
pede alho”, eles o mandariam comer bugalho…
Certa de que a “mídia” amiga
seria eficiente em matar o novo Código Florestal, relatado então pelo agora
ministro dos Esportes, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), Marina se limitou a dizer “não”
ao texto. Como o debate avançou, apelou aos universitários. Aí, a até então
omissa SBPC resolveu fazer o seu relatório recheado de elogios à agricultura
brasileira (que remédio?), mas alertando para o apocalipse que viria se a
proposta fosse aprovada. A iniciativa não vingou.
Como sabe ou pode saber o
leitor, as vestais romanas, virgens sem mácula, eram encarregadas de manter
aceso o fogo sagrado. Gozavam de grande prestígio. Os altos dignitários de Roma
lhes confiavam segredos, e elas costumavam ser chamadas para dirimir conflitos
e apaziguar dissensões. Excepcionalmente, podiam abandonar seu templo e
desfilar pela cidade em sinal de protesto se considerassem que uma grave ameaça
pesava sobre o Estado romano.
Foi o que fez Marina naquele
2011. As ONGs resolveram carregar a nossa vestal até o Palácio do Planalto para
um encontro com o então ministro da Casa Civil, Antonio Palocci. Ela
reivindicava no tapetão o que não conseguira no debate político: o adiamento da
votação do relatório. Aldo havia debatido o seu texto país afora. Marina
preferiu fazer a cabeça dos ditos “formadores de opinião”. A democracia
brasileira tem uma instância chamada Congresso. Ela preferiu os carregadores de
liteira das ONGs ao Parlamento. É parte do que chama “nova política”. Não me
serve.
O problema é que Marina, eu já
escrevi umas 800 vezes, é a outra personagem inimputável da política
brasileira. Só perde para Lula. Ambos são beneficiados pelo preconceito de
origem às avessas. Como vieram “do povo”, não se questionam seus propósitos.
Seriam depositários de uma espécie de verdade ancestral. Note-se, a título de
ilustração, que, quando ela deixou o governo, falou-se de seu conflito com
Dilma, não com Lula…
A ex-senadora tem um método:
se perde o debate nas instâncias consagradas para decidir um embate, apela,
então, à galera. Fez isso no PV, onde aonde chegou, de mala e cuia, para ser
candidata em 2010, conhecendo as regras. Disputou a eleição deixando claro,
sempre!, que era maior do que o partido. Terminada a peleja, deu início ao
esforço para depor a direção da legenda. Como foi derrotada nas instâncias
internas — cujas regras ela prometeu acatar quando se filiou —, foi para o
debate público, certa de que não precisaria ter razão para conquistar adesões.
Não tinha e as conquistou. A direção do PV foi tratada como vilã, mas ela não
conseguiu o que queria. Caiu fora. Começou, então, a criar a Rede.
Quer o quê?
O cerne da postulação de
Eduardo Campos, convenham, era um tanto confuso. O então candidato insistia na
tese de que nada havia de errado no lulismo e que Dilma é que havia se
distanciado do bom caminho. Como acertava em alguns diagnósticos parciais que
fazia, sua candidatura foi bem recebida. Se não dava para entender o conjunto,
havia partes que faziam sentido.
E Marina Silva? Por quanto
tempo mais não se vai perguntar, afinal de contas, o que pretende para o Brasil
a viúva enlutada e indevida?
Título, Imagem e Texto: Reinaldo Azevedo, 17-08-2014
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