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Durante 50 minutos, uma roda de vinte jovens se aglomera diante do
portão de saída do lugar pomposamente chamado Bahia Café Hall. Assim como foi
lá dentro, nenhum deles parece ter chegado aos 18 anos. Os rostos são todos
adolescentes, mas revelam uma fragilidade infantil com o semblante alterado
numa devoção religiosa. Todos os olhos estão vidrados. A Deusa deles vai
atravessar aquele portão a qualquer momento.
Seria a oportunidade de quebrar a barreira dos 50 metros de distância
que os separava da primeira à última fila diante do palco e, pela primeira vez
em 5 anos, chegar bem perto da estrela, falando diretamente, e quem sabe, tirar
uma foto junto com ela. Para então exibir a imagem e se vangloriar pelo resto
da vida.
Por enquanto, saíam apenas alguns parentes de músicos. Depois, os produtores,
empresários e os integrantes da primeira banda de abertura. Ninguém dava bola
pra eles. Deixavam os figurantes passarem, andando por 8 metros do portão até à
van preta da altura de um caminhão. Outras duas vans iguais esperam sua vez.
Ninguém ali tinha pressa. Mas a expectativa é tão alta que se respira a
eletricidade no ar.
Sai a segunda banda. Nada. De novo, uma van preta estaciona ali perto,
as portas deslizam para os lados em silêncio, abrem e fecham, artistas e
ajudantes entram e o monstro metálico parte em silêncio.
Então é a vez da terceira banda sair. Baterista, baixista, guitarrista,
tecladista se aproximam do portão, que não se abre. Em vez disso, a última e
enorme van manobra cuidadosamente e agora estaciona exatamente encostada ao
portão, que se abre apenas para dar espaço estreito à passagem de uma pessoa de
cada vez. Silenciosamente, todos entram. Os roadies carregam os
instrumentos para dentro. Só falta a cantora.
Mas do lado de fora, os fãs quebram a calma e percebem a manobra que
cortou suas esperanças. A frustração explode em coro: "Pôôôôô...!!! Que é
isso, sacanagem!... Deixa a gente ver ela!" Metade deles sobe às grades,
pendurados com as cabeças pouco acima do portão. Alguns ficam nas pontas dos
pés. Tudo para ver sua heroína passar, mesmo que de relance.
E finalmente ela surge. Andando pelo corredor em passos firmes, sem
desviar o olhar fixo para a frente, ela parece tão concentrada quanto alheia à
situação à sua volta. Os gritos explodem e se misturam numa confusão de
pedidos, súplicas e choro incontido:
"Pitty, fala com a gente!"
"Pitty, olha pra mim!!"
"Pitty, fala comigo!!!"
"Pitty, vem tirar uma foto com a
gente..."
Então a porta da van se fecha com força, e um
lamento coletivo preenche o ar:
"Ahhhhhhh, nãããããããããão!!!.........."
Foi como se fechassem a tampa de um caixão. Os
protestos sobem de tom e volume.
"Poo-rra... sacanagem!... Isso não se faz...
Foda!..."
Foi quando eu intervi. Passando rapidamente pelos
fãs, abrindo caminho na passagem de estreita, falei: "Com licença: tenho
uma coisa para entregar a ela." Estirei minha sacola de papel almaço
azul-escuro cheia de CDs e DVDs de rock. "Por favor: entreguem isso a ela."
Os seguranças passaram o volume de mão em mão até a janela da van. "Pitty!
Recebeu a sacola?" Alguém disse: "Sim!"
Beleza. Missão cumprida.
É aí que pela única vez naquela cena se ouve uma
voz segura e meio anasalada de mulher falando para outra. É tão cheia de si que
parece mesmo uma amiga íntima decepcionada, falando bem alto em tom venenoso e
provocativo, enquanto prolonga cada sílaba como se estivesse ondulando os
quadris, com as mãos na cintura para todos a verem e ouvirem:
"Francamente, Pitty, o seu marido era
melhor!"
Numa situação normal, esta fala indiscreta seria seguida de um tapa na
cara bem dado com toda a força de uma senhora ultrajada. Mas dentro da cabine
da van que dava a partida, a passageira só podia ouvir o ultraje em silêncio.
E eis o resultado final de tanta adoração numa carreira que é puro
sucesso: a grande força que leva a artista a conquistar a empatia e a
identificação de multidões de garotas também é a mesma que as leva a se
considerarem, cada uma delas, amigas íntimas e de longa data a quem a estrela
deve prestar satisfações. Mesmo numa fase depressiva ou melancólica. Mesmo
depois de 5 anos de perdas e desgastes, stress e internações, quando tudo o que
ela mais precisa é ficar em paz. Sob as luzes do show business, quando se toca
os corações e mentes de seus fãs, não adianta dizer "I want to be
alone." São os ossos do ofício.
A van dá a partida e manobra para trás entre os adoradores se desviam do
veículo monstruoso, mas não se afastavam. Os rostos infantis são de uma tristeza
inconsolável. As vozes ficam cada vez mais chorosas. É quase um pranto:
"...Ela não tem o direito de fazer
isso!!!..."
"...Não ia ter nenhum problema em ela parar só
um pouco pra falar com a gente..."
Nesse instante eu cortei a conversa fiada, e dei a
última palavra, falando bem alto e didaticamente para as crianças:
"Mas isso depende do estado emocional da
pessoa no momento, e por isso ela tem todo o direito de fazer isso."
Por um momento, todos se calaram. Já que ninguém
respondeu, e quem cala consente, dei as costas àquelas infelizes e fui andando
enquanto acendia um cigarro. Que piada: fui a única pessoa ali que conseguiu o
que queria, mesmo sem ser um fã.
Título e Texto: Ernesto Ribeiro, 26-08-2014
Na platéia do show de Pitty, pela primeira vez na minha vida, eu me senti deslocado num show de rock. Pela primeira vez na minha vida, eu me senti VELHO. Eu era o único adulto, cercado por 2000 adolescentes HISTÉRICAS gritando o tempo todo e cantando TODAS as letras do ínicio ao fim, se misturando á voz da cantora. Não se ouvia a voz de Pitty distintamente. Só quando ela falava entre as músicas.
ResponderExcluirMe senti menos num show de rock e mais num xou da Xuxa.
Não vejo diferença entre piti e Xuxa,sendo q prefiro a segunda.
ExcluirSabe, Jim, quando eu testemunhei aquela cena, me veio á mente o mesmo assédio sofrido por Lygia Cabus.
ResponderExcluirNessa hora eu entendo porque ela se aposentou do show business.
Ela hoje vive sozinha.
Pra completar: uma fã que a esperava era uma moça negra de óculos de grau retangulares, que disse "Pitty não parece baiana. Ela não tem a pele escura."
ResponderExcluirHaja paciência para seres tão limitados...
Das 246 músicas gravadas pela PITY, a melhor, é sem dúvida alguma, a que gravou com o Zé Ramalho, 'A Nave Interior'. O resto é pocaria, como a doença Xuxa. Por sinal, incurável.
ResponderExcluirCarina Bratt
Ca
Em Vila Velha ES