terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Grécia: atração, eventualmente fatal, pela autonomia monetária?

Tavares Moreira

1. Um dos mais curiosos episódios relatados na imprensa internacional, sobre o momento especial que se vive na política grega, foi naturalmente omitido ou passou despercebido à grande maioria dos “media” lusos, tomados por um encantamento infantil em torno do PFEC em curso na Grécia (o equivalente ao nosso velho PREC, agora em versão financeira).

2. Esse episódio tem a ver com a queda acentuada das receitas fiscais do Tesouro grego, nas semanas que antecederam as eleições, em resultado de muitos milhares de gregos terem começado a alimentar a expectativa de que, com a vitória do Syriza, pudesse ser decretada uma amnistia fiscal ou algo de muito parecido…

3. Tal episódio é bem revelador de como a mensagem económica e financeira do partido vencedor, cheia de exigências em relação ao resto do Mundo – uma espécie de ajuste de contas financeiro com o resto do Mundo, muito em especial com os seus credores internacionais – foi capaz de passar para o eleitorado ao ponto de acreditarem num grande alívio/perdão fiscal pós eleitoral…

4. Em suma, o Syriza conseguiu convencer uma boa parte do eleitorado grego de que seria capaz de:

- Repor os vencimentos dos funcionários públicos e as pensões de reforma para níveis iguais ou muito próximos dos que se verificavam antes da intervenção da malfadada Troika;
- Recuperar benefícios sociais e níveis de salário mínimo nacional, que também foram consideravelmente reduzidos durante o Programa de Ajustamento (ainda em curso);

- Impor aos credores internacionais uma reestruturação da dívida em termos altamente penalizantes para eles (termos ultra-concessionais), obviamente facilitando o serviço da dívida ao devedor República Helénica de modo a permitir a restauração dos benefícios supra indicados;

- Sem prejuízo do que antecede, continuar a merecer a confiança e a disponibilidade dos credores internacionais para continuarem a financiar a República Helénica nos termos por esta escolhidos e, desnecessário será acrescentar, altamente concessionais também.

5. Qualquer cidadão minimamente esclarecido compreende que este programa envolve um nível de utopia considerável – equivale a comer um bolo várias vezes e mantê-lo como se não tivesse sido comido – mas a verdade é que uma boa parte dos gregos acreditaram nele e votaram naqueles que o prometeram.

6. Subjacente a todo este estranho enredo e esta ilusão financeira está uma noção central do ideário dos dois partidos que formam a nova coligação governamental  na Grécia: ambos estão profundamente empenhados (“passionate”, diz o F. Times na sua edição de hoje) na restauração da soberania nacional sobre a política económica. 

7.  Mas isso só será possível ou viável com um novo regime económico, muito especialmente com a restauração da autonomia monetária perdida aquando da adesão ao Euro, como é evidente…mais  concretamente, isso implicará o abandono do Euro, seguindo um modelo financeiro do tipo argentino ou venezuelano…coisa que os gregos têm esmagadoramente rejeitado nos inquéritos de opinião!

  8. Confesso as minhas sérias dúvidas quanto à possibilidade de tudo isto não acabar numa enorme frustração para os gregos; esta ilusão financeira/monetária em que confiaram ainda lhes pode sair mais cara que o Programa de Ajustamento…muito sinceramente não o desejo, mas com igual sinceridade antevejo um enorme risco de tal acontecer. 
Título e Texto: Tavares Moreira, “4R – Quarta República”, 27-1-2015

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