João Marques de Almeida
A democracia na Europa não
começa nem acaba na Grécia. Há mais 27 democracias e estas tomam decisões que
afectam a Grécia. Sabem porquê? Porque 80% da dívida grega resulta de
empréstimos desses países
Sabemos que os gregos gostam
de lembrar que a democracia surgiu na Grécia; e ainda gostam mais de evocar a
história para justificar o incumprimento de certas regras, como se gozassem de
privilégios especiais por terem “oferecido a democracia ao mundo”. A última
versão desta fantasia refere um previsível conflito entre a “democracia grega”
– representada pelo Syriza – e a “tecnocracia europeia anti-democrática”.
Convém desmascarar esta narrativa. A democracia na Europa não começa e não
acaba na Grécia. Há mais 27 democracias, com parlamentos e governos eleitos
pelos seus cidadãos. E dessas, 19 estão na zona Euro. É verdade que os seus
representantes democráticos tomam decisões que afectam a Grécia. Sabem porquê?
Porque cerca de 80% da dívida grega resulta de empréstimos desses países.
A proposta do Syriza de
simplesmente acabar com metade da dívida significa que a Grécia não pagaria
cerca de 75 biliões de Euros aos seus parceiros europeus, que emprestaram
dinheiro para evitar a bancarrota do país. Se isso acontecesse, quem pagaria o
empréstimo que Portugal fez à Grécia? Gostava de ver os “amigos do Syriza” em
Portugal explicarem aos portugueses que parte dos seus impostos serviria para
pagar as dívidas gregas. Claro que não explicam, por uma razão muito simples. O
argumento é o seguinte. Primeiro, não pagam os gregos; depois, não pagamos nós;
e por fim não pagam os espanhóis.
Mas alguém terá que pagar.
Quem será? A Alemanha, a França (sim, vejam o que diz Hollande em relação ao
perdão da dívida grega), a Holanda, a Áustria e a Finlândia. Os seus governos e
os seus eleitores sabem isso, e sabem fazer contas. E nesses países também há
eleições; não é só na Grécia. Por exemplo, em Abril, há eleições na Finlândia.
Convém prestar um pouco de atenção a essas eleições. Há quatro anos, surgiu um
partido chamado “Os Verdadeiros Finlandeses”. Qualquer pessoa sensata
assustar-se-ia com um partido com a ousadia de escolher tal nome. Mas os
finlandeses não se assustam; afinal de contas, são finlandeses. Os VF não
gostam de emigrantes na Finlândia, nem querem o país no Euro. Ora, nas últimas
eleições, os VF ficaram em segundo lugar (com os sociais-democratas).
Um perdão de dívida à Grécia
seria a forma mais rápida de colocar os VF no poder. Muitos podem achar estranho,
mas a maioria dos finlandeses acha que a Grécia deve pagar o dinheiro
emprestado (uma mania estranha esta de se achar que o dinheiro emprestado deve
ser pago). E todos os partidos finlandeses pensam o mesmo, desde os
equivalentes aos nossos PSD e CDS até ao equivalente ao nosso PS (desconfio que
até o Bloco de Esquerda local é contra o perdão da dívida grega). Ou seja, para
se salvar a democracia grega, dava-se cabo da democracia finlandesa; e depois,
para se salvar a espanhola, acabava-se com a holandesa, e assim sucessivamente.
As coisas tornam-se mais
complicadas quando chegam à França e à Alemanha. Aí convém fazer tudo para
preservar a democracia. E é isso que Hollande e Merkel vão fazer. O triunfo das
propostas do Syriza seria mais uma ajuda para a Frente Nacional chegar ao poder
e reforçaria a direita populista e nacionalista alemã. Quando se chega aqui,
param as brincadeiras. Berlim e Paris não vão deixar o Syriza brincar com a
democracia nos seus países. Podem ter a certeza.
A eleição do Syriza vai
mostrar com toda a clareza a nova divisão política na Europa do Euro (e não
só): entre os partidos populistas e os partidos convencionais. Esta divisão
está a tornar-se mais importante que a separação clássica entre esquerda e
direita. Por isso, Marine Le Pen apoia a vitória do Syriza na Grécia. Se o
Syriza conseguisse impor à Europa as suas propostas, poderíamos assistir à
emergência de um choque entre os populistas da extrema-esquerda no sul e os
populistas da extrema-direita no norte. Além de mostrar a natureza dos novos
conflitos nas democracias europeias, a vitória do Syriza conseguirá ainda
juntar de novo a Alemanha e a França, desavindas desde a eleição de Hollande.
Contra os populistas radicais, está a emergir uma grande coligação entre a direita
e a esquerda democráticas, liderada por Berlim e Paris.
Se os fundadores e a
“juventude bloquista” do PS não entenderem isto, não é grave – aliás, não se
esperava outra coisa de quem parou de pensar ou de quem nunca começou a pensar
– mas António Costa tem que perceber. E se não conseguir, há no PS quem lhe
saiba explicar, e muito bem.
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