quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Macroscópio – Quem deseja e quem teme uma vitória do Syriza?


José Manuel Fernandes

O prometido é devido. Hoje o tema do Macroscópio é a Grécia e as eleições do próximo domingo, umas eleições que estão a deixar a Europa em suspenso. Tudo por causa de uma eventual vitória do Syriza, antecipada em todas as sondagens. Acredito mesmo que este será apenas o primeiro Macroscópio sobre o destino deste nosso parceiro na União Europeia.

Começo por vos propor duas breves introduções ao que está em causa, ambas preparadas pelo Observador. A primeira é um texto de Tiago Carrasco, que está no terreno e, em 11 coisas que se dizem em Atenas sobre as próximas eleições, faz uma boa síntese do que está em jogo e das dúvidas que ainda existem sobre o desfecho do escrutínio. Já o Nuno André Martins, em A crónica de uma tragédia moderna, faz-nos uma cronologia exaustiva do que se passou no país de Péricles e na Europa desde Fevereiro de 2008 até hoje. É, como escreve, “Um filme de terror, o Titanic a caminho do iceberg ou a odisseia de Ulisses até Ítaca no regresso da guerra de Tróia. A tragédia grega moderna nas palavras dos próprios, que se recusa a terminar.”

Continuando a procurar expor um pouco o que está em causa, comecemos por dar a voz aos próprios, isto é, ao Syriza. O seu líder, Alexis Tsipras, escreve hoje um artigo no Financial Times, End austerity before fear kills Greek democracy, que sendo um pouco um texto “para inglês ver”, muito pouco concreto e muito eleitoral, é sempre de ler. O mais detalhado que consegue ser é isto:

We want to bring Greece to the level of a proper, democratic European country. Our manifesto, known as the Thessaloniki programme, contains a set of fiscally balanced short-term measures to mitigate the humanitarian crisis, restart the economy and get people back to work. Unlike previous governments, we will address factors within Greece that have perpetuated the crisis. We will stand up to the tax-evading economic oligarchy. We will ensure social justice and sustainable growth, in the context of a social market economy.

Um dos principais colaboradores de Tsipras, Yorgos Stathakis, responsável pelo programa económico do partido da esquerda radical, deu entretanto uma entrevista ao jornal espanhol ABC, «Sino se revisa el rescate, a Grecia le será más difícil pagar». É um pouco mais concreto, mas mesmo assim as suas respostas nem sempre são directas:
- España ha prestado 26.000 millones de euros a Grecia y si escuchamos algunas de las cosas que se dicen en Syriza es posible que no recupere nunca esta cantidad. ¿Qué les dice a los ciudadanos españoles?

- La verdad es que ocurrirá todo lo contrario. Si no se revisa el acuerdo del rescate, Grecia tendrá todavía mas dificultades para pagar el dinero que debe. Que se reduzca la deuda y se mejore la situación fiscal de los países que tienen problema con deudas públicas que no son viables está en el interés mutuo de griegos y españoles y de todos los ciudadanos europeos.
Como pano de fundo da maioria dos debates que cruzam a Europa está a sugestão de que a Alemanha deixou de ver como uma problema a eventual saída da Grécia da zona euro. Essa informação surgiu pela primeira vez num artigo da Spiegel publicado no início deste mês, artigo que vale a pena recuperar: Germany Open to Possible Greek Euro Zone Exit. Em síntese:

There was a time when Germany feared the consequences were Greece to leave the euro zone. Now, though, with Greek elections approaching, Chancellor Angela Merkel is willing to accept a "Grexit" should a new leftist government in Athens demand concessions.

Passando agora a uma análise mais detalhada do que se está a passar, deixo-lhe alguns destaques:

· Tony Barber, colunista do Financial Times, está em Atenas e publica hoje uma análise interessante, Syriza’s far-left imagines electoral victory as revenge, onde, por exemplo, explica porque pode ser mais complicado para Alexis Tsipras levar o seu partido à maioria absoluta do que ter de negociar uma coligação com partidos mais moderados. Isso por causa das divisões internas do Syriza e do estado de espírito de algumas das suas facções: “Some Syriza ultra-leftists imagine victory as revenge for the military defeat inflicted on the communists by US- and British-backed rightists in Greece’s 1946-49 civil war. They see Greece in the euro era as a victim of wicked plutocrats, homegrown and foreign. They speak less convincingly than Mr Tsipras, at least in recent remarks, about wanting to keep Greece in the eurozone.”

·  Ian Traynor, no Guardian, nota que Europe’s far right gets the attention, but the left is making the political running. De facto, “Berlin and Athens remain the two poles of Europe’s fundamental argument, and a Tsipras victory is one answer to that argument that everyone will hear. It will resonate from Helsinki to – most notably – Madrid, where the leftwing insurgents of Podemos (“Yes We Can!”), under Tsipras’s mate, the ponytailed Pablo Iglesias, are hammering on the doors of power.

·  Um dos países onde a eleição grega é seguida com mais atenção é a Espanha, precisamente pela emergência deste novo partido, o Podemos. Talvez por isso a polémica já seja aberta, como se nota neste artigo do El Mundo, La democracia ante su enemigo, no qual José Torné-Dombidau y Jiménez polemiza com Pablo Iglesias a propósito de um artigo que o líder radical espanhol publicou no mesmo El Mundo.

Pequena passagem: “Otro argumento que maneja el secretario general de Podemos es que quienes se oponen al triunfo de Syriza (o de Podemos, tenemos que entender) tienen miedo a que triunfe la democracia. A su juicio, no son buenos demócratas, como se deduce del alarde que aquél hace cual repartidor en exclusiva de patentes de legitimidades. Pero no es así. Iglesias tiene que saber que los que disentimos y recelamos de su modelo de Estado nos gusta la democracia representativa, y no la populista y asamblearia. Nos gusta el Estado social y democrático de Derecho, modelo avanzado y progresista consagrado en la Constitución de 1978, marco que el actual estado de la ciencia política no ha acertado a alumbrar otro que lo mejore en punto a derechos y libertades.”

· Yannis Palaiologos, um jornalista do diário grego Kathimerini, discutiu hoje no Wall Street Journal uma hipótese: If the Radicals Win in Greece. Nesse texto defende alguma forma de compromisso: “Many voters are about to gamble on Syriza’s untested antibailout brigades. For that gamble not to prove calamitous for Greece, which could strike a potentially irreparable blow to the future of the eurozone, Mr. Tsipras will need to demonstrate rare political skill. He willl need to sell the idea of compromise—a bad word in Greek, and in particular in the lexicon of the Greek left—to the radicals within his party. But he isn’t the only one who must abjure dogmatism. The Europeans must recognize that Greece’s fiscal targets are impossibly stringent. Primary surpluses of 4.5% of GDP for 2016 and for years to come aren’t consistent with a Greek recovery.

Em Portugal também já começaram a aparecer as primeiras análises e opiniões sobre o possível desfecho das eleições gregas. Do que já foi publicado, destaco três textos:

·  No Diário Económico, Paulo Ferreira, em Vamos ensaiar de novo: “nós não somos a Grécia”, recorda o que se passou há quatro anos para alertar para a tempestade que pode estar a formar-se: “Agora que o "país problema" da zona euro volta a testar todos os limites, o risco volta a estar à solta. Não o risco de uma eleição do Syriza, que a legitidade democrática não escolhe cor. Mas o risco de uma contaminação financeira que nasça da incerteza do desfecho do braço-de-ferro político que certamente vai seguir-se à eleição grega. Estamos na fase do ‘bluff', das posições extremadas, do jogo psicológico que testa os limites do adversário.”

· Aqui no Observador, Manuel Villaverde Cabral, em Domingo próximo, procura enquadrar o problema grego nalguns defeitos dos sistemas políticos do sul da Europa: “São os sistemas políticos destes países, com a fragmentação partidária, a compulsão pelo poder e a corrupção, que fazem crer aos seus eleitorados que podem ter a chuva no nabal e o sol na eira. Entre os países do sul da Europa, já elegantemente conhecidos antes da crise como os PIIGS, há diferenças de cultura e de organização políticas. Tipicamente, existe um contínuo político-cultural entre os alegados «porcos» que vai desde os que estão ainda marcados por guerras civis insanáveis até hoje, àqueles cujas culturas políticas são menos radicais ou, dito de outro modo, mais pragmáticas se não mais promíscuas.”

· Também no Observador, Alexandre Homem Cristo, em Bruxelas e o medo do Syriza, defende a ideia de que “Se o Syriza vencer, quem perde é Bruxelas. Porque o que vai a votos não são só partidos, mas uma ideia de Europa da qual os gregos poderão prescindir.”

Termino o Macroscópio de hoje com uma referência a um apoio ao Syriza que pode parecer surpreendente, mas que talvez não seja assim tão inesperado como isso: o de Marine Le Pen, expresso em declarações ao Le Monde: «Oui, nous espérons la victoire de Syriza». Vejamos como justifica esse apoio:

« Il y a une fracture en Europe qui passe par la reprise en main des peuples contre le totalitarisme de l’Union européenne et de ses complices, les marchés financiers, continue Mme Le Pen. Je suis complètement cohérente. Cela ne fait pas de moi une militante d’extrême gauche ! Nous ne sommes pas d’accord avec tout leur programme, notamment sur le plan de l’immigration. Mais nous nous réjouirions de leur victoire. »

É caso para dizer é uma daquelas alturas em que os extremos convergem. Mas isso é todo um outro tema. Por hoje deixo-vos com estas sugestões e o habitual desejo de boas leituras. 
Título, Imagem e Texto: José Manuel Fernandes, 21-1-2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-