André Azevedo Alves
Sem deixar de lamentar o
sofrimento adicional que um triunfo do Syriza provocará ao povo grego, a
verdade é que a sua vitória, clara e democrática, é possivelmente o melhor que
pode acontecer à Europa
Em maio de 2012, numa
análise publicada pelo Institute of Economic Affairs, escrevi que a melhor
esperança da zona euro poderia muito bem ser uma vitória de Alexis Tsipras.
Agora, perante novas eleições e com o Syriza a liderar as sondagens, mantenho a
opinião.
Note-se que isto não quer
dizer que os riscos desse cenário devam ser menosprezados. Em primeiro lugar,
porque a possível vitória de um partido de extrema-esquerda num país da União
Europeia não deve ser tomada de ânimo leve. Depois, também porque a carteira de
promessas irresponsáveis do Syriza – que inclui aumentos substanciais das
pensões e do salário mínimo num país falido e com elevadíssimo desemprego – tem
o potencial de causar graves danos internos na Grécia.
Convém no entanto não ignorar
que o caminho seguido nos últimos anos não está a resultar. A estratégia de
Bruxelas de manter a todo o custo e contra todas as evidências a Grécia na zona
euro resultou no que está à vista: uma situação económica, social e
politicamente insustentável. É em larga medida graças a essa estratégia que o
Syriza está hoje às portas do poder na Grécia e que em várias partes da Europa
florescem movimentos extremistas (a este propósito, recomendo dois artigos
publicados por João Carlos Espada no Journal of Democracy: “The Sources of Extremism”, de 2012, e “The Missing Debate”, de 2014).
É verdade que a maioria dos
gregos – incluindo o líder do Syriza e muitos dos que votarão no partido –
continua a declarar ser a favor da manutenção do país na zona euro. Mas ao
mesmo tempo o que os últimos anos revelaram é que, não obstante os muitos
milhões de euros de crédito adicional canalizado para Atenas (ou talvez por
causa deles), a execução das reformas internas ficou muito aquém do que seria
necessário.
Chegados a este ponto, e sem
esquecer os riscos associados, há algumas boas razões para ter esperança numa
vitória do Syriza. Perante a chegada ao poder da extrema-esquerda na Grécia, há
essencialmente dois cenários possíveis. O primeiro, mais drástico mas também
mais clarificador, consistiria no cumprimento das promessas eleitorais do
Syriza. As consequências para a população grega seriam devastadoras, mas esse
seria provavelmente o único cenário no qual as lideranças de Bruxelas e Berlim
se poderiam convencer de que seria insustentável manter a Grécia na zona euro.
O segundo cenário consisitiria na hollandização de Alexis Tsipras. Embora menos
clarificador que o primeiro cenário, esta segunda hipótese teria ainda assim a
importante vantagem de contribuir para esvaziar o balão de demagogia que a
extrema-esquerda europeia tem vindo a encher.
É certo que nenhum dos dois
cenários eliminaria a ameaça da extrema-esquerda e que novas “narrativas”
seriam prontamente criadas: no primeiro cenário, a Grécia seria descrita como
tendo sido punida pelas forças oligárquicas “neoliberais” que controlam a Europa
a partir de Frankfurt; no segundo, Tsipras seria desmascarado ele próprio como
um traidor e um “neoliberal” encapotado ao serviço da finança internacional
(para um aperitivo pré-eleitoral desta linha de argumentação, veja-se aqui).
Mas ambos os cenários incorporam a importante vantagem de implicar um confronto
da retórica irresponsável e demagógica da extrema-esquerda com a realidade.
Assim, nas actuais condições,
e sem deixar de lamentar o sofrimento adicional que um triunfo do Syriza
provocará ao povo grego, a verdade é que uma vitória, clara e democrática, da
extrema-esquerda nas eleições gregas é possivelmente o melhor que pode
acontecer à Europa e em particular à zona euro. Caberá depois a todos os
europeus retirarem dessa vitória os ensinamentos necessários.
Título e Texto: André Azevedo Alves, Professor do
Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portugues, Observador,
24-1-2015
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