Kim Kataguiri
Bobagem é sempre bobagem, não
importa quem a diga. Porém, quando a besteira é dita por alguém que se vende
como especialista no assunto, ela acaba convencendo alguns incautos – como bem
ensina Schopenhauer em "A Arte de Ter Razão" –, mormente quando é
divulgada no maior jornal do país.
Em entrevista a esta Folha no
último sábado (31), o "professor na Fundação Getúlio Vargas e do Ibmec no
Rio" Jorge Chaloub afirmou que, hoje, a direita possui um discurso que "divide o
mundo entre bem e mal" – que ele, por desconhecimento ou mau-caratismo,
classifica de "moral" em vez de maniqueísta. Será mesmo?
Historicamente, a direita
sempre se preocupou em defender valores, em atingir fins nobres por meios
corretos. A esquerda, por outro lado, atuava no campo econômico – Marx, por
exemplo, sustentava que a política e o Direito eram meros reflexos das relações
materiais de opressão.
Após os fracassos dos países
comunistas, as coisas se inverteram. A esquerda passou a atuar nos campos
cultural e moral, e a direita, achando-se muito esperta, tomou conta do debate
econômico. Resultado: enquanto a direita pregava para seus próprios convertidos
em palestras fechadas e entediantes sobre coisas como taxa de juros, inflação e
swap cambial, a esquerda ditava o certo e o errado por meio do politicamente
correto e tomava o poder.
Prova disso é o fato de que,
até recentemente, os petistas eram intocáveis. Se você criticasse as atitudes
de alguma figura do partido, era rechaçado e rotulado como uma espécie de
leproso moral. Criticou o governo Dilma? Machista! Criticou Lula? Coxinha que
odeia ver o filho da empregada andando de avião!
Agora, se você é da turminha e chama feministas de "mulheres do grelo duro", aí tudo bem. Desde que você seja um guerreiro da justiça social, não um neoliberal a serviço do mercado malvadão, pode tudo. A esquerda, que tanto critica as falhas do capitalismo, criou um monopólio que não está disponível no mercado: o das virtudes.
Voltando à "análise"
do professor: sim, a direita brasileira tem falado muito sobre moral, sobre
certo e errado, e isso é ótimo! Antes de se preocupar com o que é
economicamente eficiente, as pessoas se preocupam com o que é justo. E essa é
uma das razões pelas quais a direita, até pouco tempo atrás, vivia numa bolha
de ar-condicionado e gravata borboleta.
Isso está bem longe de
significar que a direita é maniqueísta. O argumento que o professor usa para
sustentar essa afirmação é o de que a direita retrata "todas as posições
que se assemelhem a esquerda como patologia, como exposto pelo termo
'esquerdopata'".
Antes de alicerçar uma tese
numa única palavra, é preciso, ao menos, saber o que ela significa. Quem
inventou o termo "esquerdopata" foi o jornalista Reinaldo Azevedo. A
definição do termo é, nas palavras dele, "alguém que está sempre
justificando os malfeitos daqueles da sua turma" e que tenta "nos
convencer de que o crime atende aos anseios dos 'oprimidos' e tem uma função
libertadora. A exemplo do psicopata, seu padrão moral é elástico o bastante
para justificar qualquer coisa, desde que concorra para atingir seus objetivos
ou os do grupo."
Aí está a definição.
Esquerdopata é um tipo muito específico de esquerdista: aquele que tenta
justificar atrocidades em nome de um suposto ideal de igualdade. Não se trata,
portanto, de uma palavra usada para caracterizar todas as esquerdas. Sendo
assim, a afirmação de que a direita é maniqueísta é tão válida quanto a de que
um mais um é igual a três.
Chaloub ainda afirma que a
direita é adepta de teorias da conspiração e que sua ascensão se dá em razão da
organização em torno de think tanks vinculados ao empresariado e à mídia.
Não faço ideia de qual
empresariado ele está falando. Infelizmente, a maior parte dos empresários
brasileiros se acovardou diante da política. Os que não foram para Miami ou se
corromperam ou se omitiram. "Ah, mas e a Fiesp (Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo) que apoiou as manifestações contra o governo
Dilma?". Apoiou como? Colocando um pato gigante plagiado para promover a
imagem do seu presidente?
Isso sem falar na
"mídia". Como é que a mesma imprensa que exalta deputados como Jean
Wyllys e Chico Alencar, ambos do PSOL-RJ, elegendo-os como os melhores do
Brasil no prêmio "Congresso em Foco", age em conluio com think tanks
de direita?
No fim das contas, a tese do
tal professor se resume a rótulos preconceituosos somados a uma, vejam só,
teoria da conspiração, ainda que expressa de maneira sutil.
É a mesma mentalidade que
estava por trás do ódio despejado nas redes sociais quando Marcelo Freixo
(PSOL) foi derrotado no Rio, e Fernando Haddad, em São Paulo. Na cabeça deles,
a população, pobre e mal informada, se deixou levar pelo populismo de uma
direita que finge representar algo novo.
O fato é que ideias novas
estão, sim, sendo trazidas pela direita. Não são novas para o mundo, mas o são
para o Brasil. Nosso país sempre teve uma cultura de idolatria ao Estado, uma
crença de que todos os problemas podem e devem ser resolvidos pelo governo, o
que é característico da esquerda.
É por causa desse tipo de
militância barata e intolerante, travestida de análise acadêmica, caro
professor, que a esquerda está cada vez mais se limitando a uma bolha de elite.
Título e Texto: Kim Katiguiri, Folha de São Paulo, 3-1-2017
Título e Texto: Kim Katiguiri, Folha de São Paulo, 3-1-2017
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