João Carlos Espada
A identificação de “Mais Europa” com a
defesa da União Europeia é errónea. Ela favorece o populismo e enfraquece a
causa europeia.
As sondagens preveem e os
democratas desejam que Emmanuel Macron saia vencedor da segunda volta das
eleições presidenciais francesas, já no próximo domingo. Até lá, talvez seja
oportuno sugerir uma reflexão sobre as possíveis origens do crescimento dos
partidos populistas na Europa e sobre possíveis caminhos para lhe fazer frente.
Uma possível explicação —
talvez à primeira vista paradoxal — consiste em dizer que esse crescimento do
populismo não corresponde necessariamente à radicalização dos eleitorados. O
crescimento do populismo pode simplesmente corresponder à exploração pelos
populistas de temas não necessariamente populistas que têm sido esquecidos
pelos partidos centrais. Refiro-me sobretudo a temas relacionados com o
sentimento nacional e a devolução de poderes do centro para as comunidades
locais — que, no caso da UE, são basicamente os Parlamentos nacionais.
A concorrência entre propostas
que favorecem mais e propostas que favorecem menos poderes para o centro é uma
característica normal das democracias nacionais. É ela que está subjacente à
concorrência entre as famílias políticas que preconizam maior intervenção do Estado
e as que preconizam maior devolução de poderes para o sector privado, as
famílias e a sociedade civil.
A verdade é que as nossas
democracias vivem muito tranquilamente com essa concorrência. Elas na verdade
não procuram resolver definitivamente esse conflito em favor de nenhum dos
lados. As Constituições estabelecem limites a cada um deles — limitando os
poderes do Estado e também os da sociedade civil, através do primado da lei.
Mas, no âmbito desses limites estabelecidos pela lei, existe um vasto espaço de
escolhas que os eleitorados exercem em intervalos regulares. E a verdade é que
as escolhas eleitorais são de sentido diferente, muitas vezes opostos, em
diferentes eleições.
Receio que esta saudável
rivalidade entre propostas diferentes tenha estado debilmente presente na
política europeia. Gradualmente, foi emergindo um consenso entre as três
maiores famílias políticas europeias — Populares, Liberais e Sociais-democratas
— em favor do que se convencionou chamar “Mais Europa”. Este consenso foi deixando
vazio o espaço das propostas políticas a favor de, digamos assim, “Menos
Europa”. Este espaço foi gradualmente sendo ocupado por partidos populistas,
muitas vezes nacionalistas e, nalguns casos, simplesmente racistas.
Este fenómeno facilitou a crescente
identificação de “Mais Europa” com a defesa da União Europeia. Mas, em meu
entender, essa identificação é errónea. Ela favorece o populismo e enfraquece a
causa europeia.
É errónea, em primeiro lugar,
porque confunde regras gerais constitucionais com objetivos específicos da
política quotidiana. As regras da Constituição, como referi acima, não
estabelecem objetivos específicos a ser alcançados (neste caso, nem “Mais
Europa” nem “Menos Europa”). Estabelecem apenas as regras gerais no interior
das quais diferentes objetivos específicos podem e devem concorrer entre si.
Desta confusão entre “política
constitucional” e “política normal” (para usar as expressões de Ralf
Dahrendorf), resulta uma restrição desnecessária do espaço de respiração
tranquila das democracias. Ela exclui do debate entre famílias democráticas um
tema perfeitamente normal: o de “Menos Europa,” ou, o da devolução de poderes
do centro para a base, digamos assim.
Em terceiro lugar, e como
consequência do abandono do tema de “Menos Europa” pelas famílias democráticas,
as forças populistas ficam com o campo aberto para explorarem esse tema. O
grande problema que surge aqui não é que alguém venha explorar o tema de “Menos
Europa”. O grande problema é que os populistas vão explorar esse tema numa
linguagem radical, protecionista, por vezes simplesmente racista. E vão dar-lhe
um sentido anti-União Europeia.
Qual poderia ser a solução
para travar este perigoso crescimento do populismo contra a União Europeia? Em
teoria, a resposta parece-me relativamente óbvia (ainda que na prática possa
ser mais complexa): adoptar a experiência acumulada pelas democracias nacionais
e reintroduzir no debate entre as grandes famílias políticas centrais europeias
o tema de “Mais Europa versus Menos Europa”. Creio que há razões para acreditar
que, se este debate voltasse a ter lugar entre os partidos centrais, os
partidos populistas perderiam rapidamente o espaço vazio que demagogicamente
têm vindo a explorar.
Título e Texto: João Carlos Espada, Observador,
1-5-2017
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