quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Jabutis de Chico Buarque


Reinaldo Azevedo

Chico Buarque e o humor involuntário

Leia primeiro o post abaixo
Resistirei à minha tentação inicial, que é comentar a pontuação do texto do nosso mais aplaudido escritor. Diriam que apelo à picuinha, mais ou menos como deve ser irrelevante que um cirurgião tenha habilidade na sutura… Ainda bem que a literatura não salva vidas. Tampouco a inabilidade consentida, eventualmente laureada, condena à morte. O mundo é mais severo com médicos e engenheiros…
Dei destaque aqui, dia desses, a um trecho espantosamente ruim do também jubutizado “Budapeste”.  Chico e seus admiradores acreditam que só se pode criticar a sua literatura movido pelo preconceito. A suposição, obviamente furada, faria dele um romancista imune à crítica. Até que não renunciasse, então, à sua profissão original, estaríamos impedidos de fazer uma apreciação isenta de seus romances. Mas que fique bem claro: não se questiona a “isenção” no caso de elogios ou da premiação. Ao contrário! Os que aplaudem a sua obra teriam conseguido superar o preconceito! Assim, conclui-se que a única coisa intelectualmente honesta a fazer é elogiar Chico Buarque. É uma piada!
O e-mail revela um Chico ruim de lógica. Por alguma razão não-exposta, ele acredita que um monte de erros faz um acerto, repetindo a ladainha de Luiz Schwarcz, dono da Companhia das Letras, que edita seus livros. Cumpre destacar que o sambista escreveu quatro romances e levou três Jabutis. Ele próprio é o protagonista de duas das 17 vezes em que o “livro do ano” não foi considerado o melhor em sua categoria. Outra premiada nessa mesma condição é a mulher de Schwarcz.

A contestação à premiação e aos critérios do Jabuti começou neste blog, transformou-se numa petição na Internet, que ganhou milhares de adesões — antes de ser invadida pelos petralhas —, e mobilizou escritores, editores, livreiros etc. Schwarcz e Chico — e até Caetano Veloso! — decidiram reagir porque se tornou uma questão relevante. Os escritores brasileiros descobriam que eram as “mulheres de Atenas” do “guerreiro” Chico Buarque, lutando eternamente contra a ditadura militar que acabou há 25 anos!!!
Ele é um bom compositor? É, sim! A ruindade de seus romances não contamina a sua música, assim como a qualidade de suas músicas não contamina os seus romances. Mas vocês sabem… Ele é bastante mimado pela “cultura” nacional há muito tempo.  É a nossa “celebridade de esquerda” — um lugar realmente indisputável. Artistas costumam falar sobre política, religião, sexo, Mangabeira Unger, outros planetas… Ninguém dá muita bola porque… bem, são artistas, né? “Esse pessoal é mesmo um pouco estranho…” Mas com Chico é diferente. Ele ambiciona o lugar de pensador, de intelectual, de referência do pensamento, de consciência crítica do país.  Chico seria a nossa vestal! Se ele sair às ruas para protestar, fala em nome dos Deuses; os poderosos tremem! Pra cima de mim?

Releiam lá o seu e-mail:
“Não estou aqui para defender a excelência dos meus romances (…)”
Qualquer outro diria não estar ali para “defender a qualidade”. Chico logo parte para a “excelência”. Com efeito, desde sempre, essa não é uma questão que diga respeito à excelência.
É um tantinho constrangedor ver Chico Buarque exercitar o charme do perseguido:
“Em competições artísticas, o primeiro prêmio costuma carregar uma espécie de maldição. O que acontece com ‘Leite derramado’, aliás, é pinto, perto do que passamos no Maracanãzinho em 1968, Tom Jobim, eu e a nossa ‘Sabiá’.” Ele se refere à vaia que a música levou no Festival de 1968 - vaia promovida, diga-se, por gente que achava que o Brasil deveria falar grosso com Washington e fino com a América Latina… Anos depois, Chico viria a lhes dar razão, não é mesmo? Qual é…
Chico e as palavras, na prosa, vivem um litígio, mas que tem momentos de graça,  involuntária talvez. Ou como explicar isto:
“O que acontece com ‘Leite derramado’, aliás, é pinto (…)”.
“Leite derramado”? “Pinto”?
Mas de que diabos fala, afinal, Chico Buarque?

Em e-mail, o sambista Chico Buarque defende o seu criadouro de Jabutis
Quando questionei a concessão do Prêmio Jabuti a Chico Buarque, sabia estar fazendo a punção num esquema que se regalava no compadrio e prosperava no silêncio ou cúmplice ou amedrontado — afinal, quem seria doido o bastante para tocar na vaca sagrada da “cultura” brasileira? Há mais de 40 anos ela é apresentada como uma espécie de síntese superior do Brasil, encarnando a consciência culpada “das elites” dispostas a reconhecer que superiores são os desígnios do povo, de que o cantor seria um intérprete. Qualquer que fosse a competição de que Chico participasse — até de cuspe à distância —, ou ele se sagrava vitorioso ou estaríamos diante do triunfo das forças da reação… Disso tudo eu sabia. Mas havia um pouco mais.
Na segunda, o Globo publicou um e-mail assinado pelo sambista. Ocupa um quarto de página (!) do jornal. Eu o reproduzo abaixo. Comento no post seguinte. (acima)

Em competições artísticas, o primeiro prêmio costuma carregar uma espécie de maldição. O que acontece com “Leite derramado”, aliás, é pinto, perto do que passamos no Maracanãzinho em 1968, Tom Jobim, eu e a nossa “Sabiá”.
Não estou aqui para defender a excelência dos meus romances. Também já compreendi que, para muitos, é inconcebível que um cantor e compositor de música popular ganhe prêmios literários. Só me estranha que algumas recentes colunas de O GLOBO tenham voltado a questionar os critérios de premiação do Prêmio Jabuti, que a meu ver já foram esclarecidos há mais de um mês por Miguel Conde, nas páginas deste mesmo jornal. Portanto peço licença para reproduzir um trecho do seu blog Prosa Online, de 5/11/2010:
“Alguns leitores do blog questionaram o fato de o livro de Chico Buarque ter sido eleito a melhor obra de ficção do ano, embora tenha ficado apenas em segundo lugar na categoria Romance. A diferença entre os dois resultados, uma peculiaridade do Prêmio Jabuti, explica-se pelo fato de que as premiações por categorias são decididas, cada uma, por um júri de três pessoas, enquanto a premiação final, de melhores livros do ano, é decidida pelos votos de todos associados das organizações responsáveis pelo Jabuti - Câmara Brasileira do Livro, Sindicato Nacional dos Editores de Livros, Associação Nacional das Livrarias e Associação Brasileira de Difusão do Livro.” E mais, em 12/11/2010: “Um levantamento nas listas de premiados pelo Jabuti em ficção e não-ficção mostra que “Leite derramado” foi a décima-sétima obra a receber o prêmio de livro do ano sem ter ganhado sua categoria específica (veja a relação completa abaixo).

2008 - Livro do Ano (Ficção): “O menino que vendia palavras” - Ignácio de Loyola Brandão
Categoria Infantil:
Sei por ouvir dizer”- Bartolomeu Campos de Queirós;
“O menino que vendia palavras” - Ignácio de Loyola Brandão;
“Os labirintos” - José Roger Soares de Mello

2004 - Livro do Ano (Ficção): “Budapeste” - Chico Buarque
Categoria Romance:
Mongólia” - Bernardo Carvalho;
“A margem imóvel do rio” - Luiz Antônio de Assis Brasil;
“Budapeste” - Chico Buarque

2002 - Livro do Ano (Ficção): “O fazedor de amanhecer” - Manoel de Barros
Categoria Infantil ou Juvenil:
“Meninos do mangue” - Roger Mello;
“O fazedor de amanhecer’ - Manoel de Barras;
” tamanho da felicidade” -  Angélica Bevilacqua

Livro do Ano de Não-Ficção:
“Escrever e criar. Uma nova proposta!’ - Ruth Rocha e Anna  Flora.
Categoria Didático lº e 2º graus:
“Biologia” - Armênio Uzunian e Ernesto Birner;
“Atlas geográfico Escolar de Juiz de Fora” - Valéria Trevisani Burla de Aguiar;
“Escrever e criar. Uma nova proposta!” - Ruth Rocha e Anna Flora

2001 - Livro do Ano (Ficção): “Invenção e memória’ - Lygia F Telles
Categoria Contos e Crônicas:
“Andante com morte” - Mario Pontes;
‘Hóspede da solidão” - Rodolfo Konder;
“Invenção e memória” - Lygia F.Telles
Livro do Ano de Não-Ficção:
“Corações sujos” - Fernando Morais
Categoria Reportagem:
” família Canuto e a luta camponesa na Amazônia” - Carlos Cartaxo;
“Corações sujos” - Fernando Morais;
“O caso da Favela Naval” - José Carlos Blat e Sérgio Saraiva

2000 - Livro do Ano (Ficção): “À sombra do cipreste” - Menalton Braff
*Não incluído entre os três melhores da categoria Contos e Crônicas

1999 - Livro do Ano de Não-Ficção: “As barbas do imperador” - Lilia Moritz Schwarcz
Não incluído entre os melhores da categoria Ciências Humanas

1998 - Livro do Ano (Não-Ficção): “Monteiro Lobato - Furacão na Botocúndia” - Carmen Lúcia Azevedo, Márcia Camargos e Vladimir Sacchetta
Categoria Ensaio e Biografia:
“A dança do universo” - Marcelo Gleiser;
“Monteiro Lobato - Furacão na Botocúndia” - Márcia Camargos, Carmen de Azevedo e Vladimir Sacchetta;
“Uma república de leitores” - Joaci Pereira Furtado

1997 - Livro do Ano (Ficção): “Um passarinho me contou” - José Paulo Paes
Categoria Infantil ou Juvenil:
“Esta força estranha” - Ana Maria Machado;
“Seis vezes Lucas” - Lygia Bojunga Nunes;
“Um passarinho me contou” - José Paulo Paes

1996 - Livro do Ano (Ficção): “Quase memória” - Carlos Heitor Cony
Categoria Romance:
“Amor?” - Ivan Ângelo;
“O mistério do leão rampante”- Rodrigo Lacerda;
“Quase memória” -  Carlos Heitor Cony
Livro do Ano de Não-Ficção:
“Estrela solitária” - Ruy Castro
Categoria Ensaio:
“A contestação necessária” - Florestan Fernandes;
“Estrela solitária” - Ruy Castro;
“O salão e a selva” - Maria E. Boaventura

1995 - Livro do Ano de Ficção: “O Chalaça” - José Roberto Torero
Categoria Romance: “A descoberta das Américas pelos turcos” - Jorge Amado;
“Ana em Veneza” - João Silvério Trevisan;
“Galantes memórias e admiráveis aventuras do virtuoso Conselheiro Gomes, o Chalaça” - José Roberto Torero
Livro do Ano (Não-Ficção):
“O Brasil que dá certo” - Stephen C.Kanitz
Categoria Economia, Administração e Negócios Novo:
“Dicionário de economia” - Paulo Sandroni;
“O Brasil que dá certo” - Stephen C.Kanitz;
“Repensando as pequenas e médias empresas”- José Roberto Saviani

1994 - Livro do Ano (Não-Ficção): “O cidadão de papel” - Gilberto Dimenstein
Categoria Didático:
“Matemática, o planeta azul” - C. Pires, M. Nunes e M. Toledo;
“O cidadão de papel” - Gilberto Dimenstein
“Produzindo leitura e escrita” - D. R. Michaloskey e R. F. Batista Teixeira
“SOS ciência” - Íris Stern

1993 - Livro do Ano (Não-Ficção): “Rota 66 - A história da polícia que mata” - Caco Barcellos
Categoria Reportagem:
“Barulho - Uma viagem pelo underground do rock” - André Barcinski;
“Meninas da noite” - Gilberto Dimenstein;
“Os fantasmas da Casa da Dinda” - Luciano Suassuna e Luís Costa Pinto;
“Rota 66″- A historia da polícia que mata” - Caco Barcelos.”
Chico Buarque, por e-mail

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Chico Buarque é mau escritor com ou sem petição

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