sábado, 5 de novembro de 2011

Quatro razões para Portugal ser assim


Ao longo desta semana, (da semana que passou) metade do País continuou a tentar enganar a outra metade: os argumentos para escapar aos sacrifícios são cada vez mais criativos. Ainda não sabe porque é que chegámos a este ponto?
Editorial Sábado

Razão n.º 1: o Governo precisou de ler uma manchete do DN para saber que os antigos políticos podem acumular uma subvenção vitalícia com rendimentos do sector privado. O ministro das Finanças descobriu assim com espanto que Armando Vara, presidente de uma construtora brasileira e ex-administrador do maior banco privado português, recebe 2 mil euros por mês do Estado. E que Ferreira do Amaral, da administração da Lusoponte, recebe 3 mil. E que Carlos Melancia, ex-governador de Macau e actual empresário, recebe 9 mil.
A surpresa do Governo é incompreensível. Afinal, a lei já tinha sido mudada para impedir a acumulação da subvenção com rendimentos no sector público. Na altura, por razões misteriosas, tinha-se mantido a possibilidade de acumulação com o sector privado.
Ângelo Correia, que recebe 2.200 euros por mês apesar de ser gestor de uma empresa de sucesso, deu um argumento interessante para defender o actual regime: trata-se, nas suas palavras, de um "direito adquirido". Mas este não é o mesmo Ângelo Correia que, como lembraram vários blogues esta semana, disse em 2010 num programa da SIC Notícias que "os direitos adquiridos são uma burla"? Sim, é o mesmo.

Razão nº 2: Barcelos sempre foi um caso especial. Apesar de ter apenas 125 mil habitantes (contra os 545 mil de Lisboa), é o concelho português com maior número de freguesias: são 89 (Lisboa tem 53 e vai passar para 24). Percebe-se, por isso, que o presidente da Câmara de Barcelos queira que os seus domínios sejam tratados de forma diferente. Segundo Miguel Costa Gomes, a cidade merece um "regime de excepção" - e, se não for a bem, será a mal. Segundo ele, é impensável que os funcionários municipais percam os subsídios de férias e de Natal, como acontecerá com todos os funcionários públicos. Caso o Governo insista em "extravasar em demasia o que estava previsto no memorando com a troika", o autarca tirará 1 milhão de euros do orçamento da Câmara para o entregar aos funcionários.
Sendo assim, os eleitores de Barcelos e o ministro das Finanças ficam com a seguinte informação: o orçamento da Câmara Municipal pode ser reduzido em 1 milhão de euros.


Razão nº 3: Janeiro de 2011 - por causa da crise, o Governo decide subir o IVA dos campos de golfe de 6 para 23%, tal como em muitos outros serviços e produtos. Fevereiro de 2011 - tal como muitos outros empresários, os proprietários dos campos de golfe alegam que, com esta taxa de IVA, o sector pode estar ameaçado e muitos campos poderão ter de fechar. Março de 2011 - o Governo admite recuar e voltar a reduzir a taxa dos campos de golfe para os 6%, mas não avança com a medida. Setembro de 2011 - o Governo confirma que o IVA nos campos de golfe se irá manter nos 23% devido à crise e às medidas de austeridade aplicadas em todas as áreas. Outubro de 2011 - apesar da taxa legal de IVA em vigor para os campos de golfe, vários proprietários continuam a cobrar e a pagar apenas 6% numa desobediência clara à lei. Durante todo este período, não pagaram ao Estado o que deviam e não sofreram qualquer represália. Tudo isto foi feito pública e descaradamente.

Razão nº 4: Na Alemanha, os cidadãos têm direito a gozar 13 feriados nacionais por ano; na Holanda, têm 12; em França, 11; e na Finlândia, 10. Em Lisboa, um cidadão tem direito a gozar 14 feriados nacionais mais um municipal. No Funchal ou em Ponta Delgada, além dos 14 nacionais e do municipal, há ainda mais um feriado regional. Ao todo, dá 16 dias de descanso por ano, mais um máximo de 25 dias de férias e um valor incalculável em pontes, atrasos, saídas mais cedo e pausas para café.
Não é que em Portugal se trabalhe pouco. Em Portugal, trabalha-se mal e descansa-se bem. Para contrariar a fatalidade de sermos um País falido, improdutivo e dependente das esmolas externas, o Governo quer obrigar os portugueses a trabalharem um bocadinho mais. E para isso pretende acabar com os feriados municipais. Esta medida deixar-nos-ia ainda com mais quatro dias de descanso, para lá das férias, do que os finlandeses, que foram obrigados a emprestar-nos dinheiro. Mas é inaceitável para a Associação Nacional de Municípios. Segundo o seu presidente, o feriado municipal é crucial para a sobrevivência do País por se tratar de um dia destinado a "insuflar a auto-estima". Infelizmente, o nosso problema não é falta de auto-estima. É falta de trabalho.
A Direcção, da revista “Sábado”, nº 391, de 27-10 a 02-11-2011

Em casa onde falta pão todos ralham e ninguém tem razão.

São muito mais do que quatro, eu diria quarenta razões!

Edição: JP
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