Alberto Gonçalves
Coitado de Harold Camping.
Não, o nonagenário profeta, engenheiro civil e dono de uma cadeia de rádios
protestantes nos EUA, não morreu. Nem ele nem nós, e o problema é justamente
esse, já que o sr. Camping anunciara o fim do mundo para 21 de Outubro de 2011,
ou sexta-feira passada. Setenta e duas horas decorridas, não se percebe como o
homem explicará o erro de cálculo.
Possivelmente, através de uma
declaração em vídeo semelhante àquela em que explicou o porquê de o mundo não
ter cessado actividade a 21 de Maio último, conforme a sua primeira previsão.
Na altura, o sr. Camping pediu, cito, "paciência" aos seus
seguidores, que haviam tomado a coisa a sério e abandonado as casas e os
empregos de modo a espalhar a notícia. Duvido que a paciência dos seguidores
resista ao novo desapontamento: é chato espatifar a vida para uma morte que
afinal não vem. Informações recentíssimas transmitidas pela esposa garantem que
o sr. Camping se reformou, embora não se esclareça de que profissão.
Apesar da fervorosa crença, o
sr. Camping não soube recolher da religião o principal mandamento: Não Marcarás
Datas Específicas para o Apocalipse, o Regresso do Messias ou a Retoma
Económica. O êxito das igrejas passa, sobretudo, pelo carácter vago dos
compromissos. Excepto por esta coluna, que normalmente sai às quintas, não
consta da exegese bíblica que o Juízo Final acontecerá num dia, mês, ano,
século ou, ainda que aqui certa polémica se instale, milénio pré-determinado. A
indefinição temporal dos objectivos é indispensável ao sucesso da empreitada.
A regra é tão essencial que
foi inclusive adoptada pelos maiores ateus da praça. Caso Marx tivesse afirmado
que a sociedade sem classes chegaria às 10h30 de 17 de Fevereiro de 1902, há
muito que nenhum indivíduo sensato lhe prestaria atenção (de facto, hoje nenhum
indivíduo sensato presta atenção ao velho Karl, mas por motivos distintos). E
os seus descendentes mantêm idêntica cautela.
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Manuel Carvalho da Silva,
10-10-2007, foto: José Goulão, Lisboa
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Veja-se, por exemplo, ManuelCarvalho da Silva, que diariamente promete aos trabalhadores uma recompensa
colectiva pela respectiva indignação ou, no jargão sindical, a
"luta". Se aprazasse um momento exacto para o advento da
"vitória final", o dr. Carvalho da Silva perderia 97,3% dos devotos
num ápice. Avisado, o Chefe Supremo da CGTP limita-se a convocar greves,
manifestações e rebuliço sem apontar a data definitiva da consagração. Os
amanhãs que cantam não cantarão propriamente amanhã.
A bem dizer, é duvidoso que
cantem alguma vez. Ao responder à crise para que tanto contribuiu com o fomento
de um pandemónio social que agravará a crise a ponto de a tornar irremediável,
o dr. Carvalho da Silva prepara-se para cumprir uma profecia, mas a do sr.
Camping. Isto pelo menos no que toca às vítimas de um País destroçado, as quais
involuntariamente também acabarão sem emprego, sem casa, sem paciência, sem
nada.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Sociólogo, Sábado, nº 391, de 27-10 a 02-11-2011
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