Charge: Chapatte/International Herald Tribune |
José Serra
A solução da crise européia
está nas mãos da Alemanha. Em seguida, dez tópicos breves sobre o assunto.
1. A crise econômica é grave,
afetando o terceiro PIB e o segundo centro financeiro do mundo. Com exceção de
pequenos países como a Grécia, essa crise não foi provocada por gastança
desenfreada dos diferentes governos. Mesmo a Itália, com uma relação dívida/
PIB muito alta, tinha um déficit fiscal moderado; a Espanha, um endividamento
público baixo.
2. A crise é de confiança.
Hoje, traduz-se no aumento vertiginoso do prêmio de risco de grandes países da
Eurolândia (Itália, Espanha e, mesmo, França), ou seja, dos juros exigidos para
refinanciar as dívidas públicas dos governos. Aquele aumento, por sua
vez, põe em risco a capacidade desses governos de honrar suas dívidas, num
círculo vicioso, uma profecia que se autorrealiza.
3. Esse círculo vicioso se
acentua pela terapia que a União Europeia vem adotando, a fim de manter ou
recuperar a confiança do mercado financeiro: corte de gastos públicos e aumento
de impostos. Mas isso acaba aumentando a desconfiança, pois o efeito colateral
da terapia é jogar o crescimento econômico presente e o previsto para baixo e,
junto, as receitas correntes dos governos, agravando a capacidade atual e
prevista de honrarem suas dívidas.
4. A bola de neve da
desconfiança foi deflagrada pela Grécia, cuja economia equivale a menos de 3%
do PIB europeu. Não parece desproporcional? O problema é que há vinte anos foi
implantada uma moeda comum, o euro, como se a Europa fosse um país federativo,
à semelhança dos Estados Unidos ou do Brasil. Mas não era e não é. Não há livre
mobilidade da força de trabalho. Não há seguridade social unificada. Não há
política fiscal unificada. Não há um Tesouro Europeu. Não há um banco central
para todas as horas, exceto para fixar juros que valem para todos os países,
independentemente da sua situação econômico-financeira. Banco esse que é
tutelado pela Alemanha e, em menor medida, pela França. (Tratei deste tema nos
artigos Decifra-me
ou te devoro e O
Brasil e a crise: estresse, não catástrofe)
5. Acabar com a moeda única
hoje desencadearia hiperinflação para uns e deflação violenta para outros
(começando pela Alemanha) e representaria um golpe mortal para a integração
econômica européia, com todas as implicações políticas que isso traria. Por outro
lado, salvar o euro exige um aprofundamento dramático da união européia, sem
que, para isso, estejam dadas, hoje, as condições políticas e sociais
necessárias.
6. Uma terceira hipótese seria
o caminho do banho-maria. Mas a histeria financeira e as inquietações sociais
inviabilizam esse tratamento. Não parece haver muita chance de “ganhar tempo”,
exceto na direção gradual àquele aprofundamento. O preço é não oferecer a
segurança que todos desejariam a médio e longo prazos.
7. Acreditem os leitores: já está
tudo diagnosticado, as opções de políticas econômicas são conhecidas. A ponta
do barbante a ser puxada é a emissão de dívida europeia, do conjunto dos
países, baseada em eurotítulos. Como fez o Tesouro Brasileiro nos anos 90
(governo FHC), quando absorveu as dívidas dos estados e emitiu títulos federais
como suporte. Ou o Federal Reserve norteamericano em relação às dívidas
impagáveis da Califórnia.
8. Quem resiste a isso? De
cara, a Alemanha, além de três ou quatro países menores, cujas dívidas públicas
ficariam um pouco mais caras. Mas não seria absurdo, diante dos prejuízos que
eles mesmos terão se o euro naufragar. Lembre-se que dois terços das
exportações da Alemanha vão para a União Europeia, que, diante do naugrágio,
viraria, só para começar, uma verdadeira zona de hostilidades comerciais.
9. Como contrapartida, seria
necessário estabelecer regras fiscais muito mais abrangentes e rígidas para
todos os países. E ampliar a competência da própria União Europeia para
acompanhar a situação fiscal de cada país. A inépcia no caso da Grécia foi
emblemática: basta lembrar que, no processo orçamentário desse país, inexistia
o requisito do “empenho” das verbas, dificultando ao máximo o controle dos
gastos. Isso só foi descoberto pelo FMI há uns dois anos. No entanto, a Grécia
foi incorporada ao euro no começo dos anos noventa.
10. É difícil prever o que vai
acontecer. Como dizia Winston Churchill, “um político precisa ter a
capacidade de prever o que vai acontecer amanhã, na semana que vem, no mês que
vem e no ano que vem. E ter a capacidade, depois, de explicar por que não
aconteceu”. O caso dos economistas é, evidentemente pior, pois suas
previsões afetam o dinheiro no bolso de todos, principalmente dos que neles
creem.
Texto: José Serra, ex-governador do Estado de São Paulo, foi candidato presidencial em 2010
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