Carlos Lúcio Gontijo
Há um ditado filosófico que
diz que “um homem com um relógio sabe que
horas são, mas um homem com dois relógios nunca tem certeza”. Seria como
servir a dois senhores ou a Deus e ao diabo num só instante. É exatamente assim
que vivem e se sentem as pessoas nos dias de hoje, quando a quantidade de
informação é tão volumosa que elas não têm condições de apreender, decodificar
ou processar escolhas com segurança, uma vez que o cérebro humano permanece
escravo da experimentação e incapaz de atender ao imediatismo exigido pelos
tempos modernos. Daí a sensação de insatisfação generalizada, os transtornos
psicoemocionais, as pílulas antidepressivas e os divãs, sobre os quais nos
jogamos impotentemente frágeis e fracos, aos cuidados de profissionais tão
inseguros quanto os pacientes, pois também se acham integrados a esta época de
virtualidades cada vez mais reais que a própria realidade.
Nem mesmo a literatura, na
qual nos confessamos mergulhados há tantos anos, escapa da cobrança de sucesso
no formato fast-food, apesar de toda obra literária e artística ser apenas
semente, que na maioria das vezes é dependente da análise dos olhos do futuro,
que a Deus pertence. Prova disso pode ser detectada na biografia de muita gente
famosa: o pintor holandês Vicente van Gogh nunca vendeu um único quadro durante
toda a sua trajetória de vida; o grande poeta português Fernando Pessoa era
obrigado a trabalhar em diversas firmas comerciais de Lisboa para sobreviver.
As coisas no Brasil andam
complicadas, com o partidarismo político, o preconceito, a intolerância, a
desabrida opção pelo grotesco, o individualismo exacerbado e toda a espécie de
radicalismo predominando nas instituições, nas entidades, na grande mídia e na
indispensável convivência social, que marcada pela violência vem sendo
substituída pelas salas de bate-papo na internet, como se tivéssemos medo do
contato pessoal, do olho no olho.
Não cremos, desprovidos de
sugestões e receitas ideológicas do passado, na possibilidade de podermos
resolver tudo através do voto, dentro de um processo democrático caro o
suficiente para gerar compromissos e comprometimentos inconfessáveis entre
candidatos e financiadores de campanhas eleitorais. E como no capitalismo quem
paga tem o comando, não há qualquer indicativo de mudanças profundas advindas
do encaminhamento democrático da busca de soluções.
Recentemente, lançamos o nosso
14º livro, o romance “Quando a vez é do mar” e nos deparamos com problemas que somente se fizeram aumentar no
decorrer dos últimos anos, mais precisamente desde 1977, quando publicamos o
nosso primeiro livro. O lado intrigante da questão é que pessoas que quase nada
leem e gente que se nos apresenta como escritor sem livros editados costumam
nos indagar sobre exemplares comercializados, como se na literatura a qualidade
de uma obra pudesse ser medida pelo número de exemplares vendidos, como ocorre
em “lojas de 1,99”.
Descobrimos com o tempo
(sempre o senhor da razão) que sem o dom verdadeiro sequer a farta
disponibilidade de recursos leva escritor ou poeta a editar livro independente.
Conheci juiz de Direito federal que nunca ousou aplicar seu dinheiro em obra de
poesia (benfeita, diga-se de passagem) que mantinha guardada na gaveta
empoeirada, pois jamais se deixou guiar pela luz maior que lhe iluminava os
versos, permanecendo a vida toda prisioneiro da razão.
Recebemos pelo correio o
excelente livro “O Ouro de Goiás”, do jornalista, escritor e poeta Franklin
Jorge, no qual encontramos elucidativo e bem escrito texto sobre a poetisa Cora Coralina, do qual
destacamos os dois últimos parágrafos, usando-os para terminar este artigo:
“Embora tenha se exprimido majoritariamente em versos, Cora Coralina não
gostava de ser incluída entre as poetisas. Talvez temesse ser confundida com
aquelas mulheres literatas que lançam suas efusões íntimas sobre o papel sem
nenhum outro compromisso com a escrita, a não ser o de promover o sacrifício de
árvores em prol duma vaidade incontentável. Certamente, Cora temia ser
confundida com elas e, em consequência dessa promiscuidade, desvalorizada em
sua essência poética. Preferia explicar o seu livro à sua maneira: Versos...
Não/ Poesia... Não/ Um modo diferente de contar velhas estórias.”
E continua Franklin Jorge: “No fim da vida, cercada de glória, Cora
Coralina fazia doces para sobreviver. Porém, mais do que qualquer político ou
administrador, deve-lhe Goiás páginas imortais e aquele brilho que não é
negociável e que distingue o verdadeiro artista, que não depende dos favores de
ninguém e só conta, de fato, com o tempo que redimensiona tudo. Por isso, é que
se diz que todo grande artista é póstumo”.
Título e Texto: Carlos Lúcio Gontijo, Poeta, escritor e jornalista,
01-9-2012
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