Vivemos um tempo em que é tão
raro alguém largar, abandonar ou afastar-se do exercício de cargo de alto-relevo
que, ao renunciar, o Papa Bento XVI abriu uma grande discussão, envolvendo
inclusive todo o mundo religioso, pois o normal é a busca de permanência e até
luta por mandatos consecutivos, como se deu no Brasil, com a adoção da
reeleição para que Fernando Henrique Cardoso obtivesse um segundo mandato.
Independentemente de tudo e
qualquer coisa, o império da filosofia materialista nos impele a procurar fama
e projeção social, como se isso representasse garantia infalível de felicidade.
Detectamos com tristeza que nem o nosso sistema de ensino conseguiu fugir da
ditadura imposta pela propaganda de exaltação às celebridades, aplicando uma didática
em que há pouco espaço para a leitura e estudos mais relacionados com a
filosofia ou a arte, como se fosse possível formar cidadão verdadeiro com o
simples domínio de alguma área do conhecimento.
Nossos jovens são levados a
escolher uma profissão, numa decisão que vale para a vida inteira, baseados na
tese de mercado, que lhes ensina que a preferência deve estar sempre ligada a
funções mais bem remuneradas, sem a mínima consideração do fator vocacional,
determinando a mais contundente frustração de um punhado de advogados, médicos,
jornalistas, dentistas, engenheiros etc.
Não resta a menor dúvida de
que a sociedade necessita é de contar com pessoas bem-sucedidas no que fazem e,
principalmente, bem resolvidas emocionalmente e, portanto, capazes de
enfrentarem os reveses da existência humana sem ter que recorrer ao álcool ou
às drogas, que têm ceifado a vida de muitos de nossos jovens, revertendo a
velha lógica de os filhos sepultarem seus pais.
Aqui em Santo Antônio do
Monte, cidade do centro-oeste mineiro onde hoje moro, não passa um mês sequer
sem a notícia de morte de algum jovem nas estradas que dão acesso ao município.
Pode parecer tolice aos menos atentos a afirmação de que o menosprezo com que
se trata a cultura no Brasil tem muito a ver com o desapreço pela vida e pela
quase total incapacidade de amar e respeitar ao próximo a que assistimos em
nossos dias de louvor ao individualismo extremo.
O Congresso Nacional, em boa
hora, acaba de desmembrar a Comissão de Educação e Cultura. Ou seja, a cultura
tem agora uma comissão exclusiva, atendendo à realidade que nos conduz à
certeza de que educação é diferente de cultura. Educação é sol e alimento para
a mente, ao passo que cultura é o horizonte, o caminho, o estabelecimento de
limites, a noção de valor, a observância moral, o comportamento ético. Sem
cultura, nos deparamos com cidadãos detentores de diplomas e, ao mesmo tempo,
desprovidos de sensibilidade sociocomunitária, uma vez que não aprenderam a
dividir o aprendizado adquirido, o que os impede de contribuir para a
construção de um planeta Terra banhado em presente promissor e disposto a
manter (e preservar) um meio ambiente mais adequado à vida das futuras
gerações.
Papa Bento renunciou não
apenas ao cargo, mas ousou distanciar-se de honrarias, pompas e, acima de tudo,
dos aplausos fáceis com que a sociedade bajuladora e interesseira costuma
premiar todos os que se investem de reluzente poder, a ponto de a maioria dos
governantes ou dos entronizados em todo e qualquer ofício usar todas as armas
de que dispõe para permanecer chefe da “tribo”. Talvez, ao decidir-se pela
renúncia, o Papa Bento XVI tenha levado em conta o fato de ter como mecanismo
de defesa apenas a oração diante de um mundo tanto em desordem explícita quanto
sem lugar nem espaço para alguma crença em Deus, sobre o qual o Papa Bento XVI
espargiu a água benta da renúncia.
Título e Texto: Carlos Lúcio
Gontijo, Poeta, escritor e jornalista, Secretário de Cultura de Santo Antônio
do Monte
www.carlosluciogontijo.jor.br
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