A propósito da minha última
crônica (Os nomes
que as ruas têm), recebi de um leitor, que suponho ser
soteropolitano, o convite para visitar Salvador e observar in loco nomes
pitorescos de logradouros, como estes: Rua do Tira Chapéu, Baixa dos
Sapateiros, Ladeira da Misericórdia, Ladeira do Vai-quem-quer, Praia do Chega
Nego. Em Recife, ele aponta Rua do Sossego e Campo das Princesas. Agradeço o
amável convite, e não perderei a primeira oportunidade que se apresentar.
Em São Paulo, minha pesquisa
científico-estatístico-social sobre os nomes das ruas começaram a esbarrar em
impasses: A Praça do Pôr-do-sol, que qualquer paulistano sabe onde fica, não
consta no registro de logradouros; e a Rua da Amargura, familiar a todos os
brasileiros, simplesmente não existe.
(Ora essa! Rua da amargura é
um dito popular, uma força de expressão).
Eu também sei disso, caro
leitor, mas nada impede que uma rua física, real, receba esse nome. O que eu
queria saber é se alguém se lembrou de aplicá-lo, e constatei que ninguém se
lembrou, só isso. Por que ninguém se lembrou?
A Praça do Pôr-do-sol, que
atrai tantos paulistanos, bem merece o apelido que lhe deram. Mas o Coronel
Custódio, que praticou não sei que tarefas dignas da homenagem nessa praça
(começando por “assentar praça”), saiu prejudicado com a importância maior que
o povo dá ao belo fenômeno natural. Espero que não pratiquem comigo futuramente
essa injustiça, escolhendo para homenagear-me uma das muitas praças ou ruas
cuja característica principal sejam os buracos. Com que cara eu ficaria, se
passassem a chamar Praça dos Buracos a minha praça? Se ao menos estivessem
comemorando os buracos feitos pelas minhas flechas…
Todo prefeito merece, por
definição, ter o nome em uma praça, mesmo sendo Barata, Anhaia, Gato ou
Velhinho, por exemplo. As que se destacam pelo número e dimensão dos buracos
deveriam ser reservadas para os prefeitos que temos tido. Minha sugestão para a
homenagem é uma estátua no centro da praça, com ampla base ornamentada
artisticamente por um ou mais buracos… e talvez uma picareta.
A ausência de uma rua da amargura levou-me a investigar a importância que as pessoas dão a sentimentos e outros aspectos da alma humana. Você sabe quantos logradouros existem na Grande São Paulo lembrando saudade? Nada menos de dez. Para alegria, seis. Se existem seis ruas da alegria entre as 150.000 de São Paulo, por que não equilibrar isso com pelo menos uma Rua da Amargura? Talvez seja o mesmo motivo de não haver ruas para tristeza, angústia, sofrimento, tortura, racionamento, fome. Entendo que se trata de coisas que todo mundo prefere não ter, ou esquecer as que teve. Mas isso não explica a falta de uma Rua da Surpresa, pois existem surpresas boas que a gente gosta de lembrar. Seria como a Estrada das Lágrimas, onde as pessoas que viajavam de navio para a Europa despediam-se da família. Eram lágrimas de tristeza, mas muitas outras, como as da volta, são provocadas por grandes alegrias.
As três virtudes teologais
estão bem representadas: Fé (2), esperança (4), caridade (2). As virtudes
cardeais ou morais formam uma escadinha: Justiça (3), fortaleza (2), temperança
(1), prudência (zero). É necessário fazer ressalvas, pois encontrei muitos
Prudentes, mas nenhuma prudência; Fortaleza pode ser resultado da influência
nordestina em São Paulo, considerada a maior cidade do Nordeste; e Justiça pode
ter sido ideia do Judiciário, o que não garante nenhuma semelhança com a
virtude cristã da Justiça.
Uma boa surpresa: Não
encontrei nenhum dos pecados ou vícios capitais. Zero para avareza, gula,
inveja, ira, luxúria, preguiça, soberba. Devo então concluir que não se cometem
os sete pecados capitais na capital? Nada disso, minha ingenuidade não chega a
tanto. Eles não existem nos nomes das ruas, só aí. Nem me falem de pôr a mão no
fogo para o que se passa fora desse estrito limite!
Constatei que ninguém se
lembrou de homenagear pobreza, castidade e obediência, três votos que os
religiosos fazem para elevar-se ao estado de perfeição cristã. Bem que eu
gostaria de encontrar uma Rua da Castidade por aí. Afinal, o voto de castidade,
desde que bem cumprido juntamente com os outros dois, pode gerar santos de
altar, e nos saudosos tempos antigos isso acontecia com frequência. Para o
resto da população, nem é necessário o voto de castidade, mas o 6º Mandamento
obriga todos a não pecar contra a castidade. Não me parece meritório nem bem
intencionado esquecer isso até nos nomes das ruas.
Abordar este assunto, depois
que a revolução sexual abriu as portas para todo tipo e tamanho de
libertinagem, é comprar briga. Tudo bem, não será a primeira.
Título e Texto: Jacinto Flecha, ABIM,
09-08-2014
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