Rafael Marques de Morais
Suzanete Gomes, de 10 anos, e suas amigas
brincavam às cartas no quintal da vizinha Carina quando, de repente, viram
alguém a pular o muro e ouviram tiros. Ao tentar fugir do quintal — no Bairro
da Estalagem, município de Viana, Luanda — Suzanete notou que estava a sangrar.
Fora atingida com um tiro na nádega, que lhe atravessou o abdómen, por volta
das 10h30 do dia 6 de Setembro.
De acordo com as suas declarações ao Maka
Angola, o agente [identificado como sendo da Polícia Nacional] que alvejou
Suzanete Gomes perguntou se a tinha a atingido. “Eu disse que sim, e ele foi
embora”, revela a criança.
A vizinha Carina e a sua família abandonaram a
casa onde ocorreu o incidente. Segundo declarações do pai de Suzanete, José
Paulo, a família retirou-se com receio de sofrer retaliações por parte da
Polícia Nacional – por terem testemunhado um acto que terminou com a execução
sumária de dois jovens.
Os vizinhos socorreram a menina, que acabou
assistida no Hospital do Kapalanca, em Viana. “No hospital, fizeram-lhe apenas
um curativo, o que não achei correcto, e pediram-me para levá-la a uma clínica
privada. Não os vi a fazerem um raio-X nem outros procedimentos”, lamenta José
Paulo.
Suzanete Gomes perdeu muito sangue, conforme
depoimento dos vizinhos que a socorreram.
Indignado, José Paulo dirigiu-se ao Comando de
Divisão da Polícia Nacional, em Viana, para apresentar queixa e exigir os
devidos cuidados médicos para a sua filha. “Na área de inspecção disseram-me
que iriam identificar o autor do disparo para saber se era polícia ou não e que
eu passasse no dia seguinte”, refere.
Hoje, José Paulo encontrou-se com o comandante da
Divisão da Polícia Nacional em Viana, superintendente-chefe Francisco Notícia.
“O comandante mostrou-se surpreendido com o que se passou. Chamou o comandante
da 44ª Esquadra, cujo nome não fixei, que atende a área onde se passou o
tiroteio”, revela o pai de Suzanete.
De acordo com o seu depoimento, o comandante da
44ª Esquadra “disse que tomou nota do assunto, mas que não sabia de nada do que
se tinha passado”.
“O comandante [Francisco] Notícia disse-me,
depois, que dariam prioridade ao tratamento da menina enquanto se averigua a
situação”, refere José Paulo.
Foi nesse sentido que o comando da Divisão de
Viana o encaminhou para o Laboratório Central de Criminalista, onde se
realizaria a peritagem à criança. Na sequência da avaliação a ser produzida,
Suzanete “poderia fazer as consultas na Clínica Multiperfil, com as despesas
pagas pela Polícia Nacional”, de acordo com informações que, segundo o pai, foram
transmitidas pelo comandante.
A Cena do Crime
O Maka Angola contactou um dos jovens que
haviam sido interpelados por dois indivíduos em motorizadas. O jovem
identificou-os como sendo um agente da Polícia Nacional, fardado, e outro do
Serviço de Investigação Criminal (SIC), alegadamente afectos à 44ª Esquadra.
“Disseram-me que estavam a perseguir dois gatunos.
Vinham a reboque, em duas motorizadas diferentes. Conheço bem os rostos deles”,
afirma o jovem, confirmando ter indicado o caminho por onde os oficiais
seguiram.
“Um deles [dos suspeitos] foi esconder-se em minha
casa. Mal o meu pai o viu expulsou-o logo. Ele nem sequer conseguiu falar, não
estava armado e não tinha nada consigo”, conta a testemunha.
“O meu pai não se atreveria a expulsar alguém que
tivesse uma arma ou que fosse ameaçador. Lá fora, o rapaz foi logo baleado”,
conta.
Segundo a activista Laurinda
Gouveia, que esteve no local minutos após o sucedido, os jovens foram
encurralados num quintal de muros altos, que não conseguiram saltar, e ficaram
à mercê dos agentes. “Os corpos estavam mesmo ao lado do muro. O jovem de
t-shirt amarela, identificado como Bruno Lamba, levou um tiro na testa, outro
no peito e mais outro no braço direito. O do casaco azul, conhecido como Tomás
9-2-3, do grupo Perturbados, foi executado com um tiro na nuca”, descreve
Laurinda Gouveia. O Maka Angola confirmou estas declarações através da
visualização do vídeo dos corpos.
Apesar do grande receio em falar, uma testemunha
desabafou que “os moços foram praticamente fuzilados ali mesmo.”
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Os corpos dos jovens no local
da execução, em Viana.
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Os corpos estiveram expostos durante quatro horas
no referido quintal, que é habitualmente usado apenas para a prática de judo,
até que foram removidos pelo Serviço de Investigação Criminal. A família de um
dos jovens acorreu ao local, cobriu o seu corpo com um lençol e recusou-se a falar
com estranhos, segundo o depoimento de Laurinda Gouveia.
O jovem-testemunha, que prefere não ser
identificado, afirma peremptoriamente que o acto foi cometido por agentes da
Polícia. “Todos nós aqui podemos comprovar que são polícias. O da ordem pública
andou aqui a correr com a pistola em punho, na mão direita. O do SIC também.
Todos nós vimos.”
“Segundo nos disse um dos agentes com quem
falámos, de outra unidade e que seguiu o caso, a matança foi intencional”,
revela o jovem.
Temos assim dois mortos e uma criança ferida.
Rui Verde, analista jurídico deste portal, observa
que nos últimos meses o Maka Angola tem reportado vários casos de execução
sumária por parte dos órgãos policiais. “Há uma cultura de tortura e morte no
seio das autoridades policiais que é preciso erradicar”, afirma.
Título, Imagens e Texto: Rafael Marques de Morais, Maka Angola, 8-9-2016
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