João Miguel Tavares
O primeiro-ministro não tem dinheiro para
comprar nova mobília nem poder para mandar velha mobília fora, por isso
resta-lhe mudar as jarras de sítio.
Este governo não tem tempo
para governar o país porque gasta o tempo que tem a governar-se a si próprio.
Portugal é apenas o cenário para os seus arriscados equilibrismos; menos uma
governação do que um número de funambulismo, com António Costa permanentemente
em cima do arame. De um lado o Bloco de Esquerda e do outro o PCP. De um lado
as regras europeias e do outro o discurso do fim da austeridade. De um lado a dura
realidade hayekiana e do outro os doces sonhos keynesianos. De um lado as
agências de rating e do outro a cartilha anticapitalista. Como é que se
compatibiliza tudo isto? Só com muito tempo e uma dose cavalar de simulações,
distorções e cara de pau.
Na sexta-feira, estava a ver o
debate parlamentar que antecedeu a entrega do Orçamento e Pedro Passos Coelho
perguntou a António Costa pelo crescimento. Onde é que ele está, o tão
anunciado, desejado e prometido crescimento, através do qual seria virada a “página
da austeridade”? Não está, claro. E não estando, a consequência deveria ser
óbvia: se a receita que o governo aplicou em 2016 não produziu crescimento,
como é possível acreditar que a aplicação da mesma receita vai produzir
crescimento em 2017? Pedro Passos Coelho repetiu três vezes a pergunta e apenas
recebeu de António Costa tergiversações, manipulações de números e mentiras
descaradas, que encaixam na perfeição naquilo que hoje em dia se começa a
chamar, muito à boleia de Donald Trump, de “política da pós-verdade” – já não
há factos mas apenas interpretações, uma bonita frase nietzschiana que é a
morte de qualquer base de entendimento para o debate político.
Eu tive vergonha do Parlamento
naquele momento. Costa chegou a sugerir que o objectivo do crescimento é criar
emprego, e visto que o desemprego diminuiu, então os números do crescimento não
são assim tão importantes. Mas como no final do debate descobri que a maior
parte dos comentadores atacava Pedro Passos Coelho por estar sempre a fazer a
mesma pergunta e não António Costa por esfregar a sua desonestidade intelectual
na cara de todos nós, fui obrigado a concluir, mais uma vez, que só temos o que
merecemos.
O novo orçamento é igual ao de
2016 porque António Costa não tem margem de manobra para mais nada. O
primeiro-ministro não tem dinheiro para comprar nova mobília nem poder para
mandar velha mobília fora, por isso resta-lhe mudar as jarras de sítio e chamar
a isso um Orçamento do Estado. Costa e Mário Centeno tiveram em tempos um
plano, sim senhor, mas dele não restou nada após as negociações para a formação
do regoverno, e o resultado é o que se vê: a estagnação é já assumida pelo
próprio governo nos seus números de crescimento para 2017 (ao menos isso). E
assim continuaremos até ao dia em que o financiamento externo voltar a
tornar-se impossível. Há um ano, recorde-se, o PS prometia um crescimento de
3,1% para 2017. Onde está ele? A bem dizer, António Costa respondeu a Passos
Coelho via Orçamento do Estado – não, ele próprio já não acredita que as
políticas do seu governo consigam pôr Portugal a crescer.
Somos um país parado à beira
do caminho. Um país mais uma vez adiado, graças a um conjunto de acordos
assinados por um homem que atou voluntariamente os seus pés e as suas mãos para
ser primeiro-ministro. António Costa é um político altamente capacitado, só que
todo o virtuosismo foi colocado ao serviço da sua mera sobrevivência. É um
virtuosismo muito útil para ele. Mas absolutamente inútil para o país.
Título e Texto: João Miguel Tavares, Público,
15-10-2016
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