Aparecido Raimundo de Souza
AS DUAS AMIGAS BALZÁQUIA E CHICÓRIA se esbarram, por acaso, em meio à multidão de pessoas que transita entre
as centenas de barracas da feira de sábado no bairro onde moram. Passam a
conversar animadamente:
Balzáquia, no que cumprimenta a amiga, tenta acomodar melhor nos braços,
as sacolas plásticas com as compras que fizera:
- Ei aí, Chicória, tudo bem?
Chicória encosta seu carrinho igualmente superlotado num canto e antes de
devolver à saudação da amiga Balzáquia, mete uma mordida no pastel que acabara
de comprar. Responde junto com um sorriso franco:
- Com as graças do bom Deus, tudo nos conformes. Que houve? Cinco ou mais
sábados que não vejo você? Algum problema que ainda não tenha me atualizado?
Balzáquia:
- É verdade. Cinco ou sei sábados. De fato. Tem razão. Comigo nada bem. Como sempre, no vermelho,
como a cara deslavada do meu “falecido!”.
Chicória:
- Mmmmmmmmm... Pela sua expressão tudo indica que o “falecido” aprontou
alguma?
Balzáquia:
- Verdade, aprontou mesmo. Pedi que me arranjasse uma empregada para me
ajudar com os afazeres domésticos e o infeliz me trouxe uma menor de idade.
Dezessete anos e ainda por mal dos pecados, acrofóbica.
Chicória:
- Troque em miúdos, amiga. Isso se engole aqui junto com meu pastel?
Balzáquia:
- Não, Chicória. Acrofobia é medo de altura.
Chicória:
- Sua casa é no térreo, como a minha. De que altura essa espavorida
arranjada pelo “falecido” sentiu medo?
Balzáquia:
- Ela não limpa as janelas da sala do meu quarto e dos quartos das
crianças nem que a vaca tussa. Tem receio de subir numa escadinha de seis
degraus. Imagine Chicória... Seis degraus! Posso com uma coisa dessas?
Chicória:
- Coitada Balzáquia. Vai ver a beldade sofreu algum trauma de infância.
Eu mesma tenho medo das baratas que aparecem lá no quintal.
Balzáquia:
- Meu Deus, Chicória! Se não me falha a memória, nos conhecemos há mais
de vinte anos e só agora fico sabendo que você é catsaridafóbica?!
Chicória:
- Pra você ver! Isso mesmo que você falou ai. Não sei o que é esse troço,
mas tudo bem. Sou mesmo, sem tirar nem pôr. E o meu Alípio detesta cachorros...
Balzáquia:
- Credo em Cruz! Você catsaridafóbica e o velho Alípio cinofóbico? Quem
diria! Parece tão macho!...
Chicória:
- Alto lá. Isso ele é até demais. Não posso negar Balzáquia. Um
verdadeiro galinha, o safado. Basta ver uma penosa de saia, principalmente
dessas mostrando o rabo que logo se assanha...
Balzáquia:
- Para você ver como são as coisas, amiga. Cada uma de nós, donas de casa
seríssimas temos problemas os mais complexos e cabeludos, apesar de sermos
pessoas comuns. Você catsaridofóbica alimenta tremeliques por baratas e o
Alípio cinofóbico, ou repulsão por animais. O Jurandir, meu marido, por
exemplo, é turofóbico.
Chicória franze o cenho:
- Ele tem medo de touros. Vai ver levou alguma chifrada. Ei, Balzáquia,
seja franca. Somos amigas lembra? Morre
aqui! Você por acaso pula cerca... Digo trai o “falecido?”. Desculpa o Jurandir?
Balzáquia:
- Claro que não, Chicória. Ficou louca? De onde tirou essa ideia maluca?
Chicória:
- Foi você quem falou que o Jurandir é toro... Toro, etc. etc... Sei lá
que diabo...
Balzáquia:
- Turofóbico, Chicória. TE, U, ERRE, O, EFE, Ó, ACENTO CIRCUNFLEXO NO Ó,
BE, I, CE, O... Turofóbico!
Chicória como desconhece essas palavras ditas pela amiga Balzáquia desvia
imediatamente do assunto:
- Que gafe a minha! Nem te convidei. Quer um pastel? Eu pago um pra você
no capricho. O de carne é uma gostosura. Nossa que falta de educação. Estou
envergonhada. Mas voltando ao “falecido...”. Ele é toro... Toro... Não importa.
Não enrola. Que bagulho é esse?
Balzáquia:
- Turofobia Chicória. A turofobia
é o cagaço de ver um queijo pela frente, ainda que em fotografia. Por isso,
queijo lá em casa não entra...
Chicória:
- Que loucura, Balzáquia! Como você descobriu? Por acaso o Jurandir
“falecido” levou alguma mordida de algum desses saborosos e saudáveis alimentos?
Balzáquia ri a mais não poder:
- Claro que não, Chicória. Como você é engraçada. Turofobia é como se
fosse uma lampadazinha que se acende quando ele pressente o cheiro ou vê um
queijo por perto. Fica ansioso. Uma vez teve uma crise danada. Na verdade, foi estupefação. Estupefação é o
assombramento por essas guloseimas, principalmente as que vêm das Minas Gerais.
Tipo assim, como se fosse um monstro peçonhento...
Chicória:
- Deve ser pelo cheiro. Queijo tem cheiro de bu... Digo de chulé...
Balzáquia se abre de novo, na gargalhada:
- Não havia pensado nisso. Deve ser! Mudando de pau pra cavaco. E a
Gracinha, sua filha, como está?
Chicória:
- Parou de estudar enfermagem. Fiquei pê da vida. Vê se pode! Estava
quase no final do curso... Se formaria agora...
Balzáquia:
- Nossa amiga! Por qual razão?
Chicória:
- Descobriu que não pode ver sangue. Nesse curso, conheceu um rapaz,
aliás, um sujeitinho estranho e passaram a namorar...
Balzáquia:
- Como assim estranho amiga?
Chicória:
- A pessoinha usa um cabelo todo enrolado, brinquinhos nas orelhas,
piercings no nariz, na boca... Sei que o
desgranhento fez a cabeça da minha mocinha e ambos foram morar juntos. Acabei
de levantar um “puxadinho” nos fundos...
Balzáquia:
- Xiiiii... Logo teremos um bebê no pedaço. Você será avó, Chicória.
Chicória:
- It Malia, Balzáquia. It Malia! Credo em Cruz!
Balzáquia:
- Então a Gracinha é hematofóbica?
Chicória:
- Hema... Como é que é? Dane-se. Deve ser isso que você cantou ai. Pois
bem. Começou, termina. Traduza. O que significa essa bagaceira?
Balzáquia:
- Hematofobia é medo de sangue.
Chicória:
- Acredito. Mas diga ai, vizinha. Você que conhece todas essas palavras
difíceis, deve ter nojo de alguma coisa. Confesse!
Balzáquia:
- Eu sou uma autêntica isolofóbica.
Chicória:
- Por tudo quanto é mais sagrado. Por Nossa Senhora! It Malia de novo!
Que troço agourento está por detrás desse palavreado?
Balzáquia:
- Não é nenhuma coisa horrível que se possa classificar de meu Deus, que
assombração do outro mundo. Simplesmente essa palavrinha pouco falada nada mais
é que a repugnância ou o enfado de ficar sozinha. Odeio não ter ninguém ao meu
lado. Descobri esse infausto quando o “falecido” sumiu por quase um mês...
Chicória:
- Por isso você apelidou o coitado de “falecido?”.
Balzáquia:
- Exatamente. E acredite, a coisa
pegou...
Chicória:
- Acho melhor você dar uma dentada no meu pastel. Vamos, Balzáquia,
aproveite a chance antes que eu o devore por completo... Não quer, na moral,
que lhe compre um? Aliás, toma...
Assim falando, e num ato impensado, Chicória enfia, com tudo, o restante
do petisco na boca da amiga. Sem esperar por esse ato, e, assustada, Balzáquia
dá um salto para traz. Falseando o
corpo, cai literalmente dentro de uma enorme poça de água suja levando, consigo
todas as sacolas cheias de compras que trazia dependuradas nos braços.
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, de Vila
Velha, Espírito Santo. 30-8-2019
Colunas anteriores:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-