Alberto Gonçalves
A pequena Greta mostrou aos brutos que
atentam contra a natureza a maneira correta de se viajar: em veleiros que
pertencem a príncipes e custam milhões.
Após enfrentar a fúria dos
mares e as más-línguas que a dizem patrocinada por lobbies políticos e empresas
de energias “verdes”, Greta Thunberg chegou enfim à costa americana. Em Nova
Iorque, foi recebida por 200 pessoas, ou cerca de 0,002% da população local.
Melhor ainda, recebeu uma mensagem do eng. Guterres, sujeito com olho para
identificar causas nobres e descobrir novos talentos. O eng. Guterres elogia a
“determinação e a perseverança” da pequena Greta durante a epopeia marítima
(entrou num barco e ficou nele até atracar). O elogio é merecido. Desde logo, a
pequena Greta mostrou aos brutos que atentam contra a natureza a maneira correta
de se viajar: em veleiros que pertencem a príncipes e custam milhões. Se você,
pobre de espírito, não desencantar um veleiro semelhante para se deslocar ao
Algarve ou a Torremolinos, resta-lhe permanecer em casa, e investir os mil e
duzentos euros das férias a emoldurar retratos da pequena Greta, a santinha que
faz jus à época.
Entretanto em Manhattan, a
pequena Greta regressou ao ativo, ou ao “ativismo”, que é o trabalho dos que
não trabalham em profissões chatas e mal remuneradas. Segundo o “Público”, a
missão da pequena Greta começará com uma “greve pelo clima” em frente à sede
das Nações Unidas. O “Público” não explica a que é que a pequena Greta faz
greve. A um emprego nas minas de Skellefteå? À escola? A um workshop de rendas
de bilros? Certo é que a pequena Greta saberá educar os americanos sem educação
(um pleonasmo) nas matérias ambientais. É curioso ter sido necessário uma
criança de 16 anos – diagnosticada com autismo ligeiro e à espera de um
diagnóstico de presunção terminal – para alertar a humanidade sobre os perigos que
a ameaçam. E é curiosíssimo que a criança nem sequer precise de dizer nada de
especial. E não diz. No meio da ignorância própria da idade e do
deslumbramento, a pequena Greta, que pede ao sr. Trump que “ouça a ciência”,
limita-se a repetir os clichés da ortodoxia e, quando estes não parecem
suficientemente assustadores, a inventar versões distorcidas dos clichés. No
fundo, a pequena Greta traduz o típico alarmismo do Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas (IPCC) para uma linguagem mais alarmista, mais
simples e mais adequada a cabecinhas como a do eng. Guterres e dos eleitores do
PAN.
Exemplos? Há três ou quatro
meses, um relatório do IPCC avisava “ser provável que o aquecimento global
atinja 1,5ºC entre 2030 (ou daqui a 11 anos) e 2052 se continuar a aumentar à
taxa atual”. No dialeto da pequena Greta, a frase transformou-se em “De acordo
com o relatório do IPCC, estamos a 11 anos de se iniciar uma reação em cadeia
humanamente incontrolável”. É a mesma coisa? Não é a mesma coisa: é mais alarmista,
mais simples e mais mentirosa. E é o estilo de primarismo notável e demagogia
pedagógica que convém aos tempos que correm, tempos que não deixam os meros
factos atravessarem-se no caminho de um bom pânico generalizado. Se a salvação
da Terra implica reduzir a respectiva população a níveis medievais de crendice
e fanatismo, força. O importante é legar um planeta imaculado aos nossos
filhos. Na condição, claro, de os nossos filhos serem tão conscienciosos quanto
a pequena Greta. Se não forem, os fedelhos e o planeta que se lixem.
O que vale é que há esperança,
e pequenas Gretas em abundância. Passei a semana anterior com amigos numa casa
de praia na Catalunha, região em que jurara nunca pôr os pés (salvo pela
temperatura do mar, evidentemente resultado das perturbações meteorológicas,
não valeu a pena quebrar a jura). Os amigos têm prole, uma garota de 5 anos e
duas adolescentes. Todas reproduzem o que aprendem na escola. Na escola,
aparentemente, a petizada não aprende português, matemática ou a discernir que
“funk” brasileiro não é música. Em compensação, absorve farrapos soltos de
informação inútil ou discutível. Ou seja, os meninos e as meninas partilham os
palpites da pequena Greta e do semialfabetizado médio. “A separação do lixo é
fundamental” (concedo que o lixo unido é difícil de aturar). “O homem está a
destruir tudo” (não identificaram o homem em questão, pelo que não pude
apresentar queixa nas autoridades). “A Amazônia é o pulmão do mundo” (e o
parque de Monsanto, um joanete?). Etc.
Significa isto que a
reciclagem não é importante? Depende. E que a intervenção humana não é
influente? Depende. E que a Amazônia não é o pulmão do mundo? Depende. No que
toca à ecologia, tudo depende imenso, e por depender assim é que evito
convicções firmes nesses domínios do conhecimento.
Veja-se o caso da exata Amazônia, que ardeu numa escala incomparável nos idos de 2004, 2005, 2006 e
2007. Alguém elevou o tema a manchete angustiada? Alguém organizou petições
internacionais? Alguém convocou milhares de criaturas a fim de protestarem nas
capitais? Alguém pediu a intervenção de chefes de Estado e milagreiros
diversos? Alguém, em suma, se maçou? Ninguém. Por quê? Porque na altura o
presidente do Brasil era o sr. Lula e não dava jeito criticar um amigalhaço dos
pobres, dos oprimidos, da cachaça e de uns trocos por fora. Hoje, que o
presidente é o sr. Bolsonaro, ai Jesus que a Amazônia está em chamas. Ai Jesus,
vírgula: as aflições versam apenas a parte da Amazónia que pertence ao Brasil.
A da Bolívia, governada por outro camarada com consciência social, pode
desaparecer à vontade. Aliás à imagem das
florestas de Angola e do Congo, em processo de combustão acelerada e ignorada.
O ambiente é um assunto complicado, tão complicado que só uma criança o
entende. Uma, ou milhões delas.
Título e Texto: Alberto
Gonçalves, Observador,
30-8-2019
Marcação: JP
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TUDO CORRETO, MAS A ALTERNATIVA MAIS CERTAMENTE ECOLÓGICA É NÃO FAZER FILHOS, A NATUREZA ESTÁ LOTADA DE SERES HUMANOS CADA VEZ MAIS CARENTES.
ResponderExcluirHOJE FABRICAM-SE ZUMBIS NO MUNDO.