José Mendonça da Cruz
A generalidade dos media
portugueses, com as televisões à cabeça -- e, dentro destas, a SIC na vanguarda
-- não produz hoje informação. O que produz é propaganda, omissão e
desinformação, ou seja, o fruto do trabalho dos ativistas, serventes e dos
pobres diabos sem deontologia nem espinha que, aparentemente, poluem as redações.
Chamemos-lhe, abreviadamente, «a clique».
Este tipo de intoxicação tem
já episódios antigos. Como o de Reagan, um mero «cowboy» de filmes B, que,
inconvenientemente, derrubou o império soviético e mudou o mundo; ou do segundo
Bush, ignorante por se referir aos gregos como «grecians», palavra que os
ignorantes desconheciam existir em inglês, e ser o equivalente do nosso
«helénicos». Ou talvez de Kohl, um aventureiro que unificou a Alemanha (coisa
que nenhum homem de esquerda faria). Mas estes eram apenas episódios. A
intoxicação é, agora, total e generalizada.
É por isto que, a cada vez
que, perante a baixa de tiragens, ou audiências, ou vendas, leio ou ouço os
porta-vozes das aflições dos nossos media clamar por ajudas e subsídios, eu me
sinto extremamente confortado. Por enquanto, ainda não vivemos num país
inteiramente socialista; por enquanto, os media ainda dependem da opinião dos
consumidores.
É que a maioria dos que ainda
consomem o produto da generalidade dos media portugueses, deixaria de consumir
se soubesse os erros que a clique divulga, os factos relevantes que a clique
ignora, e as verdades que a clique propositadamente oculta.
Infelizmente para a clique dos
media, qualquer indivíduo que goste de estar informado tem cada vez maior
facilidade em obter informação fidedigna em blogues, sites noticiosos e
imprensa internacional, onde dispõe de dados, números, factos relevantes e
relatos verídicos, ou seja, aquilo que a clique chama «fake news».
Dois casos apenas. Um amor de
estimação e um ódio de estimação (um novo), respectivamente, da clique.
Diz-nos a clique que a ativista
sueca do ramo de negócio da ecologia, a Greta, é heroica, impoluta e iluminada,
a versão secular de uma santa. Tanto que, para evitar poluir o ambiente, viajou
de barco para uma conferência em Nova Iorque. A TSF, com total destemor do
ridículo, disse até que ela viajava num «iate ecológico». Foi pena não nos
terem informado que a rapariguinha e o pai regressarão à Europa de avião; e que
quatro indivíduos viajarão agora de avião até aos EUA para trazerem o iate de
volta ao Mónaco e às mãos do proprietário, filho da princesa Carolina. Seria
evidentemente excessivo pedir à clique que explicasse se é este o futuro que
deseja: o dos pobres e remediados quietos em casa, enquanto os ricos e os
arautos de causas trabalham ou fazem férias de iate ou fragata, sem o incómodo
das multidões e do convívio com a maralha.
O que a clique seguramente
deveria ter informado, é que santa Greta padece da síndrome de Asperger, e que,
como facilmente aprenderia no site da CUF (são privados, são um horror!), as
manifestações mais habituais desse problema são, nomeadamente, «conversas
longas mas quase em monólogo, sem percepção se o ouvinte deseja falar ou mudar
de assunto (...) obsessão por um ou dois temas muito específicos, como
estatísticas de desporto, horários de comboios, meteorologia; incapacidade de
compreender ou mostrar empatia em relação aos sentimentos dos outros; (...)
atitude inflexível face à mudança».
Já sabíamos que Trump é
incompetente politicamente, apesar de ter derrotado santa Hillary, e
economicamente apesar de colocar a economia a crescer mais de 3%, o rendimento
familiar em alta, os impostos em baixa, e o emprego branco, negro e «latino» em
alta recorde, e de ter renegociado com grande vantagem tratados com o México e
o Canadá. Trump é, além disso, segundo a clique, um criminoso que conduz o
mundo à beira da guerra ao destratar a Coreia do Norte, apesar de ter levado a
Coreia do Norte à mesa de negociações, que continuam, e ter sido o primeiro
líder mundial a afrontar os abusos monetários e comerciais da China. A clique
também nunca contará que, caso as negociações com Pyongyang cheguem a bom
termo, Trump cortará os biliões de dólares anuais de apoio à Coreia do Sul
(como intenção mediata não está nada mal para um néscio).
Já sabíamos que o Brasil e o
seu povo se suicidaram ao eleger Bolsonaro, em vez de mais um corrupto (que,
aliás, acaba de ser condenado), fruto e filho dileto de um bando de corruptos.
Mas a clique tem agora um ódio
novo, Boris Johnson. Boris Johnson é, para a clique, um ódio mais ingrato, pois
tem mais política num dedo do que a clique no corpo inteiro, e mais cultura e
educação em dez gramas de cérebro do que a clique tem no seu cérebro coletivo
(embora alguns palermas da clique se aventurem debalde a sugerir que não é
assim). Mas desinformation oblige. Logo...
Logo, soubemos hoje que a
decisão de Boris Johnson de «suspender o Parlamento», causou «grande polêmica»
e suscitou até acusações de «comportamento ditatorial».
Que se passou, de facto, e que
se esquece a clique de informar?
-- que Johnson não «suspendeu
o parlamento». Nos termos constitucionais pediu a suspensão da sessão parlamentar,
que foi autorizada pela rainha;
- que a sessão parlamentar em
curso era já a mais longa de toda a história de Inglaterra;
- que é normal a sessão
parlamentar ser suspensa antes do discurso da rainha em que exporá as
principais medidas do programa de um novo governo britânico (como é o caso do
anúncio dos cortes de impostos, do combate ao crime, e dos grandes
investimentos em infraestruturas que Johnson já anunciou).
- que é normal a sessão parlamentar
ser interrompida para férias, embora eu acrescente que nunca por um período tão
longo (assim tentando eu demonstrar que não é preciso omitir o que não nos
convém para discutir um ponto).
- que a senhora que
classificou Johnson de «ditador de pacotilha», a senhora Sarah Wollaston, tem a
grande autoridade moral de ser a mesma que em poucos meses abandonou o Partido
Conservador em favor do Change UK, e depois o Change UK em favor dos Liberais
Democratas, sem nunca achar que precisava de perguntar alguma coisa aos
eleitores da circunscrição por que foi originalmente eleita.
O que a clique, de qualquer
forma, recusa informar, é que a «polémica» de Johnson é apenas alta política: a
redução do tempo de conspiração dos críticos dos no-deal Brexit e dos remainers
(que, de qualquer forma, já dispuseram de três anos); que as principais medidas
do programa de governo são uma arma poderosa em caso de eleições (que Johnson
quase proclama que deseja); que quanto mais crível for um Brexit sem acordo
mais a UE tenderá a negociar.
O que a clique nunca informará
é que uma Inglaterra livre da UE poderá negociar um tratado bilateral com os
EUA que além de vantajoso, pode atirar o Tratado Intercontinental para as
calendas ou para o lixo; que um Brexit sem acordo escancara uma porta que os burocratas
de Bruxelas receiam ver sequer entreaberta; que sejam quais forem para a
Inglaterra as consequências econômicas do divórcio com a UE, as consequências
econômicas no continente terão neste consequências políticas (os agricultores
franceses que perderem o seu principal cliente ainda votarão Macron? Os polacos
e os húngaros sob sanções da UE não terão novas ideias? Os partidos entre
eurocéticos e euroalérgicos de França, Alemanha, Itália e países nórdicos não
terão novo alento?)
Tudo isto seria mais
esclarecedor, mais complexo, mais informativo? Pois seria. Mas a clique não
quer esclarecimento, nem complexidade, nem informação. A clique quer apenas uma
vulgata e uma agenda. Elas resumem-se na velha descrição certeira: «a filosofia
do falhanço, o credo da ignorância, e o evangelho da inveja».
Título e Texto: José
Mendonça da Cruz, Corta-fitas, 28-08-2019
What is prorogation and why is Boris Johnson using it?
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