A sua opinião não conta. Os seus líderes trocaram a política
pelo economês e eles, os eleitores de direita,
tornaram-se irrelevantes. A despolitização da direita
revelou-se uma armadilha.
Helena Matos
Por que vamos ter de discutir a
eutanásia e não o funcionamento do SNS? Por que é que o assassínio de um
estudante cabo-verdiano em Bragança começou por ser apresentado como racismo
e agora é racismo dizer que essa morte pode ter tido motivação racial? Por que vivemos a
toque de emergências, ora da fome, ora do clima, ora da gentrificação,
aprovando legislação cujo impacto na vida das pessoas comuns ninguém avalia?…
A última vez que esta agenda
foi contrariada foi em maio de 2018, quando se debateu no parlamento a
eutanásia, e mesmo assim para tal ser possível foi necessária a posição do PCP
que não só votou contra como tornou midiaticamente aceitável ser-se contra este
novo desígnio do progressismo. Obviamente fomos logo informados por Catarina
Martins que o assunto voltaria em breve à discussão e que, como quem cumpre uma
ordem natural subjacente aos factos, a eutanásia há de ser aprovada.
(A propósito de Catarina
Martins note-se que a líder do BE foi ao “Programa da Cristina”. Costa, Rio,
Cristas e Montenegro também já por lá passaram. Mas ao contrário daqueles
outros políticos, Catarina Martins, atriz-palhaça de profissão, não cantou, não
pulou e não cozinhou. Foi entrevistada. Mais precisamente passou uma mensagem política envolta numas respostas sobre as suas emoções.)
Mas voltemos à dominância da
esquerda nas nossas vidas. Esta não só não aconteceu por acaso como aconteceu
em grande parte por culpa dos líderes da direita. Estes foram despolitizando as
suas propostas, apostaram no “economês”, na invocação dos condicionamentos
europeus, para mais deixando sempre subjacente que as medidas propostas pela
esquerda são obviamente bondosas e superiores nos seus propósitos, apenas não
existe capacidade para as sustentar, quiçá com mais uma taxa até se
conseguisse!
Devidamente acantonados no
terreno da economia, onde, como é óbvio, só as crises lhes permitem questionar um
pouco as consequências do intervencionismo socialista e os custos de uma
máquina estatal tão ineficaz quanto superdimensionada, os políticos não
socialistas condenaram-se a ser uma espécie de contabilistas que de vez em
quando apontam umas incongruências na página cento e qualquer coisa do
orçamento e outras minudências quejandos. Se quisermos ser bondosos, uma versão
popularucha da UTAO – Unidade Técnica de Apoio Orçamental.
A despolitização da direita tornou-a
de tal forma irrelevante que o perfil dos seus líderes passou a ser feito não
em função das suas propostas, mas sim a partir do grau de subserviência que
mostram em relação à esquerda e muito particularmente em relação aos
socialistas. Assim, Cavaco Silva tornou-se um ódio de estimação para a esquerda
precisamente porque não aceitou como natural a supremacia do PS. Já Rui Rio é
um moderado apesar de manter uma guerra com a história do seu partido e de ter
um entendimento muito pouco democrático da liberdade de imprensa e do
funcionamento da justiça. Pelo contrário Montenegro, agora que tem pelo menos
em teoria a possibilidade de vir a ser líder do PSD, vai já passar ao estatuto
de perigoso direitista e assim ficam neutralizadas as intenções que eventualmente
tenha de alterar o estatuto de auxiliar de ação governativa do PS a que Rio
reduziu o PSD.
Fora da neutralidade dos
números, das tecnicidades do PIB e das comparações do crescimento com os
períodos homólogos, os políticos do que outrora foi o centro e centro-direita
sentem-se cada vez mais em terreno minado: a cada palavra no masculino temem
desencadear uma onda viral de comentários susceptível de lhes marcar como um
borrão a liderança. A cada opinião que não sabem se já está no index lá vem a
profissão de fé, ou melhor dizendo a fuga em frente que os faz embarcar em
todas as causas da moda cuja demagogia aliás era suposto serem os primeiros a
denunciar.
O exemplo mais vivo destes
líderes ditos moderados de direita que, ao mesmo tempo que se rendem perante os
opositores combatem com tenacidade os que se lhe opõem dentro dos seus próprios
partidos, deixando-os retalhar-se, é Mariano Rajoy. Em 2008, Rajoy declarava
ufano “Se alguém se quer ir embora para um partido liberal ou conservador, que vá”. E eles foram, claro: Ciudadanos e Vox nasceram desse
enjoo de Rajoy com o seu próprio partido e muito particularmente com os seus
militantes. O resultado é o que agora se vê: o PSOE governa com ministros
admiradores e assessores de Hugo Chávez e o apoio parlamentar de compagnons
de route de terroristas, o modelo constitucional está claramente em
risco e o PP já sem Rajoy faz contas para avaliar se deve ou não aliar-se com
os seus antigos militantes que formaram o Vox e os Ciudadanos Mas, felizmente
para ele, Rajoy foi e será sempre apresentado como um moderado!
Ao despolitizarem o seu
discurso, estes líderes não só deixaram sem representação os seus eleitores
como permitiram que fosse imposta uma grelha dos problemas que podemos ter e
dos outros de que nem podemos falar, como é o caso da insegurança de são
vítimas os que residem fora dos círculos urbanos privilegiados, esses a quem os
donos da verdade oficial garantem que criminalidade está sempre a baixar e que
dizer o contrário é sinal de reacionarismo; ou as escolas transformadas em
comités de agitação e propaganda de que ninguém fala porque o ensino voltou a
estar reduzido à eterna questão da carreira dos professores; ou os agricultores
espartilhados numa legislação beto-urbana dita amiga do ambiente que os deixa à
mercê das matilhas de cães e dos javalis…
Ao contrário do que terão
pensado e quiçá desejado os líderes da direita e centro-direita a
despolitização deste outrora espaço político não o tornou nem mais respeitado
nem fez crescer a tolerância. Pelo contrário, à medida que o discurso da
direita se despolitizava e se restringia à saúde das contas públicas e às metas
do crescimento, tudo se tornava político: casamentos, sexo, cor da pele, a
ciência, os algoritmos…
A despolitização da direita
tornou-se uma armadilha: os seus eleitores ficaram sem representação política
numa sociedade em que a politização é crescente e tornaram-se irrelevantes em
termos de opinião. Como é óbvio qualquer tentativa de recuperar o discurso
nesta área vai ser inevitavelmente apresentada como uma atitude extremista. A
direita tolerada é, portanto, hoje a direita despolitizada. Sobre toda a outra
cai o labéu político da extrema-direita.
E agora? Poeticamente, apetece
responder agora é tarde, Inês é morta. Na verdade, não creio que a eleição de
um novo líder para o PSD (e de caminho para o CDS) consiga pelo menos para já
alterar este estado de coisas. Mas tenho a certeza de que os irrelevantes andam
por aí. Marcelo Rebelo de Sousa já o intuiu e tem claro que nas próximas
eleições presidenciais, ora porque podem dar uma votação expressiva a um
candidato apresentado pelo Chega ora porque podem fazer subir a abstenção para
níveis embaraçosos, os irrelevantes podem tirar-lhe o brilho da vitória. A
despolitização da direita vai pagar-se caro.
PS. A quem
tiver dúvidas sobre as vantagens políticas que a esquerda tira desta
despolitização da direita e consequente criação de um cordão sanitário em torno
de uma fantasmagórica extrema-direita, recomendo o visionamento das declarações de Francisco Louçã sobre a “proximidade” do juiz Carlos Alexandre ao Chega. Louçã, o extremista de esquerda que
nem por isso deixou de se tornar conselheiro de Estado e membro do Conselho
Consultivo do Banco de Portugal, não se arroga apenas o direito de diabolizar
um partido – o Chega – como cria uma espécie de peste que se propaga
entre militantes, simpatizantes, pessoas que podem parecer simpatizantes ou até
aqueles por quem os simpatizantes do Chega terão manifestado apreço… Não basta
não ser de extrema-direita, de direita ou do centro-esquerda para não
cair no terreno daqueles que Louçã declara serem de extrema-direita. É preciso
mais. É preciso convencer disso a extrema-esquerda. Note-se que Francisco Louçã
não se baseia em declaração alguma de Carlos Alexandre, tomada de posição ou
manifestação para fazer esta apreciação da alegada proximidade de Carlos
Alexandre ao Chega, mas tão só no facto de várias das pessoas que declaram o
seu apoio ao juiz Carlos Alexandre serem seguidores do Chega no facebook!
Repito, várias das pessoas que no facebook declaram o seu apoio ao juiz Carlos
Alexandre serão, na opinião de Louçã, seguidores do Chega! O que é que isto
quer dizer? Que é de extrema-direita quem a extrema-esquerda quiser! E quando
quiser.
Título e Texto: Helena
Matos, Observador,
12-02-2020
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-