Carina Bratt
Algumas amigas do meu
relacionamento diário, dizem ser o peido uma espécie de tabuísmo. Tabuísmo nada
tem a ver com aqueles que são loucos por tabuadas. Tabuísmo, segundo Houaiss, é
simplesmente uma palavra chula, ou como queiram, uma expressão de baixo nível. Jô Soares em seu romance As esganadas,
definiu o peido, na fala de uma de suas personagens, como sendo uma locução
gostosa de se ouvir: “O peido é o canto da nossa alma saindo por uma boca sem
dentes”.
Luiz Fernando Veríssimo, em
Sexo na cabeça, é um pouco mais romântico e acha o peido “o sussurro apertado
do coração, e, pôr estar numa condição de prisioneiro, vomita o que lhe vem
pela frente, escapando, à francesa, pelas pregas”. O peido já foi alvo de
muitos autores que se debruçaram sobre ele, cada um trazendo a sua forma de ver
essa ventosidade anal como um arroto. Na verdade, se pararmos para pensar no
assunto, chegaremos à conclusão de que o peido, de fato, é um clamor soltado em
hora imprópria.
Pode ser, ainda, um espirro,
id est um outro gás qualquer escapulindo de nosso corpo por qualquer outro
orifício. Nosso corpo, se formos ver a coisa pelo lado anatômico, possui uma
série de aberturas e buraquinhos, alguns côncavos que jamais pensávamos
existir. Nessa linha de peidos, José Saramago passou longe. Preferiu dar vida
ao Ensaio sobre a Cegueira, assim como Marcelo Eduardo da Costa Júnior optou
pelo Tratado sobre a Imbecilidade Humana.
Diferente da jornalista Camila
Bonfim, da revista Textos Inteligentes, que viajou na maionese esmiudando o Tratado
sobre a Bunda das pessoas ociosas e seus peidos cavernosos. Voltando ao peido,
Pierre-Tomas-Nicolas Hurtaut se uniram para dar vida a uma obra interessante. A
arte de dar peidos. Esse maravilhoso livro saiu pela primeira vez em 1751 e,
até hoje, mais de duzentos anos depois, serve como roteiro prático para nos
mostrar, de uma maneira bastante criativa, que o ato de peidar, não é assim tão
escroto ou avassalador.
“O peido sai pelo ânus - ,
ensina Pierre - no que difere do arroto,
que, apesar de formado de matéria idêntica, mas no estômago, escapa pelas vias
aéreas, devido à proximidade da saída, ou porque a dureza e a repleção do
ventre, ou quaisquer outras causas, não lhe permitem dirigir-se para as vias
inferiores”. Hurtaut vai um pouco além e enumera alguns tipos variados de
sopros incomodantes, colocando, inclusive, na berlinda, cada peidorreiro e como
a sua característica se insere no contexto de peidar, seja em público, seja em
casa, ou entre amigos etc.
Devemos lembrar, que muitas
frases que vemos por ai, sobre peidos, não foram “pensadas ou buriladas” em
dias atuais, ao contrário, nos chegaram de velhos e antigos carnavais,
navegaram no tempo, permitindo que as pessoas e as suas mais diversas
profissões, como jornalistas, escritores e curiosos, delas fizessem ou façam
uso constante, enunciando pequenas pérolas como se fossem criações nascidas de
suas cabeças.
Longe disso, amigas. Vejamos
alguns enquadramentos citados por Hurtaut e percebam, que engraçado, frases com
mais de duzentos anos atrás. Apesar dos pesares, são joias autênticas. Já,
naqueles idos de 1751, arrancavam o riso e as desventuras de muitos. “O
político peida e promete que vai cagar, o malvado peida e põe a culpa nas
criancinhas, o viciado peida sente o cheiro e fica doidão. O romântico peida e
endossa que seu peido nada mais é que o suspiro de uma bunda apaixonada”.
Diferente do sentimental, que
peida e se alenta todo por dentro. O patriota se levanta para peidar, o
infantil peida na água para fazer bolinhas, o cínico peida e ainda por cima cai
na gargalhada, o artista ensaia antes de peidar, o cara de pau, peida sente o
odor e, não contente, reclama. O convencido peida e diz que seu peido é o mais
bonito, o intelectual peida e diz que “expeliu” gazes, o egoísta peida debaixo
das cobertas para sentir o cheiro sozinho”.
Na sequência, “O indignado
peida e não se conforma. O fingido peida e fica sério, o cavalheiro peida e se
responsabiliza pelo peido da sua acompanhante. O mentiroso peida e nega tudo, o
curioso peida e fica perguntando “quem foi?”. O comodista peida sem se mexer, o
corajoso avisa que vai peidar, o tímido tem medo de peidar, o frustrado peida e
não se sente satisfeito. O medroso peida com receio do barulho, o insensível
suja nas calças e pensa que peidou. O azarado vai peidar baixinho e o peido sai
alto demais, o delegado prende o peido, o assassino enforca o peido, o
jornalista dá o “furo” e divulga o peido, o morto leva o peido no caixão, o
veado dá o peido, o oportunista aproveita o peido dos outros para soltar o
seu”.
Em resumo, Thomas diz “amar o
peido, cuja causa final pode ser a saúde do corpo desejada pela natureza.
Embalado nessa filosofia, Hurtaut corrobora seu colega observando que “o peido
é um deleite incomensurável proporcionado pela feliz arte de flatular”. Entre
bufos e puns, espero, sinceramente, ter contribuído de alguma forma para que as
minhas amigas leitoras sorriam um pouquinho, e se divirtam, sobretudo relaxem
até que a pandemia que nos assola, vá embora de uma vez para sempre.
Título e Texto: Carina
Bratt, de Vila Velha, no Espírito Santo, 19-4-2020
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Oh my ... Uma mulher falando sobre o peido...perdão carina ,.mas não consigo imaginar nada mais brochante!
ResponderExcluirO PEIDO É O GRITO DE UM RÉU PEDINDO CLEMÊNCIA, OU O ÚLTIMO APITO DE UM TREM RUMO AO PRECIPÍCIO.
ResponderExcluirO amor e como um peido se for forçado vai dar merda. ...
'Filho é igual a peido: você só aguenta só se for o seu.'
Indireta no facebook é igual peido no elevador.
Todos desconfiam quem foi, ou para quem foi.
O PEIDO É UM FILHO DESNATURADO QUE NUNCA VOLTA PARA CASA.
GOSTEI
FLY...
Gostaria de deixar também a minha contribuição aos peidos da Carina, digo, às frases que a Carina trouxe para ilustrar seu texto. Vejo o peido como a filosofia nua e crua de uma bunda aflita, desesperada, impaciente, exatamente por estar situada num lugar estratégico, todavia, estranho. É ela, a bunda, que além do peido que sai rasgando, a bunda, coitada, carece suportar, sem reclamar, da catinga que venta das bandas do cano de descarga. Segundo Danilo Gentile, duas coisas são difícies da gente se livrar na vida. Da sogra chata e da catinga de cu. “A sogra, no pensar de Gentile, gosta de pegar no pé, marcar em cima, e a catinga de cu, nem com o melhor perfume se consegue espantar”. Concordo com Danilo. Por mais que seja feita a higienização dos chamados países baixos, o odor fétido do anel de couro, não desgruda. É pior que o inferno de Dante. O inferno da Divina Comédia, para quem não sabe, tem nove andares, e a catinga do caneco ocupa noventa e dois. De qualquer forma, tirando a frase referente aos profissionais da imprensa, que a linda mocinha dona Carina disse que “o jornalista dá o furo e divulga o peido”, o jornalista não dá o furo, faz furo, e, após entrar pelo furo furado, de lá de dentro divulga o peido. Sempre ouvi dizer, senhorita Bratt, que “mulher bonita não peida, deixa rolar um ventinho”. Para terminar, lembra sempre que “amar é nunca ter que pedir perdão pelo peido que saiu exatamente naquela hora indevida”.
ResponderExcluirAparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha.
arghhhh!!!! ecaaaa!
ResponderExcluirANALISEMOS ECA: Estatuto dos Criminosos Adolescentes, ou no dizer de Rita Camata, Estatuto das Crianças Abandonadas. Pode ser também o final do CU (já que os peidos saem dele), atrelado ao Eca, dai ter nascida a palavra cueca.
ResponderExcluirAparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha.