Kyle Smith
Entre os mais desprezíveis
truques retóricos da última semana está o uso das palavras de Martin Luther
King Jr. a fim de incluí-lo entre as pessoas que defendem os protestos
violentos. Celebridades, ativistas, importantes instituições da imprensa e até
o Centro Martin Luther King Jr. estão participando de uma campanha mentirosa,
citando a fala de King, segundo a qual “o protesto [violento] é a linguagem
daqueles que não são ouvidos”, mas tirando a frase do contexto em que foi dita.
King não defendia tumultos e arruaças.
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Foto: Pixabay |
A expressão “linguagem
daqueles que não são ouvidos” consta no discurso “A Outra América”. Há duas
versões desse discurso. Uma foi proferida em 14 de abril de 1967, em Stanford,
e a outra no dia 14 de maio de 1968, na escola Grosse Point South. Os discursos
pedem melhores condições de vida para os negros, e não apenas igualdade perante
a lei. King não defendia os arruaceiros; ele dizia que havia uma compreensível
raiva em suas ações. Na versão de Stanford, King disse:
Preciso condenar veementemente
as condições que levam as pessoas a sentirem que precisam se envolver em
protestos violentos, assim como preciso condenar esses mesmos tumultos. Acho
que os Estados Unidos têm de entender que esses protestos violentos não surgem
do nada. Ainda existem em nossa sociedade certas condições que têm de ser
condenadas com a mesma veemência com que se condena a violência. Porque, no
final das contas, a arruaça é a linguagem daqueles que não são ouvidos. E o que
é que os Estados Unidos não estão ouvindo? O país não está ouvindo os suplícios
do negro pobre, cuja situação piorou nos últimos anos. O país não está ouvindo
a reclamação de que as promessas de justiça e liberdade não foram cumpridas.
Tais palavras talvez não
fossem consenso na época de King, mas hoje em dia encontrariam pouca
resistência. Longe de ser um radical, em 2020 o que King sentia parece óbvio.
Os protestos violentos dos últimos dias não surgiram do nada. Em geral,
arruaças não surgem do nada. Mas, apesar da revolta quanto à morte de George
Floyd em Minneapolis ser compreensível, é contraproducente recorrer aos saques,
incêndios e vandalismo despropositados, sendo que em alguns casos nada disso
foi motivado por conflitos raciais com a polícia, e sim pelo eterno desejo
niilista de ver o circo pegar fogo primeiro e propor soluções depois.
King ficaria impressionado se
ouvisse as pessoas que se dizem suas seguidoras citando partes do discurso
acima e ignorando completamente toda o seu trabalho, que conquistou muita coisa
por meio da resistência não-violenta. Ele não foi ambíguo quanto a isso. Para
se usar essa frase é preciso ou ignorância ou mentira a fim de que King pareça
defender os protestos violentos. Imediatamente depois da parte sobre a
“linguagem daqueles que não são ouvidos”, lê-se:
Deixe-me dizer o que sempre
disse e continuarei dizendo: protestos violentos são socialmente destrutivos e
se autoderrotam, estou ainda convencido de que a não-violência é a arma mais
poderosa disponível aos oprimidos na luta deles por liberdade e justiça. Sinto
que a violência gerará mais problemas do que resolverá. Que, na verdade, é
impraticável que um negro chegue a cogitar fazer uma revolução violenta nos
Estados Unidos. Então continuarei condenando arruaças e continuarei dizendo a
meus irmãos e irmãs que este não é o caminho. E continuarei afirmando que há
outro caminho.
Na versão do discurso
proferida em Grosse Point, apenas três semanas antes de ser assassinado, King
disse:
E sou o primeiro a dizer que
ainda estou comprometido com a não-violência militante, poderosa e maciça como
a arma mais potente na luta contra o problema e da perspectiva da ação direta.
Estou absolutamente convencido
de que um protesto violento apenas intensifica o medo da comunidade branca e a
alivia da culpa. E sinto que devemos sempre usar armas e métodos poderosos e
eficientes que gerem resultados tangíveis. Mas não basta que eu me coloque
diante de vocês nesta noite, condenando as arruaças. Seria moralmente irresponsável
de minha parte fazer isso sem que, ao mesmo tempo, eu condenasse as condições
intoleráveis da nossa sociedade.
São essas condições que levam
os indivíduos a sentirem que não têm alternativa que não a rebelião violenta
para chamar a atenção. E devo dizer nesta noite que a arruaça é a linguagem
daqueles que não são ouvidos. E o que é que os Estados Unidos não estão
ouvindo? O país não está ouvindo os suplícios do negro pobre, cuja situação
piorou nos últimos 12 ou 15 anos.
Apesar da repugnante história
do racismo nos Estados Unidos, King entendia que não havia outro caminho rumo
ao progresso que não a união dos interesses dos brancos e negros. Uma orgia
destrutiva que começa com a sede de justiça para os negros rapidamente destrói
vidas e empregos. Os arruaceiros se convencem de que não estão fazendo mal às
pessoas, mas estão. Algum terceiro envolvido nebuloso– empresas de seguros! —
assumirão os custos, dizem eles. Mas não. Os protestos violentos causam
sofrimentos para brancos e negros. A Geração do Lacre irresponsavelmente se
esquece dessa lição.
“Estamos todos presos a uma
rede inescapável de mutualidade, unidos num tecido único de destino”, disse
King no discurso de Stanford. “E estamos todos na mesma situação: a salvação do
negro significa a salvação do branco. E a destruição da vida e do progresso do
negro será a destruição do progresso do país”. Em outras palavras, destruição
não é progresso.
Título e Texto: Kyle Smith
é analista da National Review. Via Gazeta do Povo, 3-6-2020, 17h40
GANDHI TAMBÉM NÃO.
ResponderExcluirAs palavras incitam mais que as armas, essa é minha opinião.