Não é preciso ser um gênio para antever
que, num futuro que não será longo, o Chega pode perfeitamente trazer uma
multidão bem maior para manifestações de rua. Os sinais ali eram mais do que
óbvios.
Gabriel Mithá Ribeiro
Sempre entre as pessoas
comuns, estive na manifestação Portugal não é racista, organizada
por André Ventura e pelo Chega, a 27 de junho, sábado à tarde, em Lisboa, não
apenas por tomar como absoluta a necessidade de combater a vigarice do antirracismo (para mim não é só Portugal que não é racista, mais do que
isso, o racismo deixou de existir), mas também pela absoluta necessidade de
corrigir a relação social patológica com a memória histórica, em particular com
a memória colonial, outra vigarice extraordinariamente perniciosa.
No último caso, recuso o uso
do termo colonialismo. Trata-se de uma manipulação mental grosseira
imposta às sociedades na interpretação dos processos coloniais ao longo da
história. À medida que os europeus passam de colonizados, por exemplo pelos
romanos ou árabes, para colonizadores, por exemplo dos africanos, o processo
deixa de incidir nos contributos positivos da colonização para a transformação
civilizacional dos povos colonizados para passar a incidir, e ficar
sequestrado, apenas nos aspetos negativos da colonização. Daí a substituição do
vocábulo neutro colonização pelo vocábulo adjetivado colonialismo que
transforma o mais importante processo histórico de avanço civilizacional dos
povos num crime contra a humanidade.
Por exemplo, os portugueses
foram colonizados por romanos e árabes, e ensina-se nas
escolas desde a infância que isso foi muito importante, mas esses mesmos
portugueses foram colonialistas de angolanos e moçambicanos e
ensina-se, desde a infância, que isso foi muito mau, um horror. Isso tem algum
sentido?
Esses dois núcleos – racismo e colonialismo –
são indissociáveis e socialmente decisivos. Trata-se de duas falcatruas, das
mais grosseiras desde que Adão e Eva foram expulsos do paraíso, e da
responsabilidade do atual aparato intelectual e respetivas elites coniventes ou
submissas. O discurso político e ideológico do Chega apontou baterias muito
incisivas contra elas: Portugal não é racista e Temos
orgulho na nossa História. São mensagens que passam com facilidade e
clareza para o senso comum por possuírem os atributos da verdade e da
frontalidade. Isso é extraordinariamente incômodo para os viciados em adulterar
a relação entre o passado e o presente.
Só isso sobeja para qualquer
cabeça que se digne pensar saber que há mais dignidade no discurso de André
Ventura do que no discurso de todos os demais que, na versão benigna, oscila
entre o cínico e o alucinado e, na versão rigorosa, é mentiroso. É muito
difícil viver numa sociedade mentalmente pestilenta. Mas esse é o nosso triste
presente.
A sociedade portuguesa está
transformada num pântano de cobardes intelectuais e políticos que nunca
evidenciam capacidade argumentativa capaz de rebater com seriedade e fundamento
as críticas de que são alvo. Escudam-se nas instituições, na comunicação
social, em crenças anquilosadas como se, mais cedo ou mais tarde, o inevitável
caminho da verdade não fosse capaz de arrasar tudo isso.
Não vivi os tempos das disputas entre Mário Soares, pelo Partido Socialista, e Álvaro Cunhal pelos comunistas e demais radicais de esquerda que conferiram ao primeiro a então justa reputação de corajoso. Não ver hoje em André Ventura o único político corajoso do atual panorama é de bradar aos céus. Não vislumbro outro político que arrisque como ele sem a cobertura de grandes ou pequenas instituições. Não vejo outro político que jogue dessa maneira com um suporte partidário extraordinariamente frágil.
Não vivi os tempos das disputas entre Mário Soares, pelo Partido Socialista, e Álvaro Cunhal pelos comunistas e demais radicais de esquerda que conferiram ao primeiro a então justa reputação de corajoso. Não ver hoje em André Ventura o único político corajoso do atual panorama é de bradar aos céus. Não vislumbro outro político que arrisque como ele sem a cobertura de grandes ou pequenas instituições. Não vejo outro político que jogue dessa maneira com um suporte partidário extraordinariamente frágil.
Estava tudo ali na
manifestação de sábado, dia 27 de junho, quando descemos do Marquês de Pombal,
percorremos a avenida da Liberdade e a Baixa, e concentramo-nos no Terreiro do
Paço.
Caminhada organizada tranquilamente por um conjunto reduzido de organizadores e uma presença de manifestantes muitíssimo superior ao que imaginava. Claro que uma comunicação social subsidiada pelo Partido Socialista, através do orçamento de Estado, tem por missão comprovar o contrário. Para quem queira observar com olhos de ver, também é claro que os sinais do movimento são sólidos e ascendentes. Não é preciso ser um gênio para antever que, num futuro que não será longo, o Chega pode perfeitamente trazer uma multidão bem maior para manifestações de rua. Os sinais eram mais do que óbvios naquela manifestação.
Caminhada organizada tranquilamente por um conjunto reduzido de organizadores e uma presença de manifestantes muitíssimo superior ao que imaginava. Claro que uma comunicação social subsidiada pelo Partido Socialista, através do orçamento de Estado, tem por missão comprovar o contrário. Para quem queira observar com olhos de ver, também é claro que os sinais do movimento são sólidos e ascendentes. Não é preciso ser um gênio para antever que, num futuro que não será longo, o Chega pode perfeitamente trazer uma multidão bem maior para manifestações de rua. Os sinais eram mais do que óbvios naquela manifestação.
Vi um Chega umbilicalmente
identificado com os símbolos nacionais, a bandeira e o hino. Havia mais
bandeiras de Portugal e maior disponibilidade dos manifestantes em pegar nelas
do que de fazer o mesmo com as bandeiras do Chega. Isso seria incômodo para o
Partido se, ao longo da caminhada, não me chegassem comentários de pessoas que,
ao mesmo tempo, não se queriam expor ao lado do Chega por causa do estigma
da extrema-direita, mas paradoxalmente queriam assinalar o apoio a
André Ventura por saberem não ser nada daquilo de que o acusam.
Se juntarmos esse sentimento à
identificação com símbolos nacionais, mais o elevado número de pessoas
presentes em plena pandemia, é preciso teimar na cegueira e na surdez para não
identificar, naquele contexto, um recalcamento social profundo que, mais cedo
ou mais tarde, sairá com maior expressão à luz do dia. Se André Ventura vivia
da intuição, suponho que agora pode alimentar-se de certezas.
Quero recordar aos distraídos
que uma coisa são os partidos, os seus símbolos e suas identidades
particulares, outra é a identificação dos indivíduos com os símbolos nacionais
que, por natureza, são socialmente transversais. Os movimentos de transformação
social e política em Portugal, desde o século XIX, nunca foram sectários, antes
associados ao sentimento transversal da pátria em perigo.
Num povo velho como o português, os rótulos podem mudar, mas não a substância. Não sei se se está a abrir caminho para a IV República reivindicada por André Ventura, nem sei o que isso possa significar, mas que ninguém duvide que os equilíbrios políticos da democracia portuguesa têm um antes e um desde André Ventura. A pedra rejeitada pode ser a pedra angular, uma novidade que vem dos tempos bíblicos.
Num povo velho como o português, os rótulos podem mudar, mas não a substância. Não sei se se está a abrir caminho para a IV República reivindicada por André Ventura, nem sei o que isso possa significar, mas que ninguém duvide que os equilíbrios políticos da democracia portuguesa têm um antes e um desde André Ventura. A pedra rejeitada pode ser a pedra angular, uma novidade que vem dos tempos bíblicos.
Um outro aspeto que colocou a
nu a relação alienada da comunicação social portuguesa com a realidade e com a
verdade foi a insinuação de ameaças ao civismo como se fôssemos todos burros. A
manifestação organizada pelo Chega foi um passeio pelas ruas absolutamente
tranquilo e, sendo necessária, a segurança policial serviu para pouco mais do
que regular o trânsito e evitar provocações externas à manifestação que, ainda
assim, não suscitaram qualquer animosidade, manifesta ou velada, por parte dos
presentes. Se nada do que vi define o que são pessoas civilizadas, então estas
não existem.
Espero que se compare, com honestidade, o que se passa na Festa do Avante! ou em qualquer ajuntamento do Bloco de Esquerda. O que a comunicação social sentiu por muitas pessoas se recusarem a falar, pois vi jornalistas de televisão malsucedidos à cata de entrevistados, foi um misto de desconfiança, porque as pessoas sabem que são grosseiros manipuladores em busca de hitlers, e de um justíssimo desprezo.
Espero que se compare, com honestidade, o que se passa na Festa do Avante! ou em qualquer ajuntamento do Bloco de Esquerda. O que a comunicação social sentiu por muitas pessoas se recusarem a falar, pois vi jornalistas de televisão malsucedidos à cata de entrevistados, foi um misto de desconfiança, porque as pessoas sabem que são grosseiros manipuladores em busca de hitlers, e de um justíssimo desprezo.
Vivemos, de facto, numa
sociedade manipulada por uma comunicação que mente ostensivamente sobre as
características da vida social, uma comunicação social que descobre virtudes em
criminosos e perigos sociais em gente de bem. Pena é que psicólogos,
antropólogos e sociólogos tenham perdido réstias de honestidade mental talvez
para não correrem riscos de perderem apoios, subsídios e bolsas pagas pelo tão
generoso quanto falido Estado socialista. O momento que vivemos é por demais
absurdo, para mais tratando-se de um momento histórico único. Há quantas
décadas uma direita deste tipo não saía à rua em Portugal?
Escrevo este texto não apenas
para deixar o meu testemunho histórico, como também para registar preto no
branco como todo um aparato mental se viciou em cuspir na cara de portugueses
dignos, de pessoas de bem, como justamente autoclassificaram
aqueles manifestantes os que lideravam a iniciativa. Tenho hoje muitíssimas
mais certezas de que não vivo numa sociedade de elites justas, sérias, adultas,
respeitadoras, antes numa espécie de ajuntamento tresloucado dominado por uma
seita alargada de charlatães que domina os órgãos de soberania, as
universidades e a comunicação social.
Mas há um último aspecto da
manifestação que devo destacar, o da associação de André Ventura ao populismo e
aquela ser a prova do mesmo, outro insulto à minha inteligência e de uma parte
(suponho que significativa) de portugueses. Quem quer tratar com dignidade as
sociedades e compreender a sua inevitável complexidade e diversidades tem
necessariamente de ter em conta que, do indivíduo ao coletivo, o ser humano
define-se por ser um sujeito pensante.
Existem, no entanto, uns
quantos espertos (nem merecem o vocábulo de iluminados) cujo
cérebro apenas lhes permite ver a árvore do pensamento e
incapacita-os de verem a floresta do pensamento. Quem não
percebe que ambas existem é um sujeito necessariamente disfuncional. As atuais
elites pensantes portuguesas são quase só isso.
A árvore é o
pensador individual, o intelectual, o acadêmico, o filósofo, o escritor, o
ensaísta, por aí adiante. São aqueles indivíduos que traduzem o seu pensamento
em livros. Quem só enxerga a árvore do pensamento nunca conseguirá
perceber a dignidade intelectual e cultural de um movimento social e político
que não seja parido por uma elite de notáveis, e tudo que exista
para além dessa gênese é populismo. Essa limitação mental tem sido,
justamente, a desgraça que arrastamos desde o século XX, guiados por uma
esquerda que, ao mesmo tempo que alega representar o povo, impõe a esse mesmo
povo as suas utopias de cima para baixo, das elites intelectuais e
políticas para as pessoas comuns, gerando disfuncionalidades institucionais e
sociais que se tornaram desastrosas. Essa esquerda nunca permitiu uma
contrarresposta de baixo para cima, das sensibilidades sociais
comuns para as elites institucionais, que equilibrasse o pensamento e, através
dele, os sistemas sociais e políticos.
Há, por isso, a floresta do
pensamento, o pensamento produzido pelas sociedades na sua autonomia, sendo que
as sociedades se definem por nunca passarem por estados de repouso mental,
estão em reinvenção permanente. Quem não percebe que esta é a outra metade
fundamental do que chamamos pensamento, e que em Portugal anda entregue a si
mesma há quatro décadas, não entende quase nada.
No decurso das relações
quotidianas que os indivíduos estabelecem entre si produzem um pensamento
genuíno, autônomo do pensamento individual, isto é, ou as sociedades enquanto
coletivos pensam ou não são sociedades. É o que o psicólogo social Serge
Moscovici chamou representações sociais, sinônimo de pensamento
social. Não irei explicitar os detalhes teóricos da questão. Apenas
sublinhar que esse pensamento social gera fenômenos sociais e políticos
fundamentais que ganham expressão quando alguém consegue ter a fina
sensibilidade de compreendê-los e, depois, a partir da clarificação dos seus
núcleos fundamentais (o que Serge Moscovici e Georges Vignaux designam
por themata) permitir que esses assuntos assumam fórmulas
institucionais, isto é, uma existência social visível em defesa legítima de
determinados interesses e sensibilidades sociais.
O suporte teórico, ideológico
ou programático traduzido a escrito deste tipo de movimentos sustentados pelo
pensamento social, para ser genuíno, vai-se constituindo com o tempo, é sempre
posterior ao início do próprio movimento social ou político. É esse o caminho
que André Ventura e o Chega estão a renovar e não se resolve com uma
conferência, um seminário universitário, um estalar de dedos.
Não se trata de um movimento
frívolo que se vá esfrangalhar ao virar da esquina justamente porque assenta em
princípios morais sólidos. O valor supremo da autorresponsabilidade individual
e coletiva contra a vitimização está presente, por isso a manifestação decorreu
como decorreu, o que é particularmente evidente na recusa ostensiva do Chega da
existência de diferenças de tratamento, nos deveres e direitos, entre maioria
branca e minorias raciais, princípio que depois se pode replicar na justiça, no
ensino, nas finanças, na administração pública, por aí adiante.
Os princípios morais estão também presentes num compromisso sólido com a democracia e, na manifestação de sábado, não detectei um sinal, ínfimo que fosse, de sinal contrário. Ou eu sou mentiroso ou é mentiroso quem diz ou insinua o contrário de André Ventura e do Chega. De resto, as fotografias na imprensa com a suposta saudação nazi do líder do movimento, André Ventura, são de tal modo abjetas que legitimam todo e mais algum palavrão dirigido aos órgãos de comunicação social que as publicaram.
Os princípios morais estão também presentes num compromisso sólido com a democracia e, na manifestação de sábado, não detectei um sinal, ínfimo que fosse, de sinal contrário. Ou eu sou mentiroso ou é mentiroso quem diz ou insinua o contrário de André Ventura e do Chega. De resto, as fotografias na imprensa com a suposta saudação nazi do líder do movimento, André Ventura, são de tal modo abjetas que legitimam todo e mais algum palavrão dirigido aos órgãos de comunicação social que as publicaram.
Ainda no domínio moral, na
manifestação ou fora dela, de forma latente ou manifesta, explícita ou implícita,
não vi nada que sugira, instigue ou defenda a violência. Aqueles que o fazem
acuso-os, com toda a frontalidade, de reles e abjetos mentirosos. Aliás, é
quase só isso que sabem fazer. Todos temos o direito de reclamar ou exigir
dignidade para terceiros quando a mesma é tão abjeta e violentamente
atropelada!
Depois, acadêmicos, imprensa e
aliados que quase só existem para salvar a voz do dono, inventam insinuações
como E quem são os intelectuais que estão com o Chega? Qual é a massa
crítica? Seja quem for, rogo para jamais serem os mesmos intelectuais e massa
crítica que produziu uma desgraça mental chamada Partido Socialista
que apodreceu desta forma a sociedade portuguesa. Por exemplo, não vi nada de
intelectualmente recomendável em Eduardo Lourenço, a não ser o desprezo
humilhante por quem veio do antigo Ultramar e uma grave patologia na relação
com o tempo histórico que situa os seus raciocínios d’O Labirinto da Saudade num
nível infantil. Os demais são metástases.
Título e Texto: Gabriel Mithá
Ribeiro, Observador,
29-6-2020, 0h05
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-