Aparecido Raimundo de Souza
FERÍ MEUS OLHOS de tanto espiar a solidão áspera e hostil em minha volta, como também
meus pés, que se cansaram de caminhar por sendas calejadas de estradas sem
volta, enquanto um vazio imenso insistia em chocalhar guizos de pânico, me
levando, contra a vontade, à um ponto distante de um obscuro incerto e
tenebroso, de onde não tinha como regressar. Realmente, não me foi possível
retroceder. Em razão disso, todas as tentativas restaram fracassadas. Percebo,
entretanto, que um ponto longínquo e
perdido, insiste e sempre aparece diante de mim. Surge aleatoriamente do nada,
como escassa chama de uma extrema fronteira, de um remotado da minha vida. Algo
inóspito, além de meus confins. Engraçado: toda vez que isto ocorre, me deixa
sem fôlego e sem ar, sem saber o que fazer, ou como agir...
ATO DOIS
De repente, meu tempo fendeu-se de novo e, desta vez, de uma maneira mais
drástica. Expôs meus anos vividos à visitação de estranhos, e me deixou, à
mostra, as desgraças do meu passado. Me pego e me vejo diante de um tédio
pesado, denso enrodilhado aos farrapos de meus sonhos desfeitos e caídos por
terra. Perdido, me sinto só. Carcaça de uma alma combalida, triste e
abandonada. Sou assim, como um barco naufragado, olvidado num braço morto de
rio. Envolvido por águas turvas e paradas, apodreço meus devaneios mais
carentes no meio do tempo. E este tempo corre ligeiro, me puxa para um vazio de
dimensões tétricas... Degringola contra tudo, voa harmonioso e inexorável...
Dispara altanado, insubmisso, sem me dar uma chance de voltar atrás. De
repente, num instante inesperado, me encurrala em ínvias vielas.
ATO TRÊS
E ele, o tempo, o meu tempo, desde que me entendo por gente, sempre foi
assim. Se fez eloquentemente veloz e inexorável. Sem interrupção, continua passando. E me
levando. Me arrastando, rápido e veloz, ligeiro e sem amarras, sem que eu logre
estancar o relógio, sem que consiga interromper, por algumas frações de
segundos os ponteiros – ou, ao menos, fazer com que rodem ao avesso das
intransigências das minhas horas. Por vezes, me sinto e me vejo... Pior, me
pego entremeado a um cortejo de almas encardidas e sujas, como se meu fim
estivesse próximo. Meu chão se abre em uma cadeia de buracos enormes... Por
mais que desvie de onde devo pisar,
sinto como se caminhasse sobre ovos. Meu derradeiro momento, entretanto, se me
afigura logo ali, prestes a me
cadafalsar o pescoço na autoridade fria de um patíbulo.
ATO FINAL
Por esta razão, fantasmas iracundos cruzam por mim a todo instante. Eles
trazem os rostos encobertos e seguem irmanados em fila indiana, como se
partícipes de uma procissão de sudários mortalhados. Não contentes, estes
espectros entrelaçam as suas presenças bestiais numa alienação maçante e
insuportavelmente crochetada por milhões de fios de novelos que parecem, ou
pelo menos me dão essa impressão, de não ter começo, nem meio e tampouco fim.
Entremeado a esta demência paranóia, me ponho a chorar copiosamente. Enquanto
as lágrimas caem, rosto abaixo, penso ser um peixe fora do cardume, soldado sem
quartel, bússola sem norte. Tento levar em conta o minuto seguinte. Me agarro a
ele, de unhas e dentes, como o náufrago à tabua da salvação. Por algum motivo
volto a realidade. De nada me adianta. Uma incerteza ainda maior e medonha
persiste se levantar do nada. Para o cúmulo dos meus infortúnios, continua se
expandindo, horrivelmente se
triplicando, sobretudo, sobre tudo e
igualmente sobre todas as coisas.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito
Santo. 23-6-2020
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