Marcelo só é popular na medida em que segue
as preferências dos que supostamente o seguem a ele. Não julga, não pensa, não
avalia, não lidera. Pura e simplesmente orienta-se pelo "sentimento
popular"
Bruno Alves
Poucas coisas entusiasmam
tanto as classes conversadoras deste país como as discussões em torno de se
determinada figura política vai ou não “avançar” para uma candidatura a um
determinado lugar, e se terá ou não o apoio deste ou daquele partido. Nestas últimas
semanas, apesar da abundância de preocupações que deveriam estar no centro das
atenções de quem tem a responsabilidade e o dever de ter mais juízo, não houve
quem não se entregasse à fútil atividade de especular acerca de se Marcelo
Rebelo de Sousa se recandidata à Presidência da República (como se alguma vez
tivesse havido alguma dúvida de que o faria), e de se terá o apoio da
“direita”, da “esquerda” ou de ambas.
A dúvida, apesar de tudo, é
compreensível. Afinal, o Primeiro-Ministro António Costa, com o cinismo que lhe
é universalmente reconhecido e em alguns lugares apreciado, não perde uma
oportunidade de colar Marcelo ao seu excelso governo, e Marcelo, sempre ansioso
por se mostrar “isento” e “apenas preocupado com o bem dos portugueses”, não
desperdiça uma ocasião de se mostrar em harmonia com um governo da “esquerda”.
O que, por um lado, facilita a tarefa de Costa não se opor à candidatura
presidencial e assim livrar o seu partido de uma derrota eleitoral (aquela
gente vê a política como um jogo de futebol, em que “perder” é sempre o pior
desfecho, exceto se o que se perde for a vergonha). E por outro, causa uma
notória urticária na “direita” que se sente “traída” ao não ter em Belém o
chefe partidário que, por razões impossíveis de conceber racionalmente,
esperava ter para suprir a falta de apoio eleitoral que os seus partidos têm
conseguido. Só assim se compreende que ninguém se espante com a possibilidade
do PS apoiar Marcelo ou se abster se apresentar um concorrente, e que para os
lados do PSD e do CDS – ou até aqui no Observador – se sinta a necessidade de
argumentar a favor do apoio a Marcelo, e a que não se ceda à tentação de apoiar
uma qualquer candidatura alternativa, das mais louváveis (como a do Adolfo
Mesquita Nunes) às mais desprezíveis (como a de um conhecido ex-porta-voz
televisivo de um clube de futebol com aspirações a tiranete), passando pelas
mais inacreditáveis (como a de André Dias, semi-célebre por argumentar que a
Covid-19 não era um problema grave).
Só assim se compreende, mas
não se devia compreender. Se “direita” e “esquerda” fazem a sua avaliação do
presidente Marcelo em função da sua relação com o Governo – a “direita”
sentindo-se tentada a repudiá-lo por estar politicamente casado com Costa, a
“esquerda” ficando enamorada por Marcelo de cada vez que este elogia o
Primeiro-Ministro – fazem mal. Ao contrário do que aparentemente tanto um lado
como o outro pensam, Marcelo não está alinhado com o Governo. Pela simples
razão de que Marcelo não está alinhado com ninguém, exceto consigo próprio e as
suas sempre transparentes ambições pessoais. A “direita” não deveria apoiar
Marcelo, pelo mesmo motivo pelo qual a “esquerda” também não o deveria fazer:
Marcelo é, foi e será um mau Presidente da República, porque está sempre
disposto a sacrificar tudo, da sua coerência ao país, passando pela dignidade das pessoas, em prol da sua popularidade.
A postura do Presidente a
propósito das comemorações do 25 de Abril e do 1º de Maio são um retrato fiel
da figura e do seu escasso carácter, inversamente proporcional ao ego que o
governa. Primeiro, aprovou o decreto que as permitiu, “nos moldes” que
permitiram a forma como tiveram lugar. Mas mal se viram sinais de alguma
comoção pública contra essa mesma forma que tomaram, logo o Presidente fez
saber que nunca fora a favor de algo “assim”, apesar de nunca o ter dito antes.
Aliás, já o mesmo se passara em 2017 com os incêndios que então infernizaram o
país: Marcelo começou por se colocar ao lado do governo de António Costa, e só
começou a fazer declarações críticas da sua atuação depois da insatisfação
pública se ter generalizado, sugerindo que só se tornou crítico da atuação do
governo de Costa por causa da insatisfação pública, e não por qualquer
avaliação dessa mesma atuação ou por convicção pessoal.
Como em tempos escrevi noutro lugar, Marcelo é uma espécie de influencer político,
que, como as jovens recentemente pós-púberes que forçam os namorados a fotografá-las para o Instagram, é um
escravo do apreço que os seus “seguidores” (os eleitores) têm por si, o que faz
com que todas as suas ações se norteiem por aquilo que a “opinião pública” vai
sentindo a cada momento. Como as influencers que em tempos
convidou para o seu Palácio, Marcelo só é popular na medida em que segue as
preferências daqueles que supostamente o seguem a ele, e como tal, toda a sua ação
política é feita a reboque do que ele vislumbra ser o “sentimento popular”. Por
outras palavras, Marcelo não julga, não pensa, não avalia, não lidera. Pura e
simplesmente, segue, e como se limita a seguir, nunca faz ou diz o que é
preciso ou justo, apenas aquilo que (lhe) convém.
É por isso que quem, como por
exemplo José Pacheco Pereira, pensa que Marcelo, uma vez liberto no segundo
mandato da necessidade de conquistar a reeleição, passará a agir segundo outros
critérios menos oportunistas, está profundamente enganado. Marcelo não se
preocupa apenas com o ser reeleito. Preocupa-se em ser popular, e a sua
popularidade continuará em jogo mesmo que uma renovação de mandato lhe esteja
constitucionalmente vedada. E como tal, Marcelo continuará a agir para os
índices de aprovação e para as “selfies”, mantendo para com tudo o resto – o
que realmente lhe deveria importar – a mesma relação que a atual segunda figura
do Estado um dia disse ter para com o segredo de Justiça.
É claro que, com ou sem o
apoio da “esquerda” ou da “direita” partidárias, Marcelo será reeleito, já que
a vasta maioria dos portugueses parece ter um injustificado arrebatamento pelo
homem e os seus hábitos, delirando de cada vez que ele se apresenta seminu numa
qualquer praia lusitana ou de além-mar. E é claro que, uma vez estando Marcelo
confrontado com uma candidatura como a do ex-porta-voz televisivo de um clube
de futebol com aspirações a tiranete (ou até como a de Ana Gomes, que mistura
preocupações meritórias com uma falta de juízo preocupante), qualquer pessoa
sensata, de “direita” ou de “esquerda”, acabará por votar nele. Mas esse será
um apoio que Marcelo não merecerá.
Título e Texto: Bruno Alves,
Observador,
15-6-2020, 0h02
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