Guilherme Fiuza
O confinamento
burro nunca organizou a população para o que realmente salva vidas: o
isolamento rigoroso dos vulneráveis e a circulação responsável dos não
vulneráveis
O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, declarou que já salvou 30 mil
vidas com sua política de enfrentamento do coronavírus. É muita vida. E diante
de uma ação tão impressionante, com resultado tão preciso, todos devem estar
querendo saber como exatamente isso se deu. Mas vão ficar querendo.
A premissa científica do prefeito, assim como a do governador João Doria
— seu sócio de lockdown —, é uma espécie de
desejo matemático. Eles montaram uma equação relacionando porcentual de
população confinada com detenção da epidemia. E pediram ao coronavírus: por
favor, não entre nas casas do nosso modelo estatístico, para podermos usar sem
culpa o confinamento como estandarte.
Infelizmente o vírus não atendeu ao apelo dos homens bons. Esses vírus
de hoje são mesmo muito rebeldes. Mas Covas continuou dizendo que seus
prisioneiros domiciliares foram imunizados por decreto, sacramentando o que
ninguém sabia: a ciência é um estado de espírito. Ou, numa literatura mais
acadêmica: a ciência é o que der na telha do falastrão mais desinibido.
Poucos adeptos do lockdown tiveram a honestidade do governador de
Nova Iorque
Sem querer tirar o Oscar de ficção científica das autoridades de São
Paulo, precisamos indagar: quantos hospitalizados com covid-19 estavam
cumprindo o isolamento? Como se sabe, em várias partes do mundo a maioria dos
internados veio do confinamento. Em Nova York, por exemplo, esse número em dado
momento chegou a 84% dos hospitalizados — somando-se os que estavam em casa e
em asilos. Poucos adeptos do lockdown tiveram
a honestidade do governador de Nova Iorque, e em geral dizem que sem confinar a
população em casa seria muito pior. Ciência é ciência.
Vamos ajudá-los a conhecer seu próprio modelo com algumas perguntas:
quando se iniciou o confinamento, que porcentual da população já infectada por
coronavírus se trancou em casa? Não sabem? OK. Então é por isso que também não
sabem — ou não querem que saibam — quantos hospitalizados vieram do
confinamento? Talvez. Mas vamos em frente: dos que se confinaram, quantos
mantiveram contato com pessoas que continuaram circulando? E, entre os que
mantiveram, quantos desses que circularam estiveram em aglomerações sem o
distanciamento requerido?
Se não puder ficar em casa, dane-se, não é
problema nosso
Continuando: que porcentual dos que cumpriram o confinamento pertence a
grupos de risco? E desses grupos, quantos fizeram isolamento total em relação
aos que continuaram circulando? Não sabem? OK, já entendemos. Vocês não sabem
nada.
E, portanto, vocês não têm a menor ideia de qual foi o percurso do
contágio dentro e fora dos domicílios, porque vocês não estudaram, não
trabalharam, não pensaram. Só falaram. Aliás, falaram sem parar. Como podem
afirmar ter salvado 30 mil vidas com lockdown se
suas estatísticas não sabem e não querem saber o que aconteceu com uma única
vida na prisão domiciliar de vocês?
O confinamento burro nunca organizou a população para o que realmente
salva vidas: o isolamento rigoroso dos vulneráveis e a circulação responsável
dos não vulneráveis. Todo mundo viu transportes públicos lotados em São Paulo
(e em outros lugares) sem nenhuma ação das autoridades para disciplinar esse
absurdo. Omissos! Qualquer um pode imaginar quantos voltaram para casa para
infectar vulneráveis que não saíam de casa — todos cumprindo regiamente o
mandamento poético “se puder, fique em casa” (e se não puder, dane-se, que não
é problema nosso).
Governantes covardes querem transformar
o lockdown místico em estandarte político
Agora estão aí os éticos de butique dizendo que a culpa foi de quem circulou.
Não, a culpa foi de quem se lixou para os que circularam — e também para os que
se enfurnaram achando que ficar em casa era seguro de vida, porque o vírus
ficaria obedientemente do lado de fora.
Os xiitas da prisão domiciliar continuam por aí esfregando notícias de
óbitos na cara dos que tentam fazer a circulação responsável. E os governantes
covardes surfam nessa patrulha para tentar transformar o lockdown místico em estandarte político.
Eles não salvaram e não salvarão ninguém. E terão problemas grandes pela
frente. Não só porque jamais demonstrarão a alegada eficácia no enfrentamento
da epidemia, como porque já está sendo tabulada a mortandade decorrente do
próprio lockdown — por doenças represadas, suicídio e
fome, entre outros flagelos. A verdade não será trancada.
Título e Texto: Guilherme Fiuza, revista Oeste, 26-6-2020, 8h46
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