Somos o novo Talibã, explodindo estátuas e
monumentos históricos, apenas com um pouco mais de “sofisticação”, agora
dizendo que é pela “igualdade e inclusão”?
Ana Paula Henkel
O famoso romance distópico de
George Orwell, 1984, não parece ser mais ficção. O mundo atravessa
dias estranhos, para não dizer bizarros, que poderiam ter saído facilmente das
páginas do livro publicado em 1949. As palavras de Orwell aumentaram em
popularidade nos últimos anos, e por uma simples razão: as sociedades modernas
estão se tornando cada vez mais parecidas com o que foi descrito na obra do
autor, seja na vigilância em massa, no uso incessante de propaganda, na guerra
cultural perpétua ou no culto à personalidade que cerca líderes políticos e
ativistas. O romance de Orwell é presciente de várias maneiras.
Obviamente, o Ocidente
permanece muito mais livre do que a sociedade descrita em 1984. Mas
fica cada dia mais claro que os sintomas da atual sociedade já mostram um tipo
de totalitarismo que ele satirizou no romance. O que seria apenas encontrado
nas distópicas páginas orwellianas agora parece mais próximo da realidade do
que imaginávamos. Se pararmos para pensar, é assustador ler o que Orwell
escreveu há mais de setenta anos, como se profetizasse os tempos atuais: “Quem
controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o
passado”.
A epidemia da covid-19, o
confinamento em massa em todo o mundo, os protestos nos Estados Unidos com
saques, tumultos e incêndios criminosos que se seguiram ao assassinato de
George Floyd e a campanha de demonização da polícia resultaram em armas
poderosas para que a esquerda encenasse a mais nova revolução cultural.
Estátuas estão sendo derrubadas, revisionismos históricos estão em curso e a
ditadura do pensamento das páginas de 1984 parece ter saído do
papel: “Todos os livros foram reescritos, todas as imagens foram repintadas,
todas as estátuas, ruas e edifícios foram renomeados, todas as datas foram
alteradas. A história parou”.
Os novos revolucionários jacobinos tentam amordaçar quem ousa
questionar os “fatos”
Para reescrever o curso da
sociedade e dominar, incendiários incitaram a violência e destruíram pequenas
empresas de propriedade de negros. Tudo em nome do Black Lives Matter, das
“vidas negras”. É mais um capítulo na agenda na nova revolução. E não se
assuste ao folhear 1984 e encontrar a “receita” para tal
passo: “O ato essencial da guerra é a destruição, não necessariamente de vidas
humanas, mas dos produtos do trabalho humano. A guerra é uma forma de
despedaçar, de projetar para a estratosfera ou de afundar nas profundezas do
mar materiais que, não fosse isso, poderiam ser usados para conferir conforto
excessivo às massas e, em consequência, a longo prazo, torná-las inteligentes
demais”.
Nesta semana, mais uma vez, a
tentativa de amordaçar quem ousa questionar os “fatos” dos novos
revolucionários jacobinos, das ruas e das redes sociais, foi posta em prática.
Durante o fim de semana esportivo norte-americano, que aos poucos volta à vida
normal, vimos um evento digno das páginas orwellianas. Um membro da equipe do
piloto negro de corrida de carros Bubba Wallace, que participa da Nascar,
comunicou à organização do evento no Alabama, onde competia, que uma “forca”
havia sido encontrada na garagem designada ao piloto. Wallace, que apoia
abertamente o grupo ativista Black Lives Matter, e que, inclusive, chegou a
pintar o nome da organização em seu carro, disse em uma entrevista que sua
equipe havia descoberto a corda que estava amarrada na porta da garagem como
uma forca, e que aquilo claramente era uma “mensagem” de ódio e racismo ao
piloto.
Imediatamente, o caso
viralizou e tornou-se manchete em todo o país. Quem teria colocado uma “forca”
na garagem de um piloto negro, fazendo alguma alusão macabra aos tempos de
segregação racial na América? Acionado, o FBI designou quinze agentes para
investigar o caso de crime de ódio. Antes da corrida, uma passeata na própria
pista foi feita com Bubba Wallace chorando em seu carro, empurrado por todos os
outros competidores numa demonstração contra o racismo.
O mal consegue esconder-se no discurso dos radicais antirracismo
Alguns fãs e membros da
imprensa, no entanto, apesar do apoio às manifestações de solidariedade ao
piloto, levantaram questionamentos pertinentes, já que não estava claro se uma
“forca” havia sido colocada propositadamente para ofender ou intimidar Bubba, o
único piloto negro da Nascar. Quem ousou pedir prudência até que as
investigações fossem concluídas foi imediatamente tachado de racista. Calorosos
debates sobre a suposta forca tomaram conta do noticiário por dois dias, com
inflamados discursos sobre o “racismo sistêmico da polícia”, mesmo que os
números do Departamento de Justiça dos Estados Unidos não mostrem isso.
Exibindo as imagens de dezenas
de pilotos brancos apoiando e abraçando Bubba Wallace, grandes canais de TV,
como CNN e MSNBC, levaram ao ar discussões alimentadas por seus âncoras negros,
que ganham salários astronômicos, de como a América — que elegeu um presidente
negro por dois mandatos — é racista.
Na terça-feira, o FBI
concluiu, por meio de análises de vídeos, fotografias e depoimentos, que a
suposta forca era, na verdade, uma corda fixada à porta da garagem para que ela
pudesse ser fechada. O caso foi encerrado sem que acusações federais de crime
de ódio fossem apresentadas, uma vez que havia provas concretas de que a corda
com um laço suspenso estava no espaço desde outubro de 2019, o que significava
que Wallace não poderia ter sido alvo de crime de ódio.
É justo discutir o racismo,
que está presente na sociedade em relação a várias etnias, e buscar
denominadores que exponham o verdadeiro mal que ele pode causar. Mas, se todos
que levantam questões pertinentes ao debate são tachados de racistas, ninguém
é. E a maravilha para algozes acontece: se todos são racistas, nazistas ou
fascistas, ninguém é. É exatamente nesse discurso que o mal consegue se
esconder.
Adolescentes têm postado vídeos acusando os pais de racismo por não os
deixarem ir às manifestações do Black Lives Matter
Já podemos testemunhar que as
garras distópicas de 1984 estão mais perto do que sonhamos —
ou desejamos —, saindo da ficção e emaranhando-se em nosso cotidiano. Exemplos
não faltam, como o que aconteceu comigo há duas semanas e que, tenho certeza,
acontece com quase todos os liberais e conservadores que cometem a ousadia de
apresentar dados oficiais ou externar suas preferências políticas sem prévia
consulta a qualquer comissariado ideológico.
James Bennet, ex-editor sênior
do esquerdista The New York Times, foi recentemente
“cancelado” pelo novo “Ministério da Verdade” do próprio jornal por permitir a
liberdade de expressão em suas páginas editoriais. Seus próprios funcionários
mais jovens, que afirmaram ser mais éticos, assim como outros jornalistas da
empresa, condenaram Bennet por permitir que a opinião de um senador republicano
fosse publicada. Bennet renunciou ao cargo na mesma semana.
Já é normal encontrar na
internet vídeos de adolescentes gritando de maneira cruel que seus pais são
racistas por não deixarem os filhos ir às manifestações do Black Lives Matter.
Profissionais de várias áreas já se ajoelharam para reconhecer seus supostos
pecados racistas em confessionários de massa do tipo maoísta. A National Public
Radio, uma organização de mídia sem fins lucrativos, com financiamento público
e privado e conteúdo distribuído por mais de mil emissoras públicas de rádio
nos Estados Unidos, pediu aos ouvintes que “descolonizassem” suas estantes de
livros e jogassem fora tudo aquilo que remetesse a uma era racista.
Demonstrações de patriotismo são interditadas pela “cultura do
cancelamento”
A Liga de Futebol Americano
afirma que errou na temporada do ano passado ao pedir que os jogadores não se
ajoelhassem em protesto à execução do hino nacional, mesmo com números que
mostram que os protestos durante o hino afundaram as vendas na televisão e
reduziram a audiência. O quarterback Drew Brees, do time do
New Orleans, havia declarado que gostaria que a bandeira e o hino fossem
respeitados e não concordava com o ato de ajoelharem em protesto. Um dia após
sua declaração, com tantos dedos da “cultura do cancelamento” apontados para
ele, voltou atrás e pediu desculpas por seu patriotismo — como se tivesse sido
reprogramado em um campo de reeducação. Drew já está em seu quarto pedido de
desculpas.
O que está acontecendo? E por
que o catatônico silêncio diante de tudo isso?
Até quando assistiremos a
sociedade se transformar na União Soviética da década de 1930, quando a foto de
Trotsky foi removida de todos os lugares? Ou quando os nazistas renomearam
1932/1933 como “Ano Zero”? Somos o novo Talibã, explodindo estátuas e
monumentos históricos, apenas com um pouco mais de “sofisticação”, agora
dizendo que é pela “igualdade e inclusão”?
Temos o direito de dizer às pessoas aquilo que elas não querem escutar
O livro de George Orwell, por
mais distópico que seja, é um despertador em nossos ouvidos. Em algum momento
teremos de acordar. É uma visão nebulosa do futuro, mas uma visão que parece se
tornar mais verdadeira a cada dia. Da vigilância do governo aos cidadãos, dos
atos inconstitucionais de tribunais que deveriam proteger a Constituição, da mídia
influenciando o pensamento público e tentando calar aqueles que divergem dos
novos donos das guilhotinas.
O momento para os que se
inspiram na coragem de homens e mulheres do passado, e que prezam pela defesa
da liberdade — não apenas a minha e a sua, mas a de nossos filhos e netos —,
não é de silêncio diante da intimidação. O conforto do silêncio e do aplauso
fácil é tentador diante do escudo da aceitação e da falsa proteção do
coletivismo. As palavras da obra de Orwell são um alerta: “Poder é infligir dor
e humilhação. Poder é estraçalhar a mente humana e depois juntar outra vez os
pedaços, dando-lhes a forma que você quiser”. Que nova forma nos será dada?
Enquanto catástrofes naturais
ou provocadas pelo homem continuam, vemos a natureza humana crua despida de
suas pretensões. Muitos resultados, expostos pela história sem filtros ou
revisionismos, não são agradáveis. E o próprio Orwell resume: “Se liberdade
significa alguma coisa, ela significa o direito de dizer às pessoas aquilo que
elas não querem escutar”.
Título e Texto: Ana Paula
Henkel, revista Oeste,
26-6-2020, 8h47
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