segunda-feira, 29 de junho de 2020

O mundo em transe

Somos o novo Talibã, explodindo estátuas e monumentos históricos, apenas com um pouco mais de “sofisticação”, agora dizendo que é pela “igualdade e inclusão”?


Ana Paula Henkel

O famoso romance distópico de George Orwell, 1984, não parece ser mais ficção. O mundo atravessa dias estranhos, para não dizer bizarros, que poderiam ter saído facilmente das páginas do livro publicado em 1949. As palavras de Orwell aumentaram em popularidade nos últimos anos, e por uma simples razão: as sociedades modernas estão se tornando cada vez mais parecidas com o que foi descrito na obra do autor, seja na vigilância em massa, no uso incessante de propaganda, na guerra cultural perpétua ou no culto à personalidade que cerca líderes políticos e ativistas. O romance de Orwell é presciente de várias maneiras.

Obviamente, o Ocidente permanece muito mais livre do que a sociedade descrita em 1984. Mas fica cada dia mais claro que os sintomas da atual sociedade já mostram um tipo de totalitarismo que ele satirizou no romance. O que seria apenas encontrado nas distópicas páginas orwellianas agora parece mais próximo da realidade do que imaginávamos. Se pararmos para pensar, é assustador ler o que Orwell escreveu há mais de setenta anos, como se profetizasse os tempos atuais: “Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado”.

A epidemia da covid-19, o confinamento em massa em todo o mundo, os protestos nos Estados Unidos com saques, tumultos e incêndios criminosos que se seguiram ao assassinato de George Floyd e a campanha de demonização da polícia resultaram em armas poderosas para que a esquerda encenasse a mais nova revolução cultural. Estátuas estão sendo derrubadas, revisionismos históricos estão em curso e a ditadura do pensamento das páginas de 1984 parece ter saído do papel: “Todos os livros foram reescritos, todas as imagens foram repintadas, todas as estátuas, ruas e edifícios foram renomeados, todas as datas foram alteradas. A história parou”.

Os novos revolucionários jacobinos tentam amordaçar quem ousa questionar os “fatos”

Para reescrever o curso da sociedade e dominar, incendiários incitaram a violência e destruíram pequenas empresas de propriedade de negros. Tudo em nome do Black Lives Matter, das “vidas negras”. É mais um capítulo na agenda na nova revolução. E não se assuste ao folhear 1984 e encontrar a “receita” para tal passo: “O ato essencial da guerra é a destruição, não necessariamente de vidas humanas, mas dos produtos do trabalho humano. A guerra é uma forma de despedaçar, de projetar para a estratosfera ou de afundar nas profundezas do mar materiais que, não fosse isso, poderiam ser usados para conferir conforto excessivo às massas e, em consequência, a longo prazo, torná-las inteligentes demais”.

Nesta semana, mais uma vez, a tentativa de amordaçar quem ousa questionar os “fatos” dos novos revolucionários jacobinos, das ruas e das redes sociais, foi posta em prática. Durante o fim de semana esportivo norte-americano, que aos poucos volta à vida normal, vimos um evento digno das páginas orwellianas. Um membro da equipe do piloto negro de corrida de carros Bubba Wallace, que participa da Nascar, comunicou à organização do evento no Alabama, onde competia, que uma “forca” havia sido encontrada na garagem designada ao piloto. Wallace, que apoia abertamente o grupo ativista Black Lives Matter, e que, inclusive, chegou a pintar o nome da organização em seu carro, disse em uma entrevista que sua equipe havia descoberto a corda que estava amarrada na porta da garagem como uma forca, e que aquilo claramente era uma “mensagem” de ódio e racismo ao piloto.

Imediatamente, o caso viralizou e tornou-se manchete em todo o país. Quem teria colocado uma “forca” na garagem de um piloto negro, fazendo alguma alusão macabra aos tempos de segregação racial na América? Acionado, o FBI designou quinze agentes para investigar o caso de crime de ódio. Antes da corrida, uma passeata na própria pista foi feita com Bubba Wallace chorando em seu carro, empurrado por todos os outros competidores numa demonstração contra o racismo.

O mal consegue esconder-se no discurso dos radicais antirracismo

Alguns fãs e membros da imprensa, no entanto, apesar do apoio às manifestações de solidariedade ao piloto, levantaram questionamentos pertinentes, já que não estava claro se uma “forca” havia sido colocada propositadamente para ofender ou intimidar Bubba, o único piloto negro da Nascar. Quem ousou pedir prudência até que as investigações fossem concluídas foi imediatamente tachado de racista. Calorosos debates sobre a suposta forca tomaram conta do noticiário por dois dias, com inflamados discursos sobre o “racismo sistêmico da polícia”, mesmo que os números do Departamento de Justiça dos Estados Unidos não mostrem isso.

Exibindo as imagens de dezenas de pilotos brancos apoiando e abraçando Bubba Wallace, grandes canais de TV, como CNN e MSNBC, levaram ao ar discussões alimentadas por seus âncoras negros, que ganham salários astronômicos, de como a América — que elegeu um presidente negro por dois mandatos — é racista.

Na terça-feira, o FBI concluiu, por meio de análises de vídeos, fotografias e depoimentos, que a suposta forca era, na verdade, uma corda fixada à porta da garagem para que ela pudesse ser fechada. O caso foi encerrado sem que acusações federais de crime de ódio fossem apresentadas, uma vez que havia provas concretas de que a corda com um laço suspenso estava no espaço desde outubro de 2019, o que significava que Wallace não poderia ter sido alvo de crime de ódio.

É justo discutir o racismo, que está presente na sociedade em relação a várias etnias, e buscar denominadores que exponham o verdadeiro mal que ele pode causar. Mas, se todos que levantam questões pertinentes ao debate são tachados de racistas, ninguém é. E a maravilha para algozes acontece: se todos são racistas, nazistas ou fascistas, ninguém é. É exatamente nesse discurso que o mal consegue se esconder.

Adolescentes têm postado vídeos acusando os pais de racismo por não os deixarem ir às manifestações do Black Lives Matter

Já podemos testemunhar que as garras distópicas de 1984 estão mais perto do que sonhamos — ou desejamos —, saindo da ficção e emaranhando-se em nosso cotidiano. Exemplos não faltam, como o que aconteceu comigo há duas semanas e que, tenho certeza, acontece com quase todos os liberais e conservadores que cometem a ousadia de apresentar dados oficiais ou externar suas preferências políticas sem prévia consulta a qualquer comissariado ideológico.


James Bennet, ex-editor sênior do esquerdista The New York Times, foi recentemente “cancelado” pelo novo “Ministério da Verdade” do próprio jornal por permitir a liberdade de expressão em suas páginas editoriais. Seus próprios funcionários mais jovens, que afirmaram ser mais éticos, assim como outros jornalistas da empresa, condenaram Bennet por permitir que a opinião de um senador republicano fosse publicada. Bennet renunciou ao cargo na mesma semana.

Já é normal encontrar na internet vídeos de adolescentes gritando de maneira cruel que seus pais são racistas por não deixarem os filhos ir às manifestações do Black Lives Matter. Profissionais de várias áreas já se ajoelharam para reconhecer seus supostos pecados racistas em confessionários de massa do tipo maoísta. A National Public Radio, uma organização de mídia sem fins lucrativos, com financiamento público e privado e conteúdo distribuído por mais de mil emissoras públicas de rádio nos Estados Unidos, pediu aos ouvintes que “descolonizassem” suas estantes de livros e jogassem fora tudo aquilo que remetesse a uma era racista.

Demonstrações de patriotismo são interditadas pela “cultura do cancelamento”

A Liga de Futebol Americano afirma que errou na temporada do ano passado ao pedir que os jogadores não se ajoelhassem em protesto à execução do hino nacional, mesmo com números que mostram que os protestos durante o hino afundaram as vendas na televisão e reduziram a audiência. O quarterback Drew Brees, do time do New Orleans, havia declarado que gostaria que a bandeira e o hino fossem respeitados e não concordava com o ato de ajoelharem em protesto. Um dia após sua declaração, com tantos dedos da “cultura do cancelamento” apontados para ele, voltou atrás e pediu desculpas por seu patriotismo — como se tivesse sido reprogramado em um campo de reeducação. Drew já está em seu quarto pedido de desculpas.

O que está acontecendo? E por que o catatônico silêncio diante de tudo isso?

Até quando assistiremos a sociedade se transformar na União Soviética da década de 1930, quando a foto de Trotsky foi removida de todos os lugares? Ou quando os nazistas renomearam 1932/1933 como “Ano Zero”? Somos o novo Talibã, explodindo estátuas e monumentos históricos, apenas com um pouco mais de “sofisticação”, agora dizendo que é pela “igualdade e inclusão”?

Temos o direito de dizer às pessoas aquilo que elas não querem escutar

O livro de George Orwell, por mais distópico que seja, é um despertador em nossos ouvidos. Em algum momento teremos de acordar. É uma visão nebulosa do futuro, mas uma visão que parece se tornar mais verdadeira a cada dia. Da vigilância do governo aos cidadãos, dos atos inconstitucionais de tribunais que deveriam proteger a Constituição, da mídia influenciando o pensamento público e tentando calar aqueles que divergem dos novos donos das guilhotinas.

O momento para os que se inspiram na coragem de homens e mulheres do passado, e que prezam pela defesa da liberdade — não apenas a minha e a sua, mas a de nossos filhos e netos —, não é de silêncio diante da intimidação. O conforto do silêncio e do aplauso fácil é tentador diante do escudo da aceitação e da falsa proteção do coletivismo. As palavras da obra de Orwell são um alerta: “Poder é infligir dor e humilhação. Poder é estraçalhar a mente humana e depois juntar outra vez os pedaços, dando-lhes a forma que você quiser”. Que nova forma nos será dada?

Enquanto catástrofes naturais ou provocadas pelo homem continuam, vemos a natureza humana crua despida de suas pretensões. Muitos resultados, expostos pela história sem filtros ou revisionismos, não são agradáveis. E o próprio Orwell resume: “Se liberdade significa alguma coisa, ela significa o direito de dizer às pessoas aquilo que elas não querem escutar”.
Título e Texto: Ana Paula Henkel, revista Oeste, 26-6-2020, 8h47 

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