domingo, 21 de junho de 2020

O ataque injusto à polícia norte-americana

Demonizar as corporações policiais, compostas em sua maioria de gente qualificada e de bem, é ser cúmplice de atos terroristas e covardes

Ana Paula Henkel


Depois dos protestos violentos pelas grandes cidades norte-americanas, iniciados logo após a morte de George Floyd, o último fim de semana trouxe mais um componente para a tensa guerra racial nos Estados Unidos, empurrada com narrativas vis por grupos ativistas e terroristas como Black Lives Matter e Antifa. Na última sexta-feira, em Atlanta, Geórgia, um homem negro chamado Rayshard Brooks adormeceu em seu carro na fila do drive-thru de um restaurante de uma cadeia de fast-food. O carro de Brooks bloqueava o tráfego e ele parecia desmaiado. Os empregados do estabelecimento, então, chamaram a polícia. Logo que chegaram ao local, os policiais encontram Brooks e, depois de acordá-lo, seguiram um longo protocolo de perguntas e aplicaram um teste de bafômetro. Foi constatado então que Brooks estava bêbado, com altos níveis de álcool no organismo, e os agentes lhe deram voz de prisão. Os minutos seguintes, filmados pelas câmeras no uniforme dos policiais, são chocantes.

O vídeo mostra que, assim que um policial destrava as algemas e pede que Brooks se vire, este reage e começa a lutar com os policiais. Em meio à luta no chão do estacionamento, Brooks consegue pegar uma das armas de choque elétrico de um policial enquanto o outro grita para que ele não reaja. Outro vídeo, de uma câmera de vigilância, mostra o motorista bêbado fugindo com a arma de choque elétrico, quando decide apontá-la para um dos policiais e efetuar um disparo. O disparo acerta o policial, que consegue sacar sua arma de fogo do coldre e atirar em Brooks. Diante dos ferimentos do motorista, uma ambulância é chamada, e um dos policiais fica ao lado de Brooks e lhe pede que respire enquanto executa uma massagem cardíaca. Segundo investigadores, Brooks foi levado com vida para um hospital local, mas não resistiu aos ferimentos à bala e faleceu após uma cirurgia de emergência.

Acredito não ser necessário dizer que, depois desse evento, mais combustível foi colocado na fogueira do “racismo sistêmico policial” e que Rayshard Brooks morreu apenas por ser negro. Obviamente, membros da grande mídia norte-americana, ou assessores do Partido Democrata e grupos políticos, imediatamente iniciaram o mantra dito por dez entre dez pagadores de pedágio ideológico de movimentos coletivistas de que Brooks foi mais uma vítima da brutal e despreparada polícia racista norte-americana. O que aconteceu com Rayshard Brooks poderia ter sido evitado? Talvez. O fato é que Brooks, com algumas passagens pela polícia, entre elas violência doméstica contra sua esposa e seus filhos, virou um mártir do dia para a noite por puro uso político.

Os movimentos exigem o corte parcial ou total do orçamento para as corporações policiais em todo o país

Na quarta-feira, o promotor Paul Howard, do condado de Fulton, anunciou as acusações de homicídio culposo contra o ex-policial Garrett Rolfe — demitido no sábado, menos de 24 horas depois do incidente. Rolfe agora enfrentará 11 acusações no total, podendo ser sentenciado à morte se condenado. O mesmo promotor disse há duas semanas que, no Estado da Geórgia, armas de choque elétrico são consideradas letais e que policiais não deviam usá-las. Mas contra policiais elas não são letais?

O que aconteceu em Atlanta, algumas semanas depois que George Floyd foi morto durante uma prisão em Minneapolis, após a ação de um policial despreparado e vil, alimenta mais ainda os protestos pelo país que pedem a reforma da polícia. Os movimentos exigem o corte parcial ou total do orçamento para as corporações policiais em todo o país. Em um momento bizarro da humanidade, no qual parece não haver mais espaço para debates justos e pertinentes, com dados e estatísticas, os “tolerantes” que queimaram o restaurante da cadeia de fast-food que chamou a polícia para Brooks, que atacam estátuas e monumentos, que veneram e aplicam a “cultura do cancelamento” a quem tem opiniões divergentes, talvez comecem a sentir o peso do cancelamento da vida real. As consequências da violência que destrói bairros inteiros e demoniza todos os policiais em nome do ódio do bem começam a aparecer.

Na noite da última quarta-feira, dia 17 de junho, em protesto contra as acusações ao policial Garret Rolfe, algumas delegacias de Atlanta decidiram não atender aos chamados da população. Horas depois que o promotor do condado de Fulton formalizou a denúncia contra Rolfe, vários policiais de Atlanta “ficaram doentes” (blue flu) pouco antes da mudança de turno na madrugada e não foram trabalhar. A cidade lutou para cobrir as ausências, enquanto o Departamento de Polícia de Atlanta tentava conter os boatos de uma paralisação policial em massa que se espalhou rapidamente nas mídias sociais. Ainda não está claro quantos oficiais se recusaram a comparecer ao turno da noite de quarta-feira e parte da quinta-feira. O departamento de polícia se recusa a responder a perguntas específicas sobre o não comparecimento ou uma possível paralisação. A prefeita democrata de Atlanta, Keisha Bottoms, pediu que os policiais “honrassem” seus postos.

Policiais se tornam menos proativos por medo de que suas ações sejam sempre questionadas por superiores e pelo público

Mas há muito mais por trás desse movimento orgânico dos policiais de Atlanta, que representa o sentimento de muitos e pode inspirar outros distritos e delegacias pelo país. A morte de um adolescente negro no subúrbio de St. Louis, em Ferguson, em 2014, envolveu a questão racial, o uso da força pela polícia e as interações dos policiais em comunidades onde os índices de criminalidade são altos. Protestos também explodiram por todo o país na época, e, desde então, policiais e formuladores de políticas do departamento debatem o impacto do chamado “efeito Ferguson” — quando os policiais se tornam menos proativos no policiamento por medo de que suas ações sejam sempre questionadas por superiores e pelo público.

Uma pesquisa de âmbito nacional de 2017 do Pew Research Center — que analisou a opinião de 8 mil oficiais — constatou que o “efeito Ferguson” aumentou depois de uma série de encontros letais entre policiais e suspeitos afro-americanos. Os incidentes dessa natureza são exceções, mas estimularam protestos públicos também violentos e abriram graves feridas entre a polícia e algumas minorias nessas comunidades.

Os números da pesquisa mostram sérios índices que podem acarretar a diminuição do policiamento em áreas onde ele se faz mais necessário. Números podem ser chatos, eu sei, mas não escondem a realidade (“Fatos são coisas teimosas…”) que é preciso ser apresentada no debate honesto. Eles falam, com grande expressão, o que pode significar o “efeito Ferguson”, prejudicial para as corporações, mas muito pior para os que podem ficar sem proteção. Vamos lá:

·         93% dos policiais estão mais preocupados com sua segurança.
·         76% estão relutantes em usar a força mesmo quando ela é necessária.
·         75% disseram que as interações entre policiais e negros se tornaram mais tensas.
·         72% declararam estar menos dispostos a parar e questionar pessoas suspeitas.

Estamos diante de uma nova cultura revolucionária em que tudo pode imperar, menos a lógica

A pesquisa, realizada em 54 departamentos policiais, aconteceu um ano depois que várias grandes cidades — incluindo Chicago, Indianapolis, Memphis e San Antonio — enfrentaram aumento nas taxas de homicídios. Em meio ao significativo crescimento dessas taxas, o FBI sugeriu que o aumento de crimes violentos em algumas cidades poderia ser o resultado de uma abordagem menos agressiva da aplicação da lei, diante do aumento do escrutínio público e da demonização dos policiais.

No caso do incidente de Atlanta, não importa quantas vezes assistimos ao vídeo e constatamos a conduta correta e protocolar dos policiais — diferentemente do caso de Minneapolis. Ainda assim, sempre veremos uma tragédia, pois um homem perdeu a vida. Mas a pergunta, no entanto, é: foi homicídio doloso? Racismo? O que teria acontecido a qualquer um de nós, independentemente da cor de nossa pele ou da etnia, se tivéssemos arrancado das mãos de um policial sua arma de choque e atirado contra ele? E aqui sabemos que há uma grande chance de a resposta ser que “talvez estivéssemos mortos”.

Escrevemos, debatemos, trazemos números e fatos, mas a sensação é que nada disso importa mais em um mundo onde narrativas ganham mais força que a verdade. A sensação é que já estamos além disso, estamos diante de uma nova cultura revolucionária em que tudo pode imperar, menos a lógica.

Fica cada dia mais óbvio que o que está em curso tem muito pouco a ver com George Floyd ou Rayshard Brooks. Pautas legítimas que envolvem o debate sobre políticas públicas, negros, mulheres ou minorias foram sequestradas pela turba sedenta de sangue para que uma revolução entre em curso. E, depois que os novos jacobinos enforcarem o último pecador das dívidas históricas nas vestes do último policial, quem servirá à sociedade e aplicará a lei e a ordem? Quanto tempo contaremos até que policiais passem a responder pelo telefone “sinto muito, não vamos mandar ninguém até o local porque isso pode pôr a própria polícia em risco”?

Podemos discutir várias maneiras de sempre colaborarmos para a melhora da corporação policial, que, como qualquer outra, não é perfeita. É nosso dever apontar erros e cobrar justiça para os maus policiais. Mas demonizar quem põe a vida em risco todos os dias para nos proteger e servir — a grande maioria das corporações policiais é composta de gente qualificada e de bem — é ser cúmplice de atos terroristas e covardes. É colaborar com o fogo nas comunidades que mais precisam desses bravos homens e mulheres que vestem azul.
Título e Texto: Ana Paula Henkel, revista Oeste, 19-6-2020, 9h55

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