Demonizar as corporações policiais,
compostas em sua maioria de gente qualificada e de bem, é ser cúmplice de atos
terroristas e covardes
Ana Paula Henkel
Depois dos protestos violentos
pelas grandes cidades norte-americanas, iniciados logo após a morte de George
Floyd, o último fim de semana trouxe mais um componente para a tensa guerra
racial nos Estados Unidos, empurrada com narrativas vis por grupos ativistas e
terroristas como Black Lives Matter e Antifa. Na última sexta-feira, em
Atlanta, Geórgia, um homem negro chamado Rayshard Brooks adormeceu em seu carro
na fila do drive-thru de um restaurante de uma cadeia de fast-food.
O carro de Brooks bloqueava o tráfego e ele parecia desmaiado. Os empregados do
estabelecimento, então, chamaram a polícia. Logo que chegaram ao local, os
policiais encontram Brooks e, depois de acordá-lo, seguiram um longo protocolo
de perguntas e aplicaram um teste de bafômetro. Foi constatado então que Brooks
estava bêbado, com altos níveis de álcool no organismo, e os agentes lhe deram
voz de prisão. Os minutos seguintes, filmados pelas câmeras no uniforme dos
policiais, são chocantes.
O vídeo mostra que, assim que
um policial destrava as algemas e pede que Brooks se vire, este reage e começa
a lutar com os policiais. Em meio à luta no chão do estacionamento, Brooks
consegue pegar uma das armas de choque elétrico de um policial enquanto o outro
grita para que ele não reaja. Outro vídeo, de uma câmera de vigilância, mostra
o motorista bêbado fugindo com a arma de choque elétrico, quando decide
apontá-la para um dos policiais e efetuar um disparo. O disparo acerta o
policial, que consegue sacar sua arma de fogo do coldre e atirar em Brooks.
Diante dos ferimentos do motorista, uma ambulância é chamada, e um dos
policiais fica ao lado de Brooks e lhe pede que respire enquanto executa uma
massagem cardíaca. Segundo investigadores, Brooks foi levado com vida para um
hospital local, mas não resistiu aos ferimentos à bala e faleceu após uma
cirurgia de emergência.
Acredito não ser necessário
dizer que, depois desse evento, mais combustível foi colocado na fogueira do
“racismo sistêmico policial” e que Rayshard Brooks morreu apenas por ser negro.
Obviamente, membros da grande mídia norte-americana, ou assessores do Partido
Democrata e grupos políticos, imediatamente iniciaram o mantra dito por dez
entre dez pagadores de pedágio ideológico de movimentos coletivistas de que
Brooks foi mais uma vítima da brutal e despreparada polícia racista
norte-americana. O que aconteceu com Rayshard Brooks poderia ter sido evitado?
Talvez. O fato é que Brooks, com algumas passagens pela polícia, entre elas
violência doméstica contra sua esposa e seus filhos, virou um mártir do dia
para a noite por puro uso político.
Os movimentos
exigem o corte parcial ou total do orçamento para as corporações policiais em
todo o país
Na quarta-feira, o promotor
Paul Howard, do condado de Fulton, anunciou as acusações de homicídio culposo
contra o ex-policial Garrett Rolfe — demitido no sábado, menos de 24 horas
depois do incidente. Rolfe agora enfrentará 11 acusações no total, podendo ser
sentenciado à morte se condenado. O mesmo promotor disse há duas semanas que,
no Estado da Geórgia, armas de choque elétrico são consideradas letais e que
policiais não deviam usá-las. Mas contra policiais elas não são letais?
O que aconteceu em Atlanta,
algumas semanas depois que George Floyd foi morto durante uma prisão em
Minneapolis, após a ação de um policial despreparado e vil, alimenta mais ainda
os protestos pelo país que pedem a reforma da polícia. Os movimentos exigem o
corte parcial ou total do orçamento para as corporações policiais em todo o
país. Em um momento bizarro da humanidade, no qual parece não haver mais espaço
para debates justos e pertinentes, com dados e estatísticas, os “tolerantes”
que queimaram o restaurante da cadeia de fast-food que chamou
a polícia para Brooks, que atacam estátuas e monumentos, que veneram e aplicam
a “cultura do cancelamento” a quem tem opiniões divergentes, talvez comecem a
sentir o peso do cancelamento da vida real. As consequências da violência que
destrói bairros inteiros e demoniza todos os policiais em nome do ódio do bem
começam a aparecer.
Na noite da última
quarta-feira, dia 17 de junho, em protesto contra as acusações ao policial
Garret Rolfe, algumas delegacias de Atlanta decidiram não atender aos chamados
da população. Horas depois que o promotor do condado de Fulton formalizou a
denúncia contra Rolfe, vários policiais de Atlanta “ficaram doentes” (blue
flu) pouco antes da mudança de turno na madrugada e não foram trabalhar. A
cidade lutou para cobrir as ausências, enquanto o Departamento de Polícia de
Atlanta tentava conter os boatos de uma paralisação policial em massa que se
espalhou rapidamente nas mídias sociais. Ainda não está claro quantos oficiais
se recusaram a comparecer ao turno da noite de quarta-feira e parte da
quinta-feira. O departamento de polícia se recusa a responder a perguntas
específicas sobre o não comparecimento ou uma possível paralisação. A prefeita
democrata de Atlanta, Keisha Bottoms, pediu que os policiais “honrassem” seus
postos.
Policiais se
tornam menos proativos por medo de que suas ações sejam sempre questionadas por
superiores e pelo público
Mas há muito mais por trás
desse movimento orgânico dos policiais de Atlanta, que representa o sentimento
de muitos e pode inspirar outros distritos e delegacias pelo país. A morte de
um adolescente negro no subúrbio de St. Louis, em Ferguson, em 2014, envolveu a
questão racial, o uso da força pela polícia e as interações dos policiais em
comunidades onde os índices de criminalidade são altos. Protestos também
explodiram por todo o país na época, e, desde então, policiais e formuladores
de políticas do departamento debatem o impacto do chamado “efeito Ferguson” —
quando os policiais se tornam menos proativos no policiamento por medo de que
suas ações sejam sempre questionadas por superiores e pelo público.
Uma pesquisa de âmbito
nacional de 2017 do Pew Research Center — que analisou a opinião de 8 mil
oficiais — constatou que o “efeito Ferguson” aumentou depois de uma série de
encontros letais entre policiais e suspeitos afro-americanos. Os incidentes
dessa natureza são exceções, mas estimularam protestos públicos também
violentos e abriram graves feridas entre a polícia e algumas minorias nessas
comunidades.
Os números da pesquisa mostram
sérios índices que podem acarretar a diminuição do policiamento em áreas onde
ele se faz mais necessário. Números podem ser chatos, eu sei, mas não escondem
a realidade (“Fatos são coisas teimosas…”) que é preciso ser apresentada no
debate honesto. Eles falam, com grande expressão, o que pode significar o
“efeito Ferguson”, prejudicial para as corporações, mas muito pior para os que
podem ficar sem proteção. Vamos lá:
·
93% dos policiais estão mais preocupados com
sua segurança.
·
76% estão relutantes em usar a força mesmo
quando ela é necessária.
·
75% disseram que as interações entre
policiais e negros se tornaram mais tensas.
·
72% declararam estar menos dispostos a parar
e questionar pessoas suspeitas.
Estamos diante
de uma nova cultura revolucionária em que tudo pode imperar, menos a lógica
A pesquisa, realizada em 54
departamentos policiais, aconteceu um ano depois que várias grandes cidades —
incluindo Chicago, Indianapolis, Memphis e San Antonio — enfrentaram aumento
nas taxas de homicídios. Em meio ao significativo crescimento dessas taxas, o
FBI sugeriu que o aumento de crimes violentos em algumas cidades poderia ser o
resultado de uma abordagem menos agressiva da aplicação da lei, diante do
aumento do escrutínio público e da demonização dos policiais.
No caso do incidente de
Atlanta, não importa quantas vezes assistimos ao vídeo e constatamos a conduta
correta e protocolar dos policiais — diferentemente do caso de Minneapolis.
Ainda assim, sempre veremos uma tragédia, pois um homem perdeu a vida. Mas a
pergunta, no entanto, é: foi homicídio doloso? Racismo? O que teria acontecido
a qualquer um de nós, independentemente da cor de nossa pele ou da etnia, se
tivéssemos arrancado das mãos de um policial sua arma de choque e atirado
contra ele? E aqui sabemos que há uma grande chance de a resposta ser que
“talvez estivéssemos mortos”.
Escrevemos, debatemos,
trazemos números e fatos, mas a sensação é que nada disso importa mais em um
mundo onde narrativas ganham mais força que a verdade. A sensação é que já
estamos além disso, estamos diante de uma nova cultura revolucionária em que
tudo pode imperar, menos a lógica.
Fica cada dia mais óbvio que o
que está em curso tem muito pouco a ver com George Floyd ou Rayshard Brooks.
Pautas legítimas que envolvem o debate sobre políticas públicas, negros,
mulheres ou minorias foram sequestradas pela turba sedenta de sangue para que
uma revolução entre em curso. E, depois que os novos jacobinos enforcarem o
último pecador das dívidas históricas nas vestes do último policial, quem
servirá à sociedade e aplicará a lei e a ordem? Quanto tempo contaremos até que
policiais passem a responder pelo telefone “sinto muito, não vamos mandar
ninguém até o local porque isso pode pôr a própria polícia em risco”?
Podemos discutir várias
maneiras de sempre colaborarmos para a melhora da corporação policial, que,
como qualquer outra, não é perfeita. É nosso dever apontar erros e cobrar
justiça para os maus policiais. Mas demonizar quem põe a vida em risco todos os
dias para nos proteger e servir — a grande maioria das corporações policiais é
composta de gente qualificada e de bem — é ser cúmplice de atos terroristas e
covardes. É colaborar com o fogo nas comunidades que mais precisam desses
bravos homens e mulheres que vestem azul.
Título e Texto: Ana Paula
Henkel, revista Oeste, 19-6-2020, 9h55
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