domingo, 21 de junho de 2020

Sobre o meu direito a dizer que sois todos umas bestas

Vitor Cunha

Uma sociedade liberal tem por base o princípio basilar do direito de expressão. Com o direito de expressão vem o direito individual de pessoas se sentirem ofendidas com o que foi dito e, com ele, o direito a expressarem ideias contrárias. O que não vem nunca é o direito a proibir ideias ou simples aglutinações de palavras, por muito aberrantes que possam ser as interpretações para a vasta maioria da população.


O nome deste blogue diz isso mesmo. A blasfêmia é um direito basilar de uma sociedade liberal. A defesa de ideias consideradas heréticas, seja por quem for, em forma de cartaz ou outra, é um bem essencial que, apenas secundado pelo direito à subsistência do corpo, deve ser defendido por todos que defendem a democracia liberal.

Houve uma certa polêmica nos meios do costume pelas afirmações de Ricardo Araújo Pereira sobre o cartaz “polícia bom é polícia morto”. Todavia, indignações à parte, o humorista não afirmou mais que uma lapalissada: independentemente das considerações que se possam fazer sobre quem ergue um cartaz com esse tipo de mensagem, o cartaz é perfeitamente admissível numa sociedade liberal.

A polêmica em que JK Rowling se viu metida, ao expressar espanto pelo uso da expressão “pessoas que menstruam” para designar o que mais de 99% do planeta designa por “mulheres”, não tem qualquer razão de ser, tal como não tem qualquer razão de ser que alguém seja impedido de usar a expressão “pessoas que menstruam” ou “humanos desprovidos de pênis”.

Algumas pessoas poderão considerar – e estão no seu direito – que esta é uma reflexão fofinha, daquelas a que normalmente se atribuem termos derrogatórios como “direita Haddad”, mas estão enganadas – e tenho o direito de o dizer: defender a liberdade de expressão nesta era de um perigoso neo-puritanismo induzido por moralidade de estado é a coisa mais subversiva que se pode fazer.

Nenhum partido das diferentes facções da democracia liberal deveria perder tempo com algo acessório enquanto a liberdade de expressão está sob ataque cerrado, nomeadamente por empresas como o Twitter ou, no caso acima citado, pela Hachette, a editora que imbecilmente rejeitou a autobiografia de Woody Allen para ficar bem aos olhos de milleniais estúpidos e Gen Y amargas em luta contra a sua sexualidade.

Por muito problemático que seja manter escolas fechadas (apesar do ano letivo estar a terminar, coisa que até já deveria ter acontecido em algumas escolas), isso é meramente tropical perante a aceitação generalizada de que há coisas que não devem ser ditas. Estamos num péssimo caminho, que pese em boa hora encaminhar para o colapso econômico, nos levará a uma crise bem mais difícil de superar: a do colapso da liberdade como valor fundamental.
Título e Texto: Vitor Cunha, Blasfémias, 20-6-2020

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