Segunda parte.

Na minha experiência de vida não vejo nada
que se pareça com trabalho infantil. Trabalhar, para mim, desde o início foi
uma escola de vida à qual muito devo e, sem dúvida, foi a forma de contribuir
para que a minha família vencesse as dificuldades com que se confrontava.
Anoto que, em todas as épocas, as atitudes e
os comportamentos dos membros mais velhos das famílias modelam os mais novos. A
minha mãe sempre foi muito trabalhadora e o meu pai um funcionário cumpridor
que nunca abandonou o dever de estudar. Eles não educavam tanto pelo discurso,
mas pelo seu próprio exemplo. Se os meus irmãos mais velhos seguiam o mesmo
padrão, como mais novo eu nasci e vivo sem sequer questionar os meus deveres de
estudar e trabalhar.
Há meio século era esse o modelo da moral
familiar, uma tradição quase natural, como a vida. Hoje é tudo muito diferente
e para muito pior graças à afirmação das utopias progressistas que se lembraram
de dissociar os direitos do cumprimento de deveres, e desde o berço. Aliás, o
sucesso das novas utopias é o da sua insistência obsessiva apenas nos direitos,
como se cada direito oferecido a alguém não significasse um dever para um
outro, desde as famílias à sociedade em geral. Basta que alguém seja diminuído
na sua consciência do cumprimento de deveres para alguém acabar sobrecarregado,
e isso tem sido corrosivo para a funcionalidade e equilíbrio existencial das
famílias.
Quando olho para a geração dos meus pais,
tios, etc., gente idosa, e comparo com as gerações mais novas, é óbvio que
entre uns e outros se perdeu muito, andamos para trás. Os mais velhos tendem a
ser mais empáticos, simpáticos, cordiais, educados, pacientes, com um sentido
cívico mais sólido e muito mais tolerantes a posições diferentes das suas. Pelo
contrário, as gerações mais novas perderam o respeito pelas mais velhas por se
terem tornado mais narcísicas, mais mimadas, arrogantes, altivas, menos
pacientes na conquista do seu destino.
No meu tempo de infância, os que eu pensava
que eram ricos, estou a falar de brancos em terra de negros no tempo colonial,
não tinham nada da arrogância evidenciada por jovens músicos pop ou rappers de sucesso da atualidade que, mal conhecem o mundo e a
vida, e já se acham no direito de guiar o destino dos outros com um ativismo
besta insuportável. Isso reflete-se, por exemplo, nos comportamentos de
indisciplina e violência nas escolas que geram consequências sociais
desastrosas, como a má preparação para a vida e depressões que afetam
professores ou, numa outra variante, na pressão psicológica abusiva que as
novas gerações exercem sobre os polícias.
Algo de muito sério se perdeu que resumo
numa expressão: perda do sentido de autorresponsabilidade pelo nosso próprio
destino. A nobreza da vida familiar e social foi como que jogada no lixo.
Todavia, nada do que refiro significa que ignoro o problema do trabalho
infantil. Só que a questão tem um duplo sentido. Por um lado, os valores morais
e sociais evoluem com o tempo e a proteção da infância é absolutamente
fundamental e não tem de ser a mesma das gerações nascidas há meio século ou
mais.
E não apenas a proteção contra o trabalho
infantil, mas também contra os excessos de erotização do corpo infantil ou a
pedofilia, agora latentes, por exemplo, no ensino da ideologia de género nas
escolas contra a qual, felizmente, as sociedades começam a reagir. Não nos
podemos esquecer que se deve à tradição religiosa, destaco a judaico-cristã, a
primeira, mais sólida e milenar proteção moral e social da infância.
Por outro lado, também não nos podemos
esquecer dos riscos do anacronismo, de remeter para o passado valores que se
instituem em contextos distintos dos do presente. A isso acrescento ainda os
riscos de abordagens por analogia no espaço, isto é, transferir diretamente
valores e hábitos de sociedades com determinadas características para outras
profundamente distintas.
Veja-se o caso das políticas de proteção da
infância peculiares das sociedades ocidentais que foram transpostas pela
esquerda globalista ocidental para as sociedades africanas e, consequentemente,
instigaram a desautorização dos pais e dos mais velhos na regulação da vida
familiar, uma orientação tradicional em África sempre havia funcionado. Essas mudanças
foram impostas sem que, em troca, existissem em África instituições de ensino
ou de preparação cívica com uma qualidade mínima que compensassem a
desvalorização dos mais velhos e da família tradicional africana de tipo
clânico.
Essa engenharia social progressista conduziu
a situações de anomia social crescentes hoje seriamente ameaçadoras das
sociedades africanas. Claro que a relação com o ideal de criança deve melhorar
em todo o mundo, mas por vezes as utopias globalistas destroem o que existe sem
garantir que a transformação será sustentável para, no final, tudo ficar pior
ou mesmo muito pior do que estava. A isso chama-se irresponsabilidade.
Fiz trabalhos de campo nas diversas cidades
moçambicanas, entre 1997 e 2015, e vi crescer esse tipo de fenômenos a olhos
vistos. Questões como o disparar das gravidezes adolescentes, com crianças que
crescem sem a presença do pai ou de um familiar masculino mais velho, ou mães
adolescentes que ainda não chegaram aos vinte anos e já têm dois ou três filhos
de pais diferentes.
A desestruturação das famílias africanas é
demasiado preocupante. Elas já não são nem famílias tradicionais africanas, mas também não são famílias
nucleares de tipo ocidental. Só isso basta para comprovar que a pobreza deriva
da moral, das atitudes e dos comportamentos, e não de condições materiais
prévias como nos querem fazer crer os marxistas, os pais da tragédia que África
vive e que se arrastará por gerações. E não tinha de ser assim.
Atualmente é professor universitário, certo?
O meu discurso não dá para isso. Tem de ter custos. A minha vida
universitária vai aos solavancos. Isso tem um lado bom, pois os compromissos
institucionais, como hoje funcionam, matam a liberdade de pensar.
Concluí o doutoramento e estive cerca de meia década como investigador
bolseiro pós-doutoral no ISCTE-IUL, em Lisboa, num dos seus núcleos da esquerda
radical, o dos estudos africanos. O que me havia de calhar! Claro que nunca
tive qualquer convite, nessa universidade pública, para nada que fosse significativo,
como leccionar uma das cadeiras dos cursos em estudos africanos. Investigava,
publicava e fazia conferências de forma solitária, o que intelectualmente é
ótimo, mas mau para a minha integração na instituição e na carreira acadêmica.
Por ser como sou, nunca tive direito a mais. O mais era, e é, reservado aos
acadêmicos de esquerda.
Saturado desse ambiente, mudei-me como investigador para o Instituto
de Estudos Políticos, da Universidade Católica Portuguesa (IEP-UCP), uma
universidade privada a tender para a direita onde, de início, tive convites
para leccionar. Mas tudo muito condicionado por relações e simpatias pessoais
e, inclusive, algumas pessoas influentes iam me fazendo engolir alguns reparos
sobre os meus posicionamentos públicos: Não
aprecio a linguagem do seu texto [na imprensa].
Mantenho-me formalmente ligado ao IEP-UCP, mas em banho-maria. Como
desde 1991 sou docente do ensino secundário, posso ciclicamente regressar ao
meu posto. É a forma de garantir autonomia salarial e liberdade de não depender
de bolsas, pareceres, financiamentos públicos associados a amizades e
compadrios.
Essa independência tem sido a chave para poder pensar, publicar,
escrever, intervir com liberdade. Se reparar, os acadêmicos de carreira –
investigadores ou docentes – estão presos no mainstream, muito óbvio no espaço público, mesmo aqueles que em
privado não são assim, são mais genuínos.
Como vou tendo convites para participar em júris acadêmicos, realizar
conferências, seminários ou colaborar em alguns projetos universitários, ou de
outra natureza, preservo a minha ligação ao meio com uma liberdade de pensar
impagável.
Estou sem lecionar no ensino universitário há dois/três anos e, pelo
menos para já, não tenho pressa em voltar e, se isso acontecer, gostava que
ocorresse quando a minha liberdade intelectual estivesse absolutamente
garantida no espaço público, quando fosse uma marca pessoal que não me fizesse
depender de simpatias ou complacências.
Por coincidência, foi nesse período que publiquei o meu livro mais
ousado. O sabor da liberdade. De resto, no ensino secundário leciono os
décimos-segundos anos (pré-universitários), um programa que aprecio bastante e que,
de algum modo domino, a história dos séculos XX-XXI. Aliás, quando estou alguns
ciclos afastado do ensino secundário, o regresso é sempre bastante fértil para
o tipo de investigação que faço sobre problemas sociais comuns, como a
indisciplina, a violência, famílias desestruturadas, relações raciais,
dificuldades socioeconômicas, pré-delinquência juvenil, ideologia de ensino,
burocracia, comunidades minoritárias, imigração, entre outros.
Para mim tem sido muito importante nunca me ter isolado na redoma
bem-pensante dos meios universitários, os espaços do mundo de onde a liberdade
de pensar foi mais eficazmente banida pela esquerda.
Nas ciências sociais ou na história, em especial nos estudos
africanos, é como se a vida inteligente tivesse sido morta e o debate acadêmico
fosse uma mera cavaqueira de consensos. Claro que nas sociedades
anglo-saxônicas é um pouco diferente, mas não em Portugal. Porém, em Portugal
ou fora, na área dos estudos africanos onde fiz o mestrado, doutoramento e a
investigação pós-doutoral venha o diabo e escolha.
Como é a convivência com os seus pares na Universidade, cientes que
somos da ideologia política que os caracteriza, antípoda da que o professor
defende?
Não alimento uma relação fácil com os meios acadêmicos, pelas razões
que referi. Mas não se pense que o assunto se resume a acadêmicos e meios
universitários de esquerda. A questão é bem mais abrangente e transversal. Há
uma crise profunda do conhecimento e a universidade atravessa um ciclo muito
mau enquanto lugar que deveria ser, por excelência, do pensamento crítico, do
teste permanente ao conhecimento.
Só para lhe referir dois exemplos da minha experiência direta em
Lisboa, enquanto a universidade de esquerda onde estive, o ISCTE-IUL, é um
desastre teórico nos domínios onde trabalho por causa da sua orientação
marxista omnipresente, porém ao nível metodológico é muito forte porque instiga
a realização de trabalhos de campo, como entrevistas, inquéritos, pesquisas
diversificadas no terreno para se captar, testar e compreender a vida vivida
pelas pessoas comuns tal como efetivamente se manifesta no seu quotidiano,
embora essa vantagem se perca por causa do ponto de partida teórico.
Por seu lado, a universidade de direita onde vou estando, o Instituto
de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa (IEP-UCP) é justamente
o contrário. Teoricamente é muito mais forte, os grandes pensadores da milenar
tradição ocidental têm muito peso, não há desprezo ou censura a esse nível,
pelo contrário, e aprendi imenso, mas depois a nível metodológico é
radicalmente provinciana, livresca, não
sai da biblioteca ou do seminário para espreitar a rua, vivendo numa redoma
de classe média e alta e, até, confundindo Lisboa com Londres.
A censura aqui, manifesta ou encapotada, dirige-se a quem pise o risco
metodológico, a quem busca um genuíno suporte empírico para o conhecimento, o
que acaba por deixar os ousados isolados ou serem afastados.
A minha experiência da universidade de direita deixou-me a impressão
dela viver daquilo que se chama o saber sistêmico, a teoria pela teoria, o
livro pelo livro, despidos da realidade vivida pelas pessoas comuns. As
universidades ditas de direita traduzem, à letra, os bloqueios da direita
política propriamente dita que quando não se quer submeter à esquerda, não sabe
para onde ir e como, nem chegar à vida quotidiana propriamente dita.
Por exemplo, quando cheguei à Universidade Católica, em Lisboa, tive
de engolir em seco uma expressão de um seu responsável máximo: Não quero cá isso de entrevistas. E eu
questionando-me a mim mesmo: Então o que
é a realidade para esta cabeça acadêmica?!!!
Tudo isso faz-me questionar qualquer desses modelos de universidade,
um e outro vivem uma profunda necessidade de renovação. Não acredito que ela
avance com amizades e compadrios, antes pela força do distanciamento crítico.
Este só me parece possível de fora para dentro, da opinião pública para as
universidades, uma vez que estas, por si mesmas, não mexem uma palha para se
renovarem.
Pelo que vivi, tenho até a impressão, ou mais do que isso, a certeza
de que as universidades são hoje focos de produção de estressados e deprimidos
por causa das pressões das candidaturas e das carreiras, das burocracias, das
relações pessoais, dos padrinhos, das amantes, das publicações de artigos
científicos por medida, das dependências políticas, das benesses dos
financiadores estatais ideologicamente orientados. Nada disso favorece a
liberdade e a segurança indispensáveis à tranquilidade e fertilidade do
trabalho intelectual.
É por isso que Olavo de Carvalho revolucionou o conhecimento e,
através dele, a sociedade no Brasil. Ele não tem compromissos institucionais,
seja com órgãos de imprensa, seja com universidades, seja com financiamentos
públicos. Isso deu-lhe uma liberdade intelectual única.
Não basta ser um gênio intelectual, é preciso criar as condições para
tal ao longo do tempo e, muitas vezes, escolhendo o caminho mais difícil ou o mais
arriscado, o da independência funcional. Essa foi sempre a marca dos grandes
intelectuais. As universidades atuais matam justamente essa possibilidade.
E não é por acaso que, desde 2005, para pensar em liberdade e em
segurança sobre o Brasil, Olavo de Carvalho foi viver para os Estados Unidos da
América, isto é, radicalizou a sua independência intelectual. Os resultados são
inequívocos.
E com os alunos?
A minha relação com os alunos tem sido
bastante saudável porque gosto mesmo da profissão de professor, onde quer que a
exerça. Sempre que reencontro antigos alunos, mesmo passados muitos anos, fico
feliz porque, bem ou mal, as minhas aulas não lhes são indiferentes e, por
vezes, lembram-me detalhes de que me havia esquecido, como uma história ou conversas.
Quando os alunos avaliam os docentes no
ensino superior, esse para mim nunca foi um problema, e muito menos no caso das
conferências. Bem pelo contrário. Mas aprendi que não é pelo que se faz ou
deixa de fazer numa sala de aula que se rompem os compadrios que suportam as
carreiras universitárias. Pode até ser o contrário. A liberdade de ensinar é um
risco. Até porque se nós queremos que os nossos alunos pensem criticamente, que
sejam inteligentes, não existe alternativa a posicioná-los criticamente contra
o bloqueio intelectual das universidades, a começar pela sua própria
universidade e pelos seus próprios professores.
Para a pessoa fazer isso, mesmo com rigor e
prudência, tem de ser um outsider e
manter certas distâncias ao nível dos relacionamentos pessoais e tudo mais e,
como disse, isso tem custos. O que importa é lançar sementes para que alguma
coisa mude no destino das nossas sociedades e do mundo, e essa compensação já
tenho garantida. No ensino secundário é mesma coisa, embora aí pontualmente
seja necessário alguma frontalidade, às vezes um pouco mais radical, para
combater os abusos e a indisciplina.
Como o professor traduz esta “notícia”: SIC e TVI ficam com mais de metade da ajuda de emergência à Comunicação Social?
Essa notícia só torna mais evidente aquilo
que a comunicação social já há muito fazia com apoios do poder socialista
através do Estado menos óbvios, mais indiretos. Praticamente desde o escândalo
do Watergate, nos EUA, que a comunicação social foi transitando de garante da
democracia e do pluralismo político e ideológico para, em vez disso, se ir
colocando no âmago da ameaça a essa mesma democracia ao se ter tornado monoideológica
esquerdista.
A imprensa portuguesa segue esse padrão de
modo ainda mais radical porque nasceu dele, em 1974, ao contrário da imprensa
americana que, apesar de tudo, tinha um longo passado diferente. Por si mesma,
a imprensa trocou o papel distante do analista pelo papel de jogador de uma das
equipas.
É nesse ponto que estamos em Portugal, e de
forma ainda mais descarada desde 2015 pelas características radicalmente
esquerdistas do governo, sendo que os apoios a pretexto da pandemia, em 2020,
são mais uma escalada desse velho descaramento. A SIC e a TVI, como as mais
fiéis entre as grandes cadeias de televisão e pelo seu impacto público, foram
as mais compensadas. Mas também pelos seus ataques continuados ao governo
anterior, de Pedro Passos Coelho do PSD que, se os meus desejos fossem para
valer, bem que poderia ter privatizado a televisão pública, a RTP, outro
sorvedouro esquerdista de dinheiros públicos.
Teria sido a forma de obrigar as três
televisões – RTP, SIC e TVI – a concorrerem no mercado da publicidade a ver se
eram mais ponderadas. Se a política é o que resulta da relação entre o Estado e
a Sociedade, a comunicação social, em especial as televisões, corromperam essa
relação porque, em vez de fazerem chegar as diferentes sensibilidades sociais
ao Estado, de baixo para cima, fazem justamente o contrário. Comportam-se como
máquinas de recados diários do Estado, isto é, do Governo para a Sociedade.
Isso mata a vitalidade e fertilidade de qualquer sociedade. Mata qualquer
democracia.
De resto, a correspondente brasileira da
SIC, a jornalista Ivani Flora, representante oficiosa do PT há décadas e
anti-Bolsonarista encartada nas telinhas de Portugal, está como peixe na água
nesse jogo corrompido, nessa corrupção mental. Neste domínio e apesar de tudo,
os EUA sempre foram diferentes e muito mais plurais.
O Brasil, por iniciativa das próprias
pessoas, está a avançar para uma renovação fundamental no sentido do pluralismo
da imprensa resgatando a liberdade da Sociedade na relação com o Estado. Há uma
nova geração de gente da imprensa não comprometida com o marxismo que vai
consolidando o seu espaço, que vai ganhando terreno à imprensa tradicional,
como a CNN ou a Globo, o que é muito bom.
Infelizmente em Portugal não existe nada que
se equipare à Jovem Pan ou ao Brasil Sem Medo. A pouca imprensa que tenta ser mais genuinamente próxima da verdade e
do pluralismo, como o Notícias Viriato, um jornal online, é logo silenciada e perseguida, até judicialmente.
Não só não tem apoios estatais, como é fortemente atacada por quem os tem, o
que faz do mercado da informação, em Portugal, um atentado à liberdade e ao
civismo. Não poderia ser pior. Está tudo muito distorcido. No contexto da
Europa Ocidental, Portugal atual representa o terceiro-mundo.
Como e por que Portugal se tornou esquerdista?
Uma coisa é o regime e outra é a sociedade.
Não creio que a sociedade portuguesa se tenha tornado esquerdista, ao contrário
do regime político. O povo português é dos mais velhos na face da terra e tem
tendências conservadoras e pacíficas sedimentadas no tempo. Mas isso no domínio
cívico, identitário, cultural.
No domínio da participação política, o
reflexo dessas características está na desmotivação e desmobilização, o que
acaba por ser uma forma de resistência silenciosa contra o histerismo
permanente da elite esquerdista que tenta moldar a cabeça dos jovens através do
controlo agressivo do ensino, do básico às universidades, ou da comunicação
social.
Isso começou em 1974 quando a esquerda
passou a explorar os inegáveis traumas portugueses associados à guerra colonial
(1961-1974) e à ditadura do Estado Novo (1926-1974). Porém, esse filão tem sido
hipervalorizado e hiper-enviesado a favor da esquerda e, por isso, não durará
para sempre, como toda a falsidade. Mas também porque a lenga-lenga esquerdista
nunca fez o país mais próspero, e sabemos o valor que tem a autoridade moral da
prosperidade que a esquerda nunca alcança, assim como à medida que o tempo vai
passando os jovens portugueses ambicionam cada vez mais ser europeus, o que
nunca será possível com a esquerda no poder.
Nesse contexto, e mesmo que de forma passiva
e suave, o lado conservador e pacífico da sociedade portuguesa acaba por se
revelar muito resistente e capaz de contrariar os ideólogos do ensino ou da imprensa
através da intimidade dos ambientes familiares, religiosos, entre outros, o que
agora avançou para a internet.
O número elevado de portugueses que não se
dá ao incómodo de ir votar, cerca de metade dos eleitores inscritos, uma vez
que o voto em Portugal não é obrigatório, é bastante sintomático disso mesmo,
do seu conservadorismo.
Se as pessoas de esquerda fazem da ida às
urnas uma espécie de missionação, nunca deixam de ir votar, o absentismo
significa que existe um enorme potencial social para uma mudança social e
política substantivas, e que dão sinais de se ter iniciado. Talvez venha a ser
lenta, mas uma vez iniciada parece-me irreversível e continuará sustentável por
gerações. Mas para isso ser saudável, para conduzir à estabilidade social e
política e à prosperidade econômica, será necessário que uma parte das elites
vá, conscientemente, buscando conciliar as profundas tradições morais,
identitárias, sociais portuguesas com a liberdade e a democracia, um
compromisso entre a tradição de matriz judaico-cristã e a modernidade que é
fundamental e ainda está por fazer, justamente contra as revoluções
progressistas e as suas sequelas que destroem mais do que criam.
O Chega, de André Ventura, está a
conseguir abrir essa autoestrada que é a que a esquerda portuguesa mais teme, a
candidatura deste às presidenciais de 2021 ajudará a consolidar essa ambição.
Esta não tem avançado mais porque uma parte
da direita portuguesa é moralmente de esquerda e julga-se de direita, ou nem
sequer consegue demonstrar uma identidade política consequente que seja
confiável pelas pessoas comuns que não se reveem na esquerda, as que votam e a
grande massa abstencionista.
Entre as cabeças desarrumadas, moral e
politicamente, destaco a do atual líder do PSD, Rui Rio. Não poderia ser pior.
Daí que a mudança tenha de começar justamente pelo debate sobre os fundamentos
morais da existência humana em nada abonatório a qualquer aproximação à
esquerda. Vamos aguardar.
O professor já declarou o voto nas próximas presidenciais portuguesas:
André Ventura. O atual
presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, na minha avaliação, é de uma inutilidade
acachapante. Sabonete criação e sustentação da mídia militante. Se ele fosse
alvo de somente dez por cento do ódio devotado pela mídia brasileira ao
Bolsonaro, o senhor Sousa já teria voltado para a televisão...
Gosto da palavra acachapante. Língua maravilhosa! No passado, tive alguma simpatia
pelo atual presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Ele até prefaciou
um livro meu e votei nele nas presidenciais de 2016. Mas desde então tem feito
o contrário do esperava dele.
A extrema-esquerda dizia da esquerda
moderada que esta agarrava a viola com a mão esquerda e tocava com a direita,
numa alusão à sua gestão do poder antes e depois das eleições. Marcelo Rebelo de Sousa fez justamente
o inverso. Antes das eleições a sua base de apoio situava-se à direita e, após
as eleições, abandonou-a para deslocar a sua ação política, tornando-a
ostensivamente protetora da esquerda, da socialista à radical, num país onde a
esquerda é hegemónica e a maior causadora de miséria.
O ciclo atual de relações institucionais
entre o presidente da República e o governo, fortemente adornado à esquerda,
anda perto de provocar uma ruptura desastrosa com o Brasil ou com os EUA,
economias demasiado importantes para a economia portuguesa.
Não só o presidente da República não
suavizou os riscos primários anti-Trump e anti-Bolsonaro da atual governação
socialista portuguesa, como tem feito coro com ela e com os seus apoiantes da
extrema-esquerda, agravando um problema que, infelizmente, deixará más sequelas
para Portugal.
Além disso, por ser alegadamente de direita,
Marcelo Rebelo de Sousa amordaçou, como nunca, a oposição do centro-direita, do
PSD e do CDS-PP. O silêncio desta tem graves efeitos internos e externos para o
país.
Para além da situação difícil das relações
com o Brasil e com os EUA, a própria relação com a União Europeia caminha para
um estado pantanoso, em especial com os Países Baixos/Holanda, deixando uma
imagem dos portugueses como parasitas morais da Europa, a imagem do mendigo
sem-vergonha e, por cima, agressivo e mal-educado, como há poucas semanas
demonstrou o primeiro-ministro António Costa acusando o ministro das finanças
holandês de ter proferido declarações repugnantes,
como se ninguém, para cima uma figura institucional, pudesse fazer reparos a um
miserável socialista do sul da Europa.
Alimentar essa imagem dos portugueses não
tem perdão. No caso do Brasil, há até uma ingerência abusiva naquilo que são as
decisões soberanas dos brasileiros que nunca fizeram nada de semelhante, ao
longo da história, em relação aos governos de Portugal. Tudo isso é demasiado
grave.
Por essas e outras razões, o meu apoio à
candidatura presidencial de André Ventura é inequívoco. No passado, no início
tive dúvidas e esperei algum tempo para avaliar o anterior primeiro-ministro,
Pedro Passos Coelho, e pouco depois de se tornar líder do PSD percebi tratar-se
de um dos mais sólidos e respeitável estadistas portugueses.
Aconteceu o mesmo com André Ventura. De
início tive dúvidas, não sobre a pessoa dele, mas sobre a sua capacidade de
construir um caminho consistente, até por estar praticamente solitário. Pouco
depois de se tornar deputado, em finais de 2019, e da sua ação ser publicamente
visível, desfiz as dúvidas.
Ao não ter complexos em ser de direita,
André Ventura será fundamental para a recuperação moral, identitária,
econômica, civilizacional de Portugal. Antecipo-lhe um futuro consistente que,
neste momento, não vislumbro em mais nenhum dos políticos portugueses da
direita no ativo.
Como viu, e ainda vê, a malandrinha solução governativa costurada pelo
senhor Costa e os dois partidos de extrema-esquerda, logo após a vitória do
então recandidato, Pedro Passos Coelho, em outubro de 2015?
Muito mal. Mas favorável a prazo. Por razões
históricas, a democracia portuguesa nasceu, em 1974-1975, com um forte pendor
centrista, mas sempre a tender para a esquerda. Por um lado, isso foi fruto da
profunda crise dos norte-americanos durante a guerra fria, após perderem a
guerra do Vietname e por causa do escândalo do Watergate e do choque
petrolífero. Tudo em 1973.
Logo, a revolução portuguesa de 1974 surgiu
na dupla coincidência do retraimento dos EUA da cena internacional e do auge da
influência soviética no mundo. Estava marcado nas estrelas: a renovação
política em Portugal, e nas suas ex-colônias, tinha de ser de esquerda. Em 1974
não havia outra possibilidade.
Por outro lado, e porque apesar de tudo o
país localiza-se no coração do Ocidente, a disputa política mais significativa
nesse período de 1974-1975, decisivo na redefinição política do país, acabou
por ser entre comunistas radicais de esquerda, seguidores das ditaduras da
então Europa de Leste, e socialistas moderados, estes no sentido da
socialdemocracia da Europa Ocidental, com vantagem para estes justamente por
causa do contexto geográfico referido.
Contra os comunistas portugueses, os
socialistas souberam aliar-se, nos momentos decisivos, ao PSD e ao CDS-PP,
ambos da direita moderada, uma laica e outra cristã, porém ambas contaminadas
pelo marxismo. Daí o forte pendor centrista do regime político português após a
ditadura, uma democracia hegemonicamente dominada pelos partidos políticos do
centro.
Todavia, a ruptura entre socialistas e
comunistas foi sempre mais instrumental do que ao nível da essência dos seus
ideais morais, intelectuais ou políticos. Esse equilíbrio durou de 1974-1975 a
2015, quarenta anos.
Foi no último ano que, para usurpar o poder
do vencedor das eleições, Pedro Passos Coelho, do centro-direita pelo PSD, que
se deu a grande mudança nos equilíbrios políticos da democracia portuguesa. O
atual primeiro-ministro socialista, António Costa, homem capaz de vender a alma
ao diabo em nome do controlo do poder, em vez de promover a velha aliança,
contabilizou os apoios no parlamento à extrema-esquerda e virou-se para esse
lado, para comunistas e para o bloco de esquerda, os velhos inimigos,
inaugurando uma nova era na política portuguesa.
Foi António Costa quem arrumou a esquerda
para um lado e a direita para o outro. Isso está a ser fundamental para a
revitalização da democracia portuguesa. Não tanto por causa da esquerda, mas
porque felizmente deixou uma parte significativa da direita dita moderada, do
PSD e do CDS-PP, atarantadas. Mas têm de se redefinir ou definhar. Ainda bem.
Até agora, só André Ventura foi inteligente para
perceber que a renovação da democracia portuguesa passa pela clara separação de
águas entre a esquerda e a direita, e que a direita tem de se assumir enquanto
tal, tem de ser decididamente anti-esquerda, seja ela radical ou moderada. Esse
é o caminho do futuro.
Antes das próximas eleições legislativas de
2023, penso até que se Pedro Passos Coelho regressar à vida política ativa e à
liderança do PSD, como desejo, e sem se confundir com o espaço político,
entretanto consolidado por André Ventura, a direita no seu conjunto terá
condições para iniciar um projeto sólido.
E quando digo sólido, digo válido para as
próximas gerações. Espero que um e outro protagonistas, Pedro Passos Coelho e
André Ventura, entendam isso mesmo. Mas temos de esperar para ver. E claro, não
fica de fora a hipótese de ser um outro protagonista no PSD que não Rui Rio,
mas que saiba capitalizar a herança de Passos Coelho e obter o seu apoio.
Como conheceu Olavo de Carvalho?
Desde a minha infância, em África, sempre
tive interesse pelo Brasil. Porém, a chegada ao poder do PT esmoreceu esse
interesse que, no entanto, retomei aquando da candidatura de Jair Bolsonaro à
presidência da República. Mesmo não conhecendo a fundo o Brasil, era óbvio que
o país tinha de mudar para melhor, mas paradoxalmente parecia impossível.
Para a minha sensibilidade, tudo se
precipitou com o atentado de Juiz de Fora, em setembro de 2018, cometido contra
o então candidato, Jair Bolsonaro. Daí em diante passei a seguir um pouco mais
o que se passava no Brasil. Inclusive, o episódio de Juiz de Fora acabaria por
ser decisivo para o livro que publiquei em 2019, Um século de escombros.
Foi naquela altura, em 2018, que descobri os
vídeos de Olavo de Carvalho, pensador que desconhecia. Constatei logo
que era um analista notável. Mas também fui tomando consciência de que o poder
da censura da esquerda acadêmica, intelectual e da imprensa, brasileira e
portuguesa, iam muito além do que eu poderia imaginar. Era brutal.
Eles foram capazes de esconder deste lado do
Atlântico, dos portugueses, por bem mais de uma década um dos intelectuais mais
brilhantes do Brasil, Olavo de Carvalho. Como é possível alguém cujo livro
vendeu meio milhão de exemplares no Brasil seja, ainda hoje, ignorado pelos
portugueses, em especial pela intelectualidade portuguesa? Além disso, um ou
outro intelectual de vão de escada português, por cima, dá-se ao trabalho de
distorcer e achincalhar, por ignorância, o pensamento de Olavo de Carvalho.
Pura maldade esquerdista. Pura violência censória.
Depois, quando li «O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota» (2013)
fiquei absolutamente convencido. Olavo de Carvalho é o primeiro e único
sábio pós-marxista a reinventar a palavra escrita, o verbo, enquanto força
moral e intelectual que se transmuta em força cívica, política, social,
identitária. Com Olavo de Carvalho voltou a ganhar vida própria uma escrita
portadora da capacidade de gerar pessoas predispostas a impor a transição das palavras
aos atos, do papel para a rua, do intelecto para a vida prática da gente comum,
do abstrato para a intimidade da alma do sujeito. Isso é notável no século XXI.
Ele é a alma do novo Brasil ao conseguir resgatar a identidade brasileira do
comunismo.
A sociedade brasileira é hoje um caso notável de disputa entre duas
repúblicas de filósofos, a marxista,
estafadamente testada, e a olaviana,
à procura do seu lugar ao sol. Olavo de Carvalho fez as pessoas comuns, a rua,
perceberem isso, um caso único no mundo de ligação entre um pensamento
filosófico com uma dada orientação moral, a da secular tradição acidental, e a
vida quotidiana.
E o facto de haver um distanciamento claro entre o pensador, Olavo de
Carvalho, e o político, Jair Bolsonaro, torna o caso extraordinariamente
interessante porque faz do Brasil o símbolo de uma disputa que é a maior
disputa do mundo na transição do século XX para o século XXI.
Supondo que o presidente Jair Bolsonaro continue a resistir no poder,
olho para o papel do Brasil, no século XXI, como para o papel da Rússia, no
século XX. A Rússia mudou o mundo para o Mal
e o Brasil de Olavo de Carvalho tem tudo para mudar o mundo para o Bem. Nunca torci tanto pelo sucesso do
Brasil.
Tem acompanhado a dificuldade de Jair Bolsonaro em governar?
Como referi, desde o atentado de Juiz de Fora, de 2018, que sou um
apoiante incondicional de Jair Bolsonaro. Ele conquistou uma segunda existência
após o atentado e revitaliza-a a cada episódio que parece uma montanha difícil
de escalar, mas o presidente do Brasil consegue.
Sejam as insinuações torpes associadas ao assassinato de Marielle
Franco, sejam as barbaridades que se escreveram sobre os incêndios na Amazônia,
sejam as acusações absurdas do ex-ministro Sérgio Moro, dos ministros do
Supremo Tribunal Federal, o STF, ou sobre a gestão da pandemia do vírus chinês,
ou ainda a invenção acusatória da criação do Gabinete do Ódio. Apenas exemplos que nunca param.
Não basta ser um político notável para resistir a
tudo isso. É necessário algo mais. Bolsonaro tem esse algo mais que é difícil de definir, mas tem a ver com
uma ligação transcendental com a vida que faz com que ele se imponha a si mesmo
um rumo que segue e que o torna socialmente contagiante. É aquilo que o Max Weber
designou por carisma, mas este
sociólogo não pensava em sociedades onde o poder seria fortemente disputado a
cada dia.
É por isso que Jair Bolsonaro tem mais qualquer coisa do que o simples carisma, o que se reflete numa
maneira de se exprimir que é sempre genuína, da boa disposição à irritação.
Claro que num mundo de elites idiotas cujas cabeças têm como modelos
Lenine, Estaline, Mao, Ho Chi-Minh, Fidel, Chávez, Kim Il-sung, Che Guevara e
outros que tais, muitos não conseguem enxergar a singularidade de políticos
como Jair Bolsonaro. Mas uma cabeça razoável que seja capaz de distinguir o
essencial do acessório percebe, à distância de um continente, que Bolsonaro já
é maior do que o seu país, apesar deste ser do tamanho de um continente, em
termos de influência e tem tudo para reinventar os destinos do mundo, em
especial do hemisfério sul no seu conjunto.
Reduzir Jair Bolsonaro a um político brasileiro acidental é uma das
manipulações mentirosas da esquerda brasileira e mundial justamente porque
estão assustadas, e de tão assustadas confirmam a dimensão política de
Bolsonaro.
Quem sonha que os africanos, os da África, odeiam Jair Bolsonaro, a
prazo irá perceber as razões do seu tiro ter saído pela culatra. Basta que o
atual governo do Brasil seja eficaz no combate aos homicídios e à
criminalidade, que reverta o mal da corrupção, que corrija a situação de
descalabro econômico que herdou ou que melhore o ensino, e já existem sinais de
sobra que isso vai acontecer, tudo males de que África padece em larga escala,
para Bolsonaro se transformar num modelo além-fronteiras em aspetos cruciais da
governação contra as pesadas heranças deixadas pelos marxistas por todo o
mundo.
As pessoas comuns não são estúpidas. Só a imprensa acredita no
contrário. Há um dia em que a mudança se inicia. Parece-me que nem os
brasileiros que o apoiam, e nem o próprio presidente Jair Bolsonaro, perceberam
que ele já é uma figura mundial para uma parte significativa do mundo, imagem
que nada tem a ver com o que a imprensa quer fazer crer.
Hoje, e por todo o mundo, os indivíduos são escolarizados e têm acesso
às tecnologias de comunicação e informação e, tal como sempre, têm sempre um
papel ativo na construção do seu próprio conhecimento sobre o mundo que o
rodeia, as suas cabeças não são meras caixas vazias para as quais se despeja
passivamente o que quer que seja. Como é que um indivíduo que vive num país
pobre de ladrões, corruptos e incompetentes, o que não falta pelo mundo senão
não havia tanta miséria, passa a olhar para o seu governo quando sabe que há um
tal Bolsonaro que é o oposto dos seus próprios governantes e lá no Brasil as
pessoas afinal confiam nele?
Daí que me pareça que o combate frontal à comunicação social
tradicional esquerdista ultrapasse o mero detalhe. É um aspeto fundamental. O
presidente Jair Bolsonaro e os seus conselheiros devem perceber que furar essa comunicação social perversa
não é só importante para a sua mensagem chegar aos brasileiros, mas também ao
mundo.
Ninguém pede ao presidente Jair Bolsonaro que ambicione mudar o mundo,
o que é um absurdo. O que se pede é que tenha consciência e se concentre em
mudar o Brasil, e para isso já comprovou ter uma força extraordinária, mas que
faça com que o mundo pobre, e não apenas o mundo rico, perceba por si mesmo
essa mudança. Ao fazer isso, há um efeito de contágio.
Os que melhoram as suas famílias e sociedades são aqueles que se mudam
e melhoram a si mesmos em primeiro lugar, e depois ou outros reconhecem e podem
seguir o modelo. Só o narcisismo da mente esquerdista acha que deve mudar tudo
à sua volta para ela continuar como sempre.
Aliás, se a esquerda brasileira ousar derrubar Jair Bolsonaro que
desfaça desde já as ilusões. Em África e, no geral no hemisfério sul, é muito
mais provável que a esquerda passe a ser olhada com hostilidade, jamais com a
bonomia com que o mundo olhou para Lula da Silva e para o PT. Isso é passado, e
para sempre. Quanto ao hemisfério norte, as reações anti-regresso da esquerda
brasileira ao poder antecipo que sejam ainda mais hostis a prazo.
Lourenço Marques era mais bonita do que Luanda?
Para mim, é difícil comparar Lourenço Marques com Luanda. Conheci e
cresci na Pérola do Índico e conheço a sua beleza, quer associada à orla
costeira e ao mar, quer as características urbanísticas que continuaram mais ou
menos preservadas mesmo depois da independência, embora cada dia mais
descaracterizada. É uma cidade rasgada por grandes avenidas retilíneas, como a
Avenida Pinheiro Chagas/Eduardo Mondlane e a 24 de Julho, e composta por
quarteirões bem arrumados que geram uma continuidade harmoniosa entre a parte
alta e a baixa.
![]() |
LOURENÇO MARQUES. Avenida da
República. Ed. Livraria e Papelaria Progresso. SD. Circulado em 20-6-1969. Coleção
de Aurélio Guerra
|
A cidade tem sofrido muito também com a falta de civismo, quer da parte
dos moradores que não fazem a manutenção das habitações que, no caso dos
prédios, é muito degradante para as condições de vida e para o aspeto da antiga
bela cidade, quer no que têm a ver com a ocupação e usufruto dos espaços
públicos. Por exemplo, as pessoas urinam onde não devem, a recolha do lixo não
é a mais eficaz, os mercados de rua são caóticos, assim como os locais onde
param os transportes públicos.
Claro que há esforços das autoridades para resolver esses problemas, mas
é muito difícil. Por outro lado, muita da nova construção fere os traços
arquitetônicos originais com a nova colonizadora, a China, a querer deixar a
sua marca arquitetônica que fica deslocada da história arquitetônica da cidade.
Esta preserva edifícios magníficos da era colonial, como a estação
central do caminho-de-ferro, na baixa, a Casa de Ferro, a Praça do Município, a
Catedral, a Igreja da Polana, entre tantas outras construções. Mas parece valer
tudo para destruir a herança colonial.
Outro problema da cidade resulta do descontrolo da criminalidade que a
tornou de segura no tempo colonial, quando ainda era Lourenço Marques, numa
Maputo que se foi transformando numa espécie de bunker de gente aterrorizada
que protege as suas habitações com gradeamentos, mesmo em apartamentos em pisos
um pouco mais elevados, o que dá à cidade atual um aspeto de permanente estado
de sítio, de um lugar de relações pessoais e sociais patológicas, violentas.
Não era assim, nem tinha de ser assim, não fosse o marxismo que tem
destruído o significado e valor da propriedade na cabeça das pessoas comuns.
Quando, em 1975, o Estado tomou de assalto a propriedade, nacionalizando-a a
pretexto do abandono dos colonos, nunca mais o respeito cultural pela
propriedade voltou a ser o mesmo. Daí que a corrupção e a criminalidade tenham
disparado, e não se prevê que se revertam nas próximas gerações. Tão terrível
quanto tipicamente marxista.
Um outro aspeto curioso da transformação de Lourenço Marques em Maputo,
em 1976, foi a mudança dos nomes das ruas. Um verdadeiro hino à violência
política e social. O país libertado do que dizem ter sido o horror colonial,
por exemplo, mudou o nome da Avenida
General Rosado para Avenida Kim Il-sung e a Avenida Andrade Corvo virou Ho Chi Minh. A troca de nomes de
colonizadores portugueses mais ou menos anônimos por genocidas de craveira
mundial foi uma ironia do destino de uma cidade cuja criminalidade e violência
chegaram em força nos anos noventa. O inferno marxista.
Quanto a Luanda, conheci apenas depois da
independência, portanto não tenho a época colonial como termo de comparação.
Foi em 2006, e a degradação e o congestionamento do trânsito, além da forte
agressividade que senti no contacto social habitual, não me agradaram.
Entretanto, não voltei a Luanda. De resto, e apesar da desgraça marxista,
os meus conterrâneos moçambicanos nunca perderam uma certa cordialidade, a que
fez Vasco da Gama designar Inhambane, no sul, como a terra da boa gente quando, em 1498, os portugueses pisaram pela
primeira vez solo moçambicano.
O seu livro Um Século de Escombros, lançado em setembro do ano passado (boicotado pela
Livraria Travessa), “ilustra, de forma brilhante, a doxa atual
político-midiática. Quer isto dizer, a aliança, descarada, mas jamais assumida,
entre políticos, ‘jornalistas’ e ‘professores universitários’, além de artistas
que o povo ignora ou não gosta.” Passados nove meses, que capítulo você
acrescentaria?
Na verdade, não se trata de um livro fechado ou acabado, que necessite
acréscimos ou atualizações. É uma reflexão sobre os grandes princípios que
fazem funcionar a vida social e o mundo para que cada leitor possa tornar mais
lúcidos os significados da sua vida pessoal. Para isso, é fundamental
compreender como chegamos ao presente, por que razões o mundo atual é como é,
tendo em conta um conjunto de grandes fenômenos transversais ao destino
individual e ao destino coletivo, aqueles fenômenos dos quais depende a forma
como pensamos e agimos.
O livro Um
século de escombros trata da ordem moral das sociedades, do racismo, da
colonização europeia, da imigração, do ensino básico e secundário e do ensino
superior. Quanto melhor compreendermos esses fenômenos massificados, tanto
melhor conseguiremos contribuir para o sucesso das nossas sociedades e do
mundo, agora e no futuro.
É por isso que a intenção do livro é a que refere na sua pergunta, a necessidade
que a atual geração tem de desarmadilhar o conluio instituído, ao longo do
século XX pelos marxistas, entre políticos, jornalistas, acadêmicos e o meio
artístico. Eles têm cavado o insucesso das sociedades à custa do seu sucesso
particular.
Como essa tendência tem de ser revertida por todo o mundo, o livro
possui uma forte carga universal. A qualidade de uma reflexão dessa natureza
atesta-se pela sua resistência ao desgaste do tempo, isto é, Um século de
escombros foi pensado e escrito para sobreviver à passagem do tempo.
Decorridos apenas nove meses, o que eu acrescentaria ao livro não era
um novo capítulo, nem pretendo reescrever o que quer que seja tal como ficou
registrado, antes aproveito a sua pergunta para acrescentar um apelo para que
as pessoas o leiam no sentido de irem confrontando o seu conteúdo com o mundo
em que efetivamente vivem.
Um livro que não sirva a relação do leitor com a sua vida concreta, um
livro que não interpele o quotidiano das pessoas, o seu destino individual, da
sua família e das pessoas de que mais gostam não deve servir para grande coisa.
De resto, contento-me com a possibilidade de, quem sabe, voltar a publicar
outro ou outros livros.
Uma pergunta que não foi feita?
Há sempre motivos para perguntas e as conversas não têm fim. Mas esta já vai longa.
A derradeira mensagem:
Um grande abraço a O Cão Que Fuma. Fuma mesmo?!
Muito obrigado, Professor!
Conversas anteriores:
Outra excelente aula!
ResponderExcluirMais uma vez, obrigado, Professor!
Muito boa a entrevista, providenciarei adquirir o livro.
ResponderExcluirParabéns pela eleição do domingo, 10 de março. 👏
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