Sejamos todos ignorantes sem remorso. Como
Lula. Como Dilma. Ou como Toffoli
Augusto Nunes
Nos jornais e revistas que
respeitavam a inteligência dos leitores, o cargo de editor não era para qualquer
um. Incumbido de liderar um grupo de profissionais da palavra, o editor devia
escrever com mais requinte que o restante da equipe. Devia também avaliar com
precisão a relevância de cada texto, para atribuir-lhe o espaço adequado na
página. Mais: cumpria ao editor dispensar à forma os mesmos cuidados requeridos
pelo conteúdo. Era essencial que a fotografia rimasse com a reportagem, a
ilustração precisava entender-se harmoniosamente com a selva de vogais e
consoantes. Nas redações que se orientavam pelo critério da meritocracia, os
editores aprendiam que a montagem de cada página exigia o perfeccionismo de
artista plástico nunca satisfeito e a determinação dos obcecados pela
perfeição. Só havia lugar para os melhores e mais talentosos. E todos seriam dirigidos
pelo mais brilhante.
Conjugo os verbos no passado
porque trato de refinamentos que não existem mais. Os exímios domadores de
palavras são uma espécie em acelerado processo de extinção. O vocabulário das
novas gerações de jornalistas não chega a 500 expressões, aí incluídas
gargalhadas (KKKKK) ou sorrisos (rsrsrs), produzidas com um punhado de
consoantes minúsculas ou maiúsculas. Pior: somados todos os brasileiros que
tratam o idioma com gentileza, seja qual for a profissão que exerçam, o grupo não
chegará a lotar as arquibancadas de qualquer dos estádios paridos pela Copa da
Ladroagem. Se o raciocínio lógico deixou de ser obrigatório para que um imbecil
juramentado se transforme em jornalista, se no intervalo entre a greve
encerrada hoje e a que começará depois de amanhã professores colocam vírgulas
entre sujeito e verbo e ensinam aos alunos indefesos que está certo dizer “Nós
pega os peixe”, se falar corretamente virou coisa de pedante, se escrever com
elegância e brilho é exotismo de elitista, deixemos de rodeios: sejamos todos
ignorantes sem remorsos. Como Lula. Como Dilma Rousseff. Como Dias Toffoli.
Em mais de 70 anos, Lula
torturou o idioma em apenas cinco bilhetes. Em contrapartida, guilhotinou
milhões de plurais em discursos de improviso. Confessou em entrevistas gravadas
que “escrever é pior que exercício em esteira” e resumiu em três palavras a
invencível aversão ao estudo: “Sempre fui preguiçoso”. Incapaz de desenhar um O
com o traseiro, já assinou cinco ou seis prefácios, empilhou diplomas de
doutor honoris causa e anda jurando que devorou romances
russos durante a temporada na cadeia. Em cinco anos e meio na Presidência, a
sucessora do analfabeto funcional inventou o dilmês, um subdialeto feito de
platitudes bisonhas, cretinices sem pé nem cabeça e frases sem começo, meio ou
fim. Dias Toffoli foi reprovado nas duas tentativas de ingressar na
magistratura paulista. Impedido de virar piada em alguma comarca do interior,
foi subir na vida como advogado do PT, advogado de campanhas eleitorais do PT,
assessor de José Dirceu na Casa Civil e depois chefe da Advocacia da União. Ali
descobriu um caminho que permite entrar no Supremo Tribunal Federal pela porta
dos fundos. Hoje é presidente da única Corte controlada por bobos. E acaba de
candidatar-se a Editor do Brasil.
Toffoli “é uma
pessoa muito qualificada”. Qualificada para quê?
Se achou que podia ser juiz de
Direito sem saber Direito nem ter juízo, por que não acreditar que é possível
reformar o país como se reforma um semanário de Itaquaquecetuba? No Jornal
do Brasil de Toffoli, por exemplo, não haveria fake news.
O Supremo seria tratado com o respeito que merece o Timão da Toga. O
Procurador-Geral da República, Augusto Aras, cuidaria do caderno semanal
contendo informações mantidas em sigilo pela Lava Jato (e, se houvesse
interessados, também patifarias investigadas em segredo por outras operações
anticorrupção). A abertura de processos de impeachment envolvendo
governadores de Estado só ocorreria se autorizada por Dias Toffoli. E o
ministro Alexandre de Moraes acumularia oficialmente as funções de Chefe de
Polícia do Supremo e Inquisidor-Geral do Pretório Excelso. Para não atrapalhar
aparições de Gilmar Mendes em qualquer rua de Lisboa e dos demais ministros a
bordo de aviões de carreira, seriam divulgadas no escurinho do recesso do
Judiciário as três manchetes que povoam os sonhos do Editor do Brasil:
Primeira: STF DECIDE QUE
INVESTIGAR LULA É CRIME HEDIONDO.
Segunda: SERGIO MORO É
PROIBIDO DE ATUAR COMO JUIZ TAMBÉM NO BRASILEIRÃO. Terceira: OPERAÇÕES
ANTICORRUPÇÃO SÓ PODERÃO SER FEITAS EM HOSPITAIS.
O problema de Toffoli será
encontrar algum ministro qualificado para um cargo fora do alcance de quem vive
tratando o português a socos e pontapés: editorialista. O responsável pelos
editoriais tem de justificar com alguma consistência a linha adotada pelo
veículo. É missão impossível para o presidente do STF, como atesta um voto do
então caçula do Supremo publicado em dezembro de 2009, sem revisão, pelo site Consultor
Jurídico. Durante a sessão que julgava a censura imposta ao Estadão por
um desembargador de Brasília, Toffoli caprichou no besteirol. Confiram três
trechos:
1.
“(…) Assim, se entendermos que caberá a
reclamação mesmo fora das hipóteses constante da parte dispositiva, qual seja,
caso o fundamento da decisão reclamada seja lei ou dispositivo outro, que não a
finada lei de imprensa, passará o STF a julgar diretamente, afrontando o
sistema processual recursal, toda causa cuja matéria seja a liberdade de
imprensa ou de expressão, como se o decidido na ADPF 130 tivesse esgotado a
análise de compatibilidade de toda e qualquer norma infraconstitucional que
trate do tema da liberdade de imprensa ou de expressão (…)”
2.
“(…) No modelo de controle de
constitucionalidade brasileiro, todo juiz e Tribunal têm competência para
analisar a compatibilidade de uma lei em face do ordenamento constitucional
vigente, aplicando-se ao caso concreto a lei, desde que compatível com a
Constituição, ou afastando-a, caso incompatível Trata-se como todos
sabemos — nesta hipótese — de controle difuso de constitucionalidade,
que é feito diante de uma demanda de uma demanda concreta e subjetiva
posta em juízo por alguma parte interessada (…)”.
3.
“(…) Houve nos diversos votos proferidos
julgamentos mú Muito embora a conclusão majoritária seja em dado sentido,
isso não significa que as “razões” ou “fundamentos”, tenham obtido a maioria,
muito menos que elas foram submetidas a escrutínio. A segurança juridica e a
responsabilidade devem pautar e ser características a todo o Poder Judiciário.
(…)”.
“Seguramente, é uma pessoa
muito qualificada”, disse Gilmar Mendes. Qualificada para quê, isso só os dois
ministros devem saber. Mas não contam a ninguém.
Título e Texto: Augusto
Nunes, revista Oeste, 7-8-2020
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