sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

A vida da oposição (em Portugal)

Henrique Pereira dos Santos

Rui Ramos começa hoje a sua crônica com uma frase batida: "Em Portugal, a vida da oposição nunca foi fácil".


Não estou de acordo.

A vida da oposição no tempo de Cavaco (antes disso não havia propriamente situação e oposição, porque todos eram tudo ao mesmo tempo) não foi fácil, é verdade, porque se estava no segundo maior período de crescimento e convergência com os países mais desenvolvidos do século XX (o primeiro foi entre a adesão à EFTA e o primeiro choque petrolífero, em 1973) e é sempre difícil ser oposição a um governo que governa numa altura em que há uma melhoria de vida generalizada.

Mas daí para a frente, a vida da oposição de direita nunca foi fácil, mas a vida da oposição de esquerda foi sempre facílima, basta ver a quantidade de vezes em que há títulos de jornal como "BE quer" isto e aquilo, sem que ninguém se pergunte realmente o que significam as suas propostas e se avaliem os resultados práticos das políticas que defende.

Um bom exemplo é o da posição dos políticos sobre a Palestina: é facílimo dizer que se é a favor de uma Palestina livre, sem que um único jornalista pergunte, como devia, se isso quer dizer que o Estado de Israel deve ser varrido do mapa, ou como se espera que os direitos dos judeus sejam garantidos num Estado de maioria árabe muçulmana que venha a existir.

A vida da oposição no tempo de Passos Coelho era tão fácil que praticamente ninguém perdeu tempo a perguntar aos então oposicionistas o que pensavam sobre o memorando de entendimento com a troika que o PS tinha negociado.

A oposição a Passos Coelho era tão fácil, que facilmente se fala do enorme aumento de impostos de Vítor Gaspar sem o ligar à estranha decisão do Tribunal Constitucional que, ao arrepio do que tinha decidido no tempo de Sócrates sobre cortes na função pública, resolveu defender os funcionários públicos à custa de toda a gente, obrigando à solução de recurso de aumentar os impostos, para garantir o cumprimento dos objetivos estabelecidos no memorando de entendimento que o PS tinha negociado com a troika.

A vida da oposição de direita e liberal é de facto difícil, mas a vida da oposição da esquerda tem sido um mar de rosas, quase nem havendo registo do facto de Mariana Mortágua achar que nem os 600 milhões previstos na privatização iriam ser conseguidos, e hoje dizer que os 900 milhões pelos quais os CTT foram vendidos foi uma venda ao desbarato.

Não, não é a vida da oposição que é sempre difícil em Portugal, é a imprensa (deveria dizer, a esmagadora maioria das redações dos jornais, como se pode ver pelo Observador, cuja redação pede meças ao Público na sua inclinação sentimental pela esquerda e o wokismo) que escolheu um lado, em vez de cumprir o seu papel de produtor independente de informação (veja-se o editorial do Público de hoje, se houver dúvidas).

Título e Texto: Henrique Pereira dos Santos, Corta-fitas, 5-1-2024

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