Humberto Pinho da Silva
Em calma e cálida tarde de
maio, quando o astro-rei acendia o céu de nuvens de fogo, mosqueando, de
cintilantes estrelinhas, as águas azuis do Douro, estava com meu pai –
insaciável homem de Letras, que vivia entre velhos cartapácios, na Feira do
Livro, no Porto.
Nessa recuada época, a
"Feira" implantava-se na Praça do Município, num aconchegante
labirinto, aos pés de "Garrett"
Caminhávamos embebidos nos
escaparates – abrindo e reabrindo tomos. Junto à livraria católica, de súbito,
surgiram três guapos rapazinhos, ainda imberbes, chalrando em alta voz.
Miram de esguelha o stand. Entre livrinhos devotos e inocentes romances, gritavam três vistosas Bíblias de folhas doiradas, encadernadas a percalina preta.
Apontando ostensivamente o
magro indicador, o mais esgrouviado e bem-trajado, de barba e cabelo à Che
Guevara, disparou, com risinho arteiro, bailando nos lábios: "Ainda se
vende essa porcaria?!..."
O empregado, possivelmente
frade ou antigo seminarista, de imediato retorquiu:
"É por causa dessa
‘porcaria’ que o senhor doutor é médico!..."
O diálogo espicaçou a curiosidade de meu pai; e quando os mocinhos rindo, se afastaram, apressou-se a interrogá-lo: " Conhece-o?"
"Conheci-o. Andava no
seminário. Estudava por favor. Não tinha vocação. Os senhores padres ainda o
encaminharam para a Universidade..."
Como meu pai mostrasse interesse, prosseguiu:
"Agora é quase
médico. Sempre que passa por aqui, larga uma chalaça. Coitado!... Se não fosse
a Igreja... andava com a charrua...
Este episódio, ocorrido
nos anos sessenta, gravou-se-me na memória; e ilustra perfeitamente o que é a
ingratidão e o descaramento.
Como ele, muitos são os
que singraram às cavalitas da Igreja ou à sombra protetora de senhoras
caridosas, que lhes proporcionaram meios para altos voos; infelizmente, raros
são os que se lembram de agradecer, a quem lhes deu a mão. É a ingratidão
humana!...
Título e Texto: Humberto
Pinho da Silva, maio de 2024
A situação da igreja em Portugal
Achegas sobre a emigração portuguesa no Brasil
A culpa é (sempre) do anterior
Meu tipo inesquecível
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