Capa da revista "Ilustração Portugueza", de
1922,
celebrando a aproximação entre Portugal e o Brasil
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Reinaldo Azevedo
A mentira como arma política
na USP
Abaixo, escrevo um texto cujo
tema não é política exatamente, mas civilidade. Os extremistas da USP estão com
medo. Buscam um mecanismo para impedir que a maioria silenciosa da universidade
vote nas eleições para o DCE. Sabem que o risco de perder para a chapa
“Reação”, composta de não-esquerdistas, é grande. Por isso abusam da violência
física e retórica e da mentira.
Um bobalhão está espalhando na
rede, por exemplo, que Flavio Morgenstern, que integra a chapa “Reação”, é
secretário do “Instituto Millenium” e, pasmem!, “secretário do Reinaldo
Azevedo”. Uau! Morgenstern é tradutor competente e tem um ótimo texto, mas,
infelizmente, não trabalha pra mim. E também não é “secretário” do Millenium.
Não que uma coisa ou outra depusesse contra ele.
Eu quase pergunto uma tolice,
a saber: “Por que um esquerdista precisa mentir?” Ora, se não mentisse, seria
outra coisa. Nem todo mentiroso é esquerdista, mas não há esquerdista que não
seja mentiroso. Pra começo de conversa, precisa sempre negar a montanha de mais
de 100 milhões de cadáveres sobre a qual discursa.
Da amizade e do ódio. Ou:
Trinta anos neste post
Tenho certos códigos de
conduta que são bastante rígidos. Eu não me obrigo, e jamais me obriguei, a
detestar alguém porque repudie sua ideologia ou, sei lá, seu gosto para as
artes. Como num poema de Drummond, acho que “amizade é isto mesmo: salta o
vale, o muro, o abismo do infinito”. E também não me imponho o contrário:
suportar uma pessoa que deteste só porque comungamos das mesmas idéias. Jamais
rompi uma amizade por causa de uma divergência, mas já fui, sim, e ainda sou,
alvo de algumas vilezas porque o sujeito mudou de lado ou, o que é pior, de
patrão!
Tenho aqui, por exemplo, uma
penca de e-mails elogiosos assinados por um ex-jornalista que passou a me
detestar por obrigação profissional - isto é, porque seu novo semnhor assim o
exige. Não deixa de ser engaçado: como os seus elogios eram, obviamente,
gratuitos, já que eu nada poderia lhe oferecer em troca, eu os considero mais
honestos do que seus ataques, que são remunerados. É o tipo de gente que
substitui a admiração sincera e gratuita pelo ódio fingido e a soldo. Estranho
mundo!
Nelson Breve, por exemplo, que
hoje é o presidente da EBC, substituindo Tereza Cruvinel, começou sua carreira
jornalística onde também comecei: no Diário do Grande ABC. Foi repórter quando
eu era redator-chefe. Vinha da área bancária e não tinha experiência em
jornalismo. Se a memória não lhe falha, sabe muito bem como eu trabalhava.
Tivemos uma conversa um pouco mais longa, certa feita, na minha sala. Ele já
era petista! As divergências eram claras. Eu lhe disse o óbvio: “Interessa-me a
notícia, não o que grupos de pressão dizem ser notícia”. Tivemos um
relacionamento profissional e cordial. Convivo bem com a diferença. Tanto Breve
como eu sabíamos para onde conduziam as velas. Ele cresceu a favor do vento;
eu, contra.
Memórias, memórias, memórias…
O PCO, Partido da Causa Operária, um dos grupos de extrema-esquerda que
respondem pelas ações mais detestáveis na USP, resolveu me transformar em seu
inimigo público nº 1. Como tenbo muitos leitores, consideram que a coisa rende.
Sou um bom “inimigo”. Seus militantes acusam-me das maiores barbaridades. Como
foram longe demais, terão de responder legalmente por isso. Um deles escreve
num jornaleco chamado “USP Livre”, ligado ao tal partido, que defendo o
espancamento de negros (!) e me chama de racista. O racismo é crime
imprescritível e inafiançável. Vai ter de provar. Se não o fizer, e não tem
como fazê-lo, estará cometendo crime de calúnia. Vamos nos encontrar no lugar
certo para tratar do assunto. Como ele é um “revolucionário”, deve nos imaginar
em trincheiras opostas, com armas na mão. Mais modesto, contento-me com o estado
democrático e de direito. Se cometi o crime que ele diz que cometi, tenho de ir
em cana. Se não cometi, quem vai arcar com as conseqüências é ele. É bom ir
consultando um advogado do “estado burguês”, meu rapaz.
O que o rapazola talvez ignore
é que estudei na USP com o seu chefe, Rui Costa Pimenta, o presidente do PCO.
Quando o conheci, no começo de 1980 acho, eu tinha 18; ele, 22. Tivemos uma
convivência amiga, cordial. Rui já pertencia a uma corrente trotskista dentro
do PT chamada Causa Operária, que ainda não era, como é hoje, um partido. Lá se
vão mais de 30 anos! Eu fazia política estudantil com outro grupo, igualmente
trotskista, a Liberdade e Luta (a famosa “Libelu”), depois de ter passado pela
Convergência Socialista (onde comecei, aos 15…), que viria a resultar, mais
tarde, no PSTU.
Rui tentou, sem qualquer ação
ostensiva ou desagradável, ressalte-se, me atrair para a sua corrente. Chegamos
a almoçar em sua casa, servidos por sua simpática avó, quando a possibilidade
foi tratada de maneira mais clara. Eu gostava de nossa amizade, mas não me
convenci. Ele não era muito apreciado pelas demais correntes estudantis, mesmo
as mais radicais, porque não entendiam direito seus movimentos. Rui jamais
participou das invasões da Reitoria, do restaurante universitário ou dos
prédios de moradia do Crusp, por exemplo. Com um brinco bastante avançado para
a época, cultivava, digamos assim, um certo distanciamento aristocrático
daquela turba de invasores - na qual eu me incluía…
Lembro-me de ter pensado certa
feita: “Será que ele tem medo de apanhar? Seria covardia?” Mas logo deixei de
lado a suspeita porque me pareceu duplamente indigno pensar aquilo: a) porque
era meu amigo; b) porque todo mundo tem o direito de ter medo de apanhar, e
isso não é uma falha de caráter. Afinal, era mais difícil opor-se à ditadura do
que à democracia. Preferi pensar que ele achava irresponsável a nossa forma de
ação direta. Eu sempre penso as melhores coisas sobre os meus amigos.
Eu conhecia alguns poemas de
Mário Faustino, mas Rui tinha uma raridade: “O Homem e Sua Hora”, publicado
pela Civilização Brasileira, em 1955, com orelha de Paulo Francis. Ele me
emprestou o livro, e foi esse o melhor saldo da nossa amizade. Se Rui deu pela
falta do volume em sua estante, na hipótese de que isso ainda seja do seu
interesse, vai o aviso: o livro está comigo. Preciso achar um modo de
devolvê-lo.
Mais de trinta anos depois, a
cordialidade, que parecia existir independentemente das divergências - eu
sempre preferi as nossas conversas sobre gramática e literatura -, é
substituída por uma violência retórica que parece tanto mais exacerbada quanto
mais minoritárias se mostram as teses do PCO. Hoje, as “crias ideológicas” de
Rui não se contentam apenas em dizer que estou errado (ok, é um direito) ou que
sou reacionário (ok, é um juízo de valor). Não! Isso lhes parece pouco.
Precisam também recorrer às mentiras, às acusações infundadas, ao xingamento, à
baixaria, às calúnias. Não basta a seus soldados aquilo que realmente escrevo
para me satanizar no tal “USP Livre”. Precisam também recorrer ao que nunca
escrevi.
Numa tarde distante, depois
das aulas da USP, Rui tentou, numa conversa serena, convencer-me a aderir à sua
“Causa Operária”. Não conseguiu. Mais de 30 anos depois, sou obrigado a
considerar que a sua causa avançou pouco, mas a violência retórica de sua turma
e a ação empreendida na USP ganham contornos de insanidade minoritária. Mas
vejam como sou: esse Rui de hoje, que comanda pessoas que golpeiam eleições no
DCE e que se dedicam à calúnia e à violência, não poderia, evidentemente, ser
meu amigo. O meu espaço para a divergência não comporta esse tipo de ação
delinqüente. Mas aquele outro, que ficou perdido há 30 anos, com o qual não
rompi, era capaz de dizer coisas interessantes.
Dia desses, chegaram-me alguns
impropérios desferidos contra mim por Natália Pimenta, que, fiquei sabendo, é
filha de Rui e até já se candidatou a algum cargo eletivo. Fazer o quê? As
minhas filhas só saberão agora quem é o pai de Natália. Não as treinei para o ódio.
Eu as eduquei para a liberdade. O comunismo resultou em terror porque seus
militantes confundiram a civilidade com um traço de classe. Não conseguiram
acabar com a burguesia, mas conseguiram acabar com a civilidade.
Textos: Reinaldo Azevedo,
18-01-2012
Título e Edição: JP
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